A alegria prosaica por trás dos golpes de Hugo Calderano
Além das medalhas cada vez mais frequentes, craque do tênis de mesa reluz o simbólico encontro com a brincadeira sem a qual o mundo desbotaria

Ele não tira o sono do torcedor, não inflama cornetadas no churrasco, não estremece a arquibancada. Ainda assim, faz chover, faz História, faz o Brasil tirar onda onde nunca tirou. Nem Donald Trump incomoda tanto os chineses.
Precisamos falar de Hugo Calderano. Tietá-lo, incentivá-lo, agradecê-lo. Precisamos aclamar nosso vice-campeão mundial de tênis de mesa com o orgulho devotado aos ídolos.
Intruso no Olimpo asiático, o carioca de 29 anos, cria das Laranjeiras, merece um jardim de ufanismos. Tanto pela inclusão sul-americana na elite internacional quanto pela conexão ao pingue-pongue da infância, do recreio, das despretensiosas tardes no play.
Calderano representa não só o sucesso desbravado com talento e persistência, não só um Brasil insinuante e vencedor, permeável ao sonho. Representa também a brincadeira primordial, salvadora, cuja sombra alivia as desumanidades.
O mérito do craque ultrapassa a concentração, a precisão astrofísica, a habilidade em domar a esfera supersônica igual um peão domina o touro ensandecido. Virtudes que desbancaram o chinês Lin Shidong, número um do ranking, na decisão da Copa do Mundo, há dois meses: 4 a 1 sobre o dono da casa.
O compenetrado e simpático mesa-tenista reluz além do ouro cada vez mais frequente (como o bicampeonato no Star Contender da Eslovênia, domingo retrasado, 22 de junho, pleno dia de aniversário). Seu brilho irradia a cumplicidade entre a criança e a bola.
Nela encarnamos o herói dos quadrinhos, acordamos a fragrância lúdica adormecida no cotidiano. O quique da bola, o irresistível quique da bola, nos leva até esse recanto inalcançável ao tempo mecânico.
Por trás dos golpes milimétricos, próximos do videogame, prevalece o encontro com a alegria prosaica do pingue-pongue, comum ao pique, à bola de gude, à amarelinha. Alegria de piquenique. Flutua na pipa, na cantiga de roda, no futebol de botão.
Da largada no Fluminense, do amadurecimento na Alemanha, às medalhas ascendentes, Hugo Calderano simboliza tal alegria, sem a qual a vida desbota e pesa demais. Sem a qual jamais saberíamos que a casquinha travessa, risonha, se impõe à matemática do placar.
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Treinão na Lagoa
O aquecimento para a I love corrida PRIO, 13 de setembro, no Jockey, larga sábado agora (5), com um treinão matinal pela Lagoa. Organizado pela PRIO e pela assessoria Marun, o encontro reflete a triangulação crescente entre a corrida de rua, a sociabilização e o entretenimento.
Com percursos de cinco (individual) e dez quilômetros (individual ou revezamento em dupla), a prova estreante emenda um pôr do sol musical. Shows como o dos Djs Dubdogz embalam a arena idealizada pela X3m Sport Business.
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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, integrante do corpo docente da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio. Doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.