Relembre visitas de papas e homenagens da cidade aos pontífices
Visitas papais, homenagens urbanas e a relação afetiva entre o Rio de Janeiro e os pontífices

A fumaça branca apareceu no alto da Capela Sistina e, como já virou tradição, o mundo parou por um instante. No Rio de Janeiro, em plena hora do almoço, muita gente olhava atenta para os televisores de restaurantes a fim de saber quem era afinal o novo Papa. O eleito: Leão XIV. Nome solene, expressão serena, e uma longa missão pela frente. Mas aqui na cidade, o que veio à tona mesmo foi a lembrança daquele que partiu — o carismático Papa Francisco — e, junto com ela, um monte de histórias que ligam o Rio aos Papas de maneiras que poucos notam no dia a dia.
Essa conexão não começou com Francisco, nem depende da visita física de um pontífice. Ao longo das décadas, o Rio foi criando um mapa sentimental que mistura fé, memória e urbanismo: ruas, praças, igrejas e monumentos dedicados a papas que, mesmo sem terem pisado aqui, ganharam endereço na cidade. De Pio X a Leão XIII, de João Paulo I a Paulo VI, os nomes estão espalhados por bairros distintos, como se fizessem parte da paisagem desde sempre. E de certa forma, fazem.
Foi pensando nessa geografia curiosa — e no impacto simbólico que a figura do Papa ainda exerce por aqui, mesmo entre quem não pratica o catolicismo — que nasceu a coluna de hoje. Um passeio por memórias cariocas e homenagens discretas, num momento em que a cidade, entre o luto e a curiosidade pelo novo pontífice, talvez precise mesmo parar um pouco… e lembrar.

Foi no dia 1º de julho de 1980 que João Paulo II, o primeiro pontífice a pisar em nosso país, celebrou, no Aterro do Flamengo, a maior missa campal já realizada no Brasil até então. Cerca de 2,5 milhões de pessoas se aglomeraram diante do altar montado entre o mar e a cidade, para ver de perto o Papa que havia desembarcado no Rio um dia depois de ter beijado o chão ao descer do avião em Brasília. No altar, ao som apaixonado de fiéis que cantavam “A bênção, João de Deus”, o pontífice polonês viveu um dos momentos mais marcantes de sua visita ao país. No dia seguinte, subiu o Morro do Vidigal para conhecer um coral de crianças e abençoar a comunidade. Ainda passou pela Catedral Metropolitana, no Centro, onde leu uma mensagem aos bispos da América Latina. E, antes de seguir viagem para Aparecida, em São Paulo, fez uma parada no Corcovado: de frente para o Cristo Redentor, abençoou mais uma vez a cidade.
Dezessete anos depois, em 1997, João Paulo II voltaria ao Rio de Janeiro para participar do II Encontro Mundial do Papa com as Famílias, um evento também no Aterro, dessa vez para 2 milhões de pessoas. E, como num gesto de repetição simbólica, voltou ao alto do Cristo para mais uma bênção à cidade. Foi sua segunda e última visita ao Rio.

Bento XVI, seu sucessor, veio ao Brasil em 2007, mas sua passagem foi breve: cinco dias entre São Paulo e Aparecida, para participar da 5ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano. O Rio não fez parte do roteiro. Mas em 2013, o mundo acompanhou com curiosidade o início do pontificado de Francisco, eleito em 12 de março após a renúncia de Bento. Coube ao novo Papa, já no mês de julho, a missão de liderar a Igreja na Jornada Mundial da Juventude, naquela que foi a sua primeira viagem oficial ao exterior desde o Conclave.
A cidade, então, se preparou como poucas vezes. Durante uma semana, Copacabana virou altar, ruas viraram procissão, e Francisco — com seu jeito direto, carismático e bem-humorado — foi recebido como se tivesse nascido aqui. O primeiro Papa latino-americano, com sotaque portenho e português afinado, visitou a favela da Varginha, no Complexo de Manguinhos, celebrou na Catedral, enfrentou engarrafamentos como qualquer carioca e encantou até os mais céticos com sua leveza. Mesmo quem não é católico lembra com carinho daqueles dias em que o Papa parecia mais um visitante querido do que uma figura distante. O Rio soube acolhê-lo como só o Rio sabe fazer.

O atual Papa Leão XIV também conhece a nossa cidade. Antes de ser eleito, esteve aqui duas vezes. A primeira foi de forma discreta, em 2012, ainda como superior-geral dos agostinianos, em visita a paróquias da cidade. A segunda, justamente durante a Jornada Mundial da Juventude de 2013, quando integrou a comitiva vaticana e presenciou de perto aquele raro momento de comunhão entre a cidade e o mundo. Agora, com sua eleição, o Rio talvez se sinta um pouco parte dessa história.

Se nem todos os papas passaram pelo Rio, o Rio deu um jeito de manter muitos deles “imobilizados” por aqui. Quem anda pela cidade já deve ter se deparado com essas homenagens espalhadas por diferentes cantos. Na Zona Oeste, por exemplo, a Avenida João XXIII corta o bairro de Santa Cruz com o nome daquele Papa que convocou o Concílio Vaticano II e virou símbolo de renovação. No Estácio, a Rua João Paulo I presta tributo ao pontífice que ficou apenas 33 dias no cargo — mas, ainda assim, não foi esquecido. No Centro, a Praça Pio X vive o intenso vai e vem dos ônibus que passam pela Candelária. No Jardim Botânico, a Praça Pio XI divide espaço com árvores frondosas e silêncio bom de fim de tarde.
Tem também a Avenida Leão XIII, no Caju, lembrando o Papa das encíclicas sociais. A Rua Paulo VI, no Flamengo, é uma via quase escondida entre o Morro Azul e o Metrô Flamengo. Em Água Santa, a Rua São João Paulo II é um registro oficial da popularidade duradoura daquele que visitou o Rio duas vezes e segue querido. E em Botafogo, a Paróquia Santa Cecília e São Pio X serve de ponto de referência e de fé na Rua Álvaro Ramos, 385. Já na Catedral Metropolitana, um visitante especial permanece do lado de fora: a estátua de São João Paulo II, braços abertos, parece ainda acenar para a cidade. É como se dissesse: “estive aqui, e nunca fui embora”.

Com tantos pontífices já eternizados em logradouros cariocas — ruas, avenidas, praças, igrejas e até estátuas —, é inevitável pensar: e o Papa Francisco? A cidade que o recebeu com tanta alegria, que o viu circular por Copacabana como quem passeia no calçadão, ainda não lhe prestou uma homenagem concreta. E não é por falta de motivo. Ele foi o primeiro Papa latino-americano. Simpático, acessível, espirituoso, Francisco deixou sua marca no imaginário carioca com um carisma que transcendeu crenças.
Sua passagem por aqui, durante a Jornada Mundial da Juventude, foi daquelas que o tempo não apaga. E agora, com sua morte, a sensação é de que falta algo — uma homenagem, um gesto simbólico, um espaço com seu nome. Não por protocolo, mas por afeto. Afinal, poucas figuras públicas conseguiram se conectar com o Rio como ele fez. E isso não se esquece.
Sinceramente? Eu estou aqui torcendo para que o prefeito Eduardo Paes e o arcebispo Dom Orani Tempesta estejam “tramando” alguma coisa entre eles…e quem sabe logo logo não vem por aí uma homenagem surpresa ao Papa Francisco nas ruas da nossa cidade?
*Daniel Sampaio é advogado, ativista do patrimônio cultural e criador de conteúdo. Fundou o Instagram @RioAntigo em 2012 e a ONG Instituto Rio Antigo em 2022.