Antes de Lady Gaga, vieram elas: 7 divas que fizeram história no Rio
Com a "Mother Monster" prestes a subir ao palco, relembramos divas que, do século XIX aos anos 1990, já causaram furor e arrastaram fãs pela cidade

Muito antes de Stefani Germanotta — a grande artista por todos nós conhecida como “Lady Gaga” — aportar em terras cariocas, prometendo transformar Copacabana em uma gigante pista de dança, neste sábado, 3 de maio de 2025, o Rio de Janeiro já era, desde os tempos do Império, um destino “queridinho” das grandes divas do mundo.
A história do Rio é demasiadamente rica e diversa e, em sua trajetória cosmopolita como capital por quase 200 anos, a cidade recebeu inúmeras divas internacionais em seus palcos. Por isso, fica aqui a ressalva: listar apenas 7 delas foi uma tarefa árdua, mas muito, muito prazerosa.
Nossas 7 divas desembarcaram, brilharam e deixaram legiões de fãs em êxtase por aqui. Agora é a vez de Gaga — e, se a tradição se mantiver, o Rio vai, mais uma vez, dançar, cantar e fazer história debaixo das estrelas. Aqui vai a minha lista estelar:
Marietta Baderna: a bailarina italiana que virou sinônimo de confusão
Muito antes da “baderna” entrar para o dicionário, ela já dançava pelos salões do Rio de Janeiro — com saia rodada, passos ousados e uma coragem que sacudiu o moralismo do século XIX. Marietta Baderna (1828-1892), bailarina italiana aclamada na Europa, desembarcou por aqui em 1849, fugindo da instabilidade política em sua terra natal. Nas ruas da Corte Imperial, a bailarina se encantou pelas festas populares. No palco, acabou misturando o balé clássico com ritmos populares que passou a admirar, como o lundu, desafiando as normas e os bons costumes da elite carioca.
Não demorou para Baderna conquistar uma legião de fãs fervorosos — os chamados “baderneiros” (precursores dos “Little Monsters”, talvez?) — que causavam uma agitação sem precedentes nas plateias, batendo os pés no chão, aplaudindo e berrando em homenagem à diva, no meio das performances. Um comportamento que a elite eurocêntrica não aceitava como civilizado. Tanto que o nome da musa acabou virando sinônimo de tumulto — mas apenas no português brasileiro.
Entre aplausos e escândalos, Marietta Baderna sobreviveu à febre amarela, enfrentou o preconceito e dançou muito, até ser empurrada para o ostracismo no Brasil. Mudou-se de volta para a Europa, onde atuou brilhantemente por muitos anos. No fim de sua vida, retornou ao seu amado Rio de Janeiro, onde está sepultada (no Cemitério do Caju). Porém, sua marca ficou.
Pouca gente sabe dessa história, mas agora você já sabe: toda vez que alguém falar em “baderna”, entenda essa palavra tão carioca como o eco irreverente e duradouro de uma bela e doce bailarina que não seguiu o amargo compasso de sua época.

Sarah Bernhardt: ascensão e queda de uma diva no palco carioca
Em 1905, o Rio de Janeiro recebeu uma das maiores estrelas do teatro mundial: Sarah Bernhardt, a “Divina Sarah”. Aos 61 anos, a atriz francesa — celebrada pelo escritor Victor Hugo como dona de uma “voz de ouro” — retornava ao Brasil pela terceira vez, trazendo no repertório a intensa “La Tosca”, peça de Victorien Sardou. Mas o glamour cedeu lugar ao drama quando, durante uma apresentação no Teatro Lírico (que ficava na atual Avenida Treze de Maio e foi demolido nos anos 1930), Sarah fraturou o joelho ao saltar do cenário, em cena de suicídio prevista no roteiro, porque a produção do espetáculo havia “esquecido” de posicionar as almofadas de segurança no estrado onde a diva cairia.
O acidente teve consequências graves: anos depois, sua perna esquerda foi amputada. Mesmo assim, ela seguiu brilhando nos palcos e no nascente cinema, atuando até a morte, em 1923. A passagem trágica de Sarah pelo Rio virou parte da lenda de uma das maiores atrizes da história — cuja última queda aconteceu, irônica e tragicamente, sob os aplausos de uma plateia carioca.

Isadora Duncan: o sopro de liberdade e poesia que encantou o Rio
Muito antes de sapatilhas, tutus e coreografias milimetricamente ensaiadas, Isadora Duncan já dançava descalça, em túnicas esvoaçantes, celebrando a liberdade do corpo e da alma. Em 1916, a revolucionária da dança moderna passou pelo Rio de Janeiro — e, como era de se esperar, “causou”. Encantou João do Rio, com quem trocava ideias em várias línguas e, dizem, talvez até beijos. Fez uma apresentação nua e envolta em filó na Cascatinha da Tijuca, apenas para poucos amigos. Já no Arpoador, Isadora banhou-se nua, publicamente, um escândalo bem intenso para a época. Isso tudo décadas antes da nossa belíssima e bravíssima Luz Del Fuego lançar “moda” por aqui.
Isadora dizia a todos que havia vivido uma grande paixão aqui na nossa cidade, mas nunca revelou o nome (terá sido João do Rio?). Entre aplausos e suspiros, sua visita ficou marcada por ousadia e poesia — bem ao estilo carioca. Se não deixou registros filmados, deixou memórias encantadas nas esquinas, florestas e salões do Rio. A diva que dançou como o vento passou por aqui como um sopro de irreverência e beleza.

Josephine Baker: quando a liberdade dançou sob os holofotes cariocas
Em 1929, o Rio de Janeiro recebeu, escandalizado e encantado, a primeira visita da “Pérola Negra” — Josephine Baker, a deusa das plumas, bananas e do rebolado revolucionário. A cidade ainda vestia moralismo até o pescoço quando ela subiu ao palco do Teatro Cassino, praticamente nua, com sua lendária tanguinha de bananas, num número que já havia incendiado Paris. Foi um divisor de águas para o teatro de revista brasileiro.
A presença de Josephine sacudiu as bases da sociedade carioca. Mais que espetáculo, ela trouxe ao Brasil uma nova imagem de mulher: sensual, livre, profissional. Sua performance exuberante e ousada inspirou transformações no teatro de revista, elevando o papel das coristas, que passaram a se maquiar, dançar com técnica, mostrar-se com confiança. Era o corpo feminino ocupando o palco — e não mais apenas os bastidores —, anunciando a lenta, porém irreversível, ruptura com os velhos tabus.
Josephine voltaria ao Brasil outras vezes, entre os anos 1940 e 1970, inclusive se apresentando no teatro do Copacabana Palace, sempre reafirmando seu amor pelo país. Morreu em 1975, mas aqui deixou sua marca.

Quando o Rio ouviu Maria Callas — e nunca mais foi o mesmo
Em 1951, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro foi palco de um encontro com a lenda: Maria Callas, a soprano grega de voz poderosa e temperamento igualmente intenso. Em plena temporada lírica, Callas brilhou em “Norma”, “Tosca” e “La Traviata”, conquistando o público carioca com sua técnica impecável e presença arrebatadora. O Municipal entrou para a história como o único teatro do mundo a ter Callas e Renata Tebaldi se revezando como Violeta em La Traviata.
Mas nem tudo foi harmonia: em um concerto beneficente, Callas seguiu à risca a regra de “sem bis”, enquanto Tebaldi, aplaudida, ofereceu dois. Resultado? Dois tapas em seu empresário e um contrato rescindido. O episódio incendiou os bastidores e alimentou a rivalidade entre as divas, tão comentada quanto suas árias. Callas ainda voltaria ao Brasil outras vezes, mas aquele setembro no Rio ficou cravado na memória lírica da cidade — com drama, talento e intensidade dignos de uma ópera.

Quando Tina Turner fez do Maracanã o maior palco do planeta
Naquela noite quente de 16 de janeiro de 1988, o Maracanã virou templo, pista de dança e avenida de carnaval — tudo ao mesmo tempo. A responsável? Tina Turner, que entrou no estádio em cima de um carro alegórico da Beija-Flor, com bateria, passistas e Neguinho puxando o samba. O público, 182 mil pessoas, colocou a cantora no Guinness Book como artista solo com o maior público pagante da história da música.
Foi um show antológico: dois palcos, saias de franjas, suor, carisma e uma sucessão de hits como “Private Dancer” e “We Don’t Need Another Hero”. Bandeiras de clubes cariocas tremulavam na arquibancada, como num Fla-Flu. Até Gal Costa e Fafá de Belém estavam na plateia, encantadas.
O recorde global, batido por Tina, seria superado dois anos depois por Paul McCartney, também no Maracanã. Mas Tina mantém até hoje o feito de ser a artista feminina com o maior público pagante da história em um único concerto — um feito à altura de sua voz, de sua presença de palco e de sua emocionante e inspiradora história de vida.

Madonna enfim no Rio: a popstar, o Maracanã e um menino de 11 anos
Em 6 de novembro de 1993, Madonna pisou pela primeira vez no palco do Maracanã com a turnê The Girlie Show — e, entre as 120 mil pessoas que lotavam o estádio, estava eu, Daniel, aos 11 anos, vendo a Rainha do Pop de perto, com olhos deslumbrados (até hoje sou fã). A diva, que já havia causado furor ao circular disfarçada pelo Rio com peruca e óculos escuros, ainda arranjou tempo para subir ao Corcovado, passear na Barra, tomar água de coco e jantar no Satyricon. No palco, vestiu a camisa do “Mengão” e cantou “Garota de Ipanema” em inglês.
Madonna voltaria ao Rio outras vezes: em 2008 (Sticky and Sweet Tour), em 2012 (MDNA Tour) e, por fim, em maio do ano passado, com a apoteótica Celebration Tour. Há quase um ano, Madonna transformou Copacabana num templo Pop a céu aberto, quebrando seu próprio recorde: foi o maior público da sua carreira. Da arquibancada do Maraca à areia da praia, o Rio sempre soube receber Madonna como ela merece — com carinho e devoção.

*Daniel Sampaio é advogado, ativista do patrimônio cultural e criador de conteúdo. Fundou o Instagram @RioAntigo em 2012 e a ONG Instituto Rio Antigo em 2022.