Ilha de Paquetá: um recanto histórico em plena Guanabara
Conheça a história desse refúgio bucólico ao fundo da Baía que parece ter parado no tempo
A Ilha de Paquetá foi registrada pela primeira vez em 1555, por André Thevet, cosmógrafo de Nicolas Durand de Villegaignon, diplomata e vice-almirante bretão que fundou a França Antártica. O nome “paketa” em tupi-guarani pode ter mais de um significado. Seria um “lugar cheio de pacas” ou talvez “um lugar cheio de conchas”. Apesar da denominação dada pelos povos originários tupinambás e temiminós, nunca foram encontrados indícios de que era um local habitado pelos indígenas. Isso faz sentido pois não há nenhum curso de água doce na ilha e a técnica de cavar poços para encontrar água não era ainda conhecida pelos nativos.
Durante quase toda a duração da invasão francesa (aproximadamente doze anos), Paquetá foi local de apoio para a França Antártica, não tendo sido de fato ocupada. Foi palco de uma sangrenta batalha na qual estavam, de um lado, portugueses aliados aos temiminós e, do outro, franceses aliados aos tupinambás. Essa batalha foi uma entre tantas outras que culminaram com a fundação da cidade, em 1565, e com a vitória definitiva dos portugueses sobre os franceses, em 1567.
No mesmo ano de fundação da cidade, a ilha foi dividida em duas sesmarias que seriam doadas por Estácio de Sá a dois de seus exitosos capitães: Ignácio de Bulhões e Fernão Valdez. Em 1565, Bulhões ocupou o lado Norte da ilha. Já no ano seguinte, Valdez ocupou o Sul. A ideia de Estácio era não só reconhecer os méritos de seus combatentes, mas também garantir que a ilha, como parte importante do território da Guanabara, fosse estrategicamente ocupada.
Ao longo dessa ocupação das duas porções da ilha, cada lado foi assumindo sua identidade muito particular. O lado Norte é conhecido, até hoje, como Campo, por causa dos extensos pastos de pecuária de outrora. A Fazenda São Roque, principal estabelecimento do Norte foi grande fornecedora de hortifrutigranjeiros para a Corte (Rio de Janeiro) ao longo da história. Em 1697, foi erguida a Capela São Roque, o primeiro templo católico da ilha.
Já o Sul, chamado até hoje de “Ponte”, por causa do ancoradouro das barcas, passou por rápido parcelamento de terras, motivado pela indústria caieira, que produzia o cal usado na construção civil juntamente com o óleo de baleia. Além disso, também eram fortes a pesca, a construção naval e a extração de pedras.
Com a chegada da corte portuguesa em 1808, a Ilha de Paquetá tornou-se um dos lugares favoritos do então Príncipe Regente D. João, que havia acidentalmente aportado por lá após uma tormenta quando estava navegando rumo a Santana de Macacu. Atribui-se a ele a criação de um dos mais notórios apelidos de Paquetá: “Ilha dos Amores”. Reza também a lenda que as águas do poço São Roque foram responsáveis pela cura de uma infecção causada por carrapatos na perna do nobre português. O Solar del Rey, antiga casa de Dom Francisco Gonçalves, conhecido mercador de escravizados, frequentado por D. João, ainda está de pé, mas em péssimas condições.
Em 1831, a Ilha de Paquetá consegue seu desmembramento de Magé e passa a integrar o território do Município da Corte (Rio de Janeiro). Com o estabelecimento de uma linha permanente de barcas, em 1838, da Corte até Paquetá, a ilha passou a receber um público maior de pessoas que buscavam um lugar bucólico, afastado e salubre para passear.
Em 1844, Joaquim Manuel de Macedo lançou seu importante romance “A Moreninha”. Apesar do livro sequer mencionar Paquetá, ele foi imediatamente associado à Ilha. Fez enorme sucesso, virando filme e novela.
“E enquanto por uma bela avenida, orlada de coqueiros, se dirigiam à elegante casa, o curioso estudante recém-chegado examinava o lindo quadro que a seus olhos tinha. A Ilha de …. é tão pitoresca quanto pequena.” (Trecho do livro “A Moreninha”, de Joaquim Manoel de Macedo).
Pelo seu valor paisagístico, Paquetá ainda fascina moradores e visitantes por sua tranquilidade e seu peculiar patrimônio cultural e urbanístico, caracterizado pelo bucolismo das edificações, pela riqueza da arborização e pela calmaria de suas ruas. Todo esse encanto justificou sua transformação em Área de Proteção do Ambiente Cultural (Apac) pelo Decreto “N” nº 17.555, de 18 de maio de 1999.
Paquetá hoje se caracteriza pelo uso predominantemente residencial e turístico e seu acesso só é possível por embarcações. No interior da ilha não é permitida a circulação de carros particulares. Apenas poucas ruas no entorno da estação das barcas são pavimentadas em paralelepípedo, pois são características da ilha suas ruas de terra, nas quais, exceto pelas viaturas oficiais, não circulam automóveis, sendo o transporte composto principalmente por charretes e bicicletas (que substituíram, felizmente, a tração animal em 2016).
*Daniel Sampaio é carioca do Grajaú. Advogado, memorialista e ativista do patrimônio. Fundador do perfil @RioAntigo no Instagram.