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Por Daniel Sampaio: advogado, ativista do patrimônio, embaixador do turismo carioca e fundador do Instagram @RioAntigo
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10 curiosidades históricas sobre o carnaval do Rio

Enquanto não chega a hora de finalmente cair na folia, conheça mais sobre a história carnavalesca carioca

Por Daniel Sampaio Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 22 fev 2022, 18h17 - Publicado em 22 fev 2022, 18h08

Em tempos ainda pandêmicos, o início do reinado de Momo terá, mais uma vez, que esperar. No intuito de frear a disseminação da nova variante da Covid-19, o carnaval de rua foi cancelado e os desfiles das escolas de samba foram adiados para o fim de abril.

Enquanto não chega a hora de cair na farra, que tal viajar pela história do carnaval carioca para entender suas origens, conhecer fatos curiosos e descobrir histórias que foram cruciais para fazer do nosso carnaval o que ele é hoje?

Por ter uma história tão rica e diversa, listar apenas dez curiosidades sobre a folia do Rio em outras épocas foi uma tarefa árdua, mas muito prazerosa. Aqui vão:

A brincadeira do entrudo

Já ouviu falar no “entrudo”? Trazida pelos portugueses, foi uma brincadeira de carnaval dos tempos medievais que reinou em todo o Brasil até o final do século XIX.  A diversão consistia no seguinte: todo mundo saía sujando todo mundo. E, durante essas batalhas, os foliões se armavam de sacos de água perfumada, conhecidos como os “limões-de-cheiro”, baldes d’água e muito polvilho.

A prática do entrudo era um hábito mal visto pela elite imperial, que se pretendia europeia e civilizada. Era o carnaval popular, da gente pobre, da população escravizada. E, nas ruas do Rio, o entrudo acabou se tornando mais animado, intenso e…digamos…carnal.  O povo só sossegava na hora da “Ave Maria”. Um detalhe: na farra das ruas, os “limões-de-cheiro” podiam ter alguns ingredientes a mais, como lama e urina.

O entrudo foi oficialmente proibido em 1854, mas a lei “não pegou” e ele continuou acontecendo intensamente. Em 1882, o jornal “Gazetinha” chegou a noticiar que o Imperador D. Pedro II em pessoa havia participado da folia. No início do século XX, o entrudo foi perdendo adeptos, até sumir de vez.

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O baile de máscaras

Ao longo do século XIX, a sociedade brasileira mudou significativamente. O surgimento de uma nova classe média que se identificava com a elite aristocrática gerou a demanda por um carnaval mais europeu e “civilizado”. E foi no carnaval de Veneza que acharam o modelo ideal, que já estava sendo replicado em diversas cidades europeias: o baile de máscaras.

O primeiro baile de máscaras do carnaval brasileiro aconteceu no Hotel d’Italia, no Largo do Rocio, atual Praça Tiradentes, em 20 de janeiro de 1840. A Imprensa foi só elogios, ressaltando o refinamento e a elegância do evento. E o baile de máscaras virou uma febre na Corte.

Nesses eventos, ritmos estrangeiros como a valsa e a polca eram a preferência. Predominavam, inicialmente, as fantasias de palhaço, fidalgo, turco e dominó, mas, com o tempo, nosso Carnaval foi sendo invadido pelas figuras eternizadas pela “Comedia Dell’Arte”: o Arlequim, o Pierrot e a Colombina.

“Baile de máscaras no Teatro Lírico do Rio de Janeiro
“Baile de máscaras no Teatro Lírico do Rio de Janeiro”, em 1883 (Guerave/Reprodução)

O congresso das sumidades carnavalescas

Em 18 de fevereiro de 1855, aconteceu o primeiro desfile carnavalesco nas ruas da cidade, realizado pelo clube “Congresso das Sumidades Carnavalescas”, fundado por intelectuais e representantes da alta sociedade, um dos quais o jovem escritor José de Alencar. Nele, os sócios do clube desfilaram em carruagens abertas usando fantasias luxuosas trazidas da Europa.

O sucesso foi tão grande que, no ano seguinte, o Imperador D. Pedro II levou a Imperatriz e as Princesas para assistirem ao desfile, que já havia crescido consideravelmente em relação ao seu ano de estreia. Dessa vez, havia carros alegóricos com personagens históricos, grupos a cavalo e banda. Essa tradição em breve se espalharia, com a criação das grandes sociedades carnavalescas.

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Era a afirmação de posições elitistas e reformadoras que se opunham às formas antigas de celebração do carnaval, como o entrudo, que havia sido proibido apenas um ano antes. Apesar da tentativa de elitização, na mesma época, ranchos e cordões formados pelas camadas sociais mais populares também faziam sucesso.

O desfile de corsos

Uma tradição que se perdeu no tempo, o corso carnavalesco era um desfile de carros conversíveis de luxo lindamente decorados que rodavam as ruas do Centro da cidade.

O seu ápice era quando os corsos, que vinham em fila da Av. Beira-Mar, viravam à esquerda em frente ao Palácio Monroe e entravam triunfantes na Avenida Rio Branco, onde os foliões os aguardavam. Cada corso vinha lotado de gente fantasiada, jogando confete, serpentina e lança-perfume em todo mundo.

Esse costume foi se perdendo, pois a fabricação de automóveis conversíveis foi sendo deixada de lado pouco a pouco.

1912, o ano em que tivemos dois carnavais

O luto pela morte do Barão do Rio Branco, diplomata que se tornou herói nacional por definir nossas fronteiras pacificamente, adiou as festividades oficiais do carnaval no ano de 1912. O Presidente da República, Marechal Hermes da Fonseca, havia transferido o calendário oficial para o início de abril.

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Passados sete dias da morte do Barão, o povo foi às ruas mesmo assim. O carnaval oficial, com os desfiles das grandes sociedades e elegantes bailes em salões de clubes e hotéis, não aconteceu. Mas, nas ruas, a multidão fez a festa, em alguns cordões e ranchos que haviam decidido manter suas programações. Para muita gente, uma semana de luto era suficiente para o nosso herói nacional e não seria necessariamente tão ofensivo à memória de Juca Paranhos, um amante do carnaval. Muitos dos foliões inclusive homenagearam o Barão do Rio Branco em fantasias e adereços.

Na primeira semana de abril, a folia aconteceu de novo. E com ainda mais força, pois os desfiles e festas oficiais somaram-se à espontaneidade popular das ruas, e aos mesmos cordões e ranchos que já haviam saído em fevereiro. Foi um segundo carnaval para ninguém botar defeito.

1919, o carnaval do alívio pela sobrevivência

Em poucos meses ao final de 1918, mais de 15.000 cariocas perderam suas vidas para a pandemia global de H1N1 – a “gripe espanhola”. Esse período curto, porém sombrio, de nossa história deu lugar a um sentimento coletivo muito peculiar: a ansiedade de se viver. O Carnaval de 1919 simbolizou a explosão de alegria e de alívio por ter sobrevivido à “hespanhola”.

A vivência da catástrofe parecia ter trazido um sentimento de carpe diem — “e se fosse o último Carnaval? O sentimento se desdobrou em uma intensa retomada da atividade econômica na Cidade, às vésperas da folia. O comércio prosperou com a ânsia pelas fantasias, confetes, purpurinas e lantejoulas.

Naquele ano, o Carnaval caiu em março e, ao longo de janeiro e fevereiro, o Rei Momo “era chamado de deus, não de rei, e já pontificava sobre seus devotos”. Foi também naquele ano que blocos formados apenas por mulheres foram criados e o Cordão do Bola Preta desfilou pela primeira vez. O Carnaval da “Hespanhola” marcou a nossa história.

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Os coretos de subúrbio

O carnaval de rua dos bairros do subúrbio sempre foi animado e popular, mas não recebia apoio financeiro da Prefeitura para enfeitar suas ruas. Em 1920, comerciantes, associações dançantes e moradores desses bairros passaram a se mobilizar para construir coretos monumentais que passaram a competir entre si pelo primeiro lugar.

O mais famoso de todos os coretos suburbanos, feito para o carnaval de Madureira, em 1924, pretendia homenagear Santos Dumont e seu histórico voo com o 14-bis ao redor da Torre Eiffel. A razão de sua fama? Foi retratado por Tarsila do Amaral em sua obra “Carnaval em Madureira”.

O quadro mostra a Torre Eiffel em pleno subúrbio carioca, o que fez muita gente ao longo dos anos se perguntar se aquilo era uma alegoria, uma fantasia transportada da mente da pintora para a tela. Mas quando memorialistas começaram a resgatar a história dos coretos de subúrbio, o mistério foi explicado.

Obra
Obra “Carnaval em Madureira” de Tarsila do Amaral e, ao lado, a Torre Eiffel de Madureira. Na verdade, um coreto – (Pinacoteca do Estado de São Paulo/Reprodução)

Deixa Falar, a primeira escola de samba

A turma de sambistas do Estácio fundou, em 12 de agosto de 1928, o Deixa Falar, bloco que se tornou embrião de todas as escolas de samba por causa de algumas inovações: a música voltada para os foliões evoluírem, e não bailarem; o surdo, instrumento inventado pelo compositor Alcebíades Barcelos, o Bide, marcando a cadência; a ala das baianas; e o mestre-sala e a porta-bandeira.

Comandada por Ismael Silva, entre os fundadores estava o Bide, além de Marçal, Mano Rubem, Mano Edgar, Baiaco, Brancura e Heitor dos Prazeres. 

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O pessoal do Estácio tinha muito orgulho de sua música e por isso chamaram seu bloco de “escola de samba”. “Se da Escola Normal saiam os professores”, falava Ismael, “passamos a dizer que professores de samba só no Estácio”. Falavam com vaidade: “Escola de Samba é a do Estácio”.

Apesar do sucesso, o Deixa Falar durou pouco tempo, desfilou de 1929 a 1931. Em 1932, o jornal Mundo Sportivo organizou o primeiro concurso entre escolas de samba. Mas o Deixa Falar não participou, preferiu se inscrever na competição dos ranchos, mais prestigiada na época. Passado o carnaval, o Deixa Falar entrou em crise e encerrou as atividades naquele  ano. Fez história.

Os 90 anos do primeiro desfile de escolas de samba da Praça Onze

O primeiro desfile e competição de escolas de samba no Rio de Janeiro aconteceu na Rua Marquês de Pombal, na Praça Onze de Junho, em 7 de fevereiro de 1932. Foi organizado pelo jornal Mundo Sportivo, do jornalista Mário Filho, que narrou os desfiles ao vivo no rádio.

A primeira vencedora? A Estação Primeira de Mangueira, com o samba-enredo “Na Floresta”, de Gradim, Carlos Cachaça e Cartola.

Em 1944, a famosa e querida Praça Onze, importante lugar de memória do samba, foi demolida para dar lugar à Avenida Presidente Vargas. Hoje, no mesmo lugar, está o monumento ao Zumbi dos Palmares, ao lado do Terreirão do Samba.

“Heróis da Liberdade”, um samba-enredo subversivo em pleno AI-5

“Eu não tenho culpa de retratar a História. Não fui eu que a escrevi”. Silas de Oliveira teria proferido essa frase no temido DOPS, em plena ditadura militar, ao justificar o samba  “Heróis da Liberdade”, escrito por ele para o Carnaval da Império Serrano em 1969.

Silas, compositor de “Aquarela Brasileira” e de tantos outros sambas lendários, levou para a passarela do samba a história de quem lutou pela liberdade no Brasil: desde quilombolas, independentistas e abolicionistas, até os pracinhas da FEB. Isso tudo apenas 2 meses após a decretação do famigerado AI-5.

Chamado para averiguação, Silas defendeu com unhas e dentes sua composição. Não se acovardou. Saíram de lá com a letra do samba censurada. Onde se lia “revolução”, tinham que trocar para “evolução”. Na hora do desfile, adivinhem qual versão o povo cantou, em altos brados?

*Daniel Sampaio é advogado, memorialista e ativista do patrimônio cultural. Fundou o Instagram @RioAntigo e é presidente do Instituto Rio Antigo.

**Texto feito em parceria com Luana Ferreira, historiadora, educadora e guia de turismo.

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