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Daniel Sampaio

Por Daniel Sampaio: advogado, ativista do patrimônio, embaixador do turismo carioca e fundador do Instagram @RioAntigo Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
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No mês da Consciência Negra, vamos visitar o circuito da herança africana?

Para celebrar a vida e memória dos antepassados do povo negro carioca, nada melhor do que falar da Pequena África

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Atualizado em 21 out 2022, 21h34 - Publicado em 21 out 2022, 18h59
A historiadora e guia de turismo Luana Ferreira reunida com grupo do RIO ANTIGO A PÉ pela Pequena África em frente ao Cais do Valongo, na Gamboa -
A historiadora e guia de turismo Luana Ferreira reunida com grupo do RIO ANTIGO A PÉ pela Pequena África em frente ao Cais do Valongo, na Gamboa -  (Instituto RIo Antigo/Divulgação)
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Novembro é o mês de refletir e celebrar a ancestralidade negra: celebrar vida e memória, produção intelectual, arte, cultura e os laços de sociabilidade criados e recriados pelos antepassados do povo negro carioca e que hoje nos fortalecem. Para ilustrar a presença dessa herança nada melhor do que falarmos sobre a região conhecida como Pequena África.

Na virada do século XX, a Pequena África, termo cunhado pelo sambista Heitor dos Prazeres, passou a ser o centro de criação da cultura negra carioca e da organização de novas formas de mobilização política. Em torno de sindicatos, maltas de capoeiras, casas de santo, gestaram-se greves e revoltas urbanas. Naquele contexto, o samba emergiu como um gênero específico e ganhou visibilidade. Também foram fundadas associações negras, sociais e dançantes, com seus cordões e ranchos, que ligaram a Pequena África ao que de mais moderno estava sendo produzido em termos musicais e artísticos no período.

Foi lá que as tias baianas ressignificaram a vida dentro do sistema escravista e lançaram as bases da cultura carioca. Redes de acolhimento e proteção se formaram. A gestão matriarcal era a base organizacional da nossa “África em miniatura”. Entre as fortes do Rio Negro viveu Hilária Batista de Almeida, Tia Ciata, a Matriarca do Samba, símbolo da resistência negra pós-abolição.

Divulgada em livros e letras de música, a expressão “Pequena África” passou a identificar parte significativa da zona portuária, onde a presença africana e o patrimônio cultural negro marcaram para sempre a história não só do Rio, mas de todo o Brasil. Caminhar pela zona portuária é um convite à reflexão sobre os processos da Diáspora Africana e da formação da sociedade brasileira.

A Prefeitura criou, em 2011, o Circuito Histórico e Arqueológico de Celebração da Herança Africana, pelo Decreto 34.803/11, a fim de destacar os marcos históricos da memória afro-brasileira da região portuária carioca. Esse circuito contém pontos de interesse histórico, artístico, arqueológico, arquitetônico e turístico, incluindo um patrimônio mundial da Unesco, que serão visitados pelo projeto do RIO ANTIGO A PÉ, em um “walking tour” especial da Consciência Negra, que acontecerá no domingo, dia 27/11, às 9h00.

Em aquecimento para o passeio do RIO ANTIGO A PÉ pela Pequena África, vamos conhecer o Circuito da Herança Africana?

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1. Cais do Valongo e da Imperatriz

O Cais do Valongo é um sítio arqueológico dos vestígios do antigo cais de pedra construído pela Intendência Geral de Polícia da Corte do Rio de Janeiro para o desembarque no Rio de Janeiro de africanos escravizados a partir de 1811. Em julho de 2017 foi reconhecido como Patrimônio da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O objetivo do cais era retirar da Rua Direita, atual Primeiro de Março, o desembarque e o comércio de africanos escravizados. Assim, o Valongo se tornou a principal porta de entrada do País. Os escravos acabavam nas plantações de café, fumo e açúcar do interior e de outras regiões do Brasil. Os que ficavam geralmente terminavam como escravos domésticos ou usados como força de trabalho nas obras públicas. A vinda da família real portuguesa para o Brasil e a intensificação da cafeicultura ampliaram consideravelmente o tráfico.

Em 1831, com a proibição do tráfico transatlântico por pressão da Inglaterra, o Valongo foi oficialmente fechado. Porém a ordem foi solenemente ignorada e daí surge a expressão irônica “para inglês ver”. Entre a construção do cais e a proibição do tráfico, estima-se que ingressaram no País entre 500 mil e um milhão de escravos de diversas nações africanas, em sua maioria, do Congo e Angola. O Rio de Janeiro, em quase quatro séculos de escravidão, recebeu sozinha cerca de 20% de todos os africanos escravizados que chegaram vivos às Américas. Isso faz da cidade e do Cais do Valongo referência do que foi a maior transferência forçada de população na história da humanidade.

Ao longo dos anos, o Cais sofreu sucessivas transformações. Uma das principais foi em 1843, quando foi remodelado para receber a Princesa das Duas Sicílias, Teresa Cristina Maria de Bourbon, noiva do Imperador D. Pedro II, passando a se chamar Cais da Imperatriz. Com as reformas urbanísticas da cidade no início do século XX, o local foi aterrado em 1911.

Um século depois, em 2011, as obras de reurbanização do Porto Maravilha permitiram o resgate do sítio arqueológico. Em 2012, a Prefeitura do Rio de Janeiro acatou a sugestão do Movimento em Defesa do Direito do Negro e transformou o espaço em monumento preservado e aberto à visitação pública. Em 2018, recebeu o título de patrimônio mundial da Unesco.

Cais do Valongo, em 2012 -
Cais do Valongo, em 2012 – (Halley Pacheco de Oliveira/Wikicommons)

2. Pedra do Sal

Considerada berço do samba carioca, a Pedra do Sal, ao fim da Rua Argemiro Bulcão, ainda é ponto de encontro de sambistas da cidade. Tem este nome porque o sal era descarregado na rocha por africanos escravizados no século XVII. Os degraus foram esculpidos para facilitar o trabalho de subir na pedra lisa. A partir da segunda metade do século XIX, estivadores se reuniam no local para cantar e dançar. Na Pedra do Sal, surgiram os primeiros ranchos carnavalescos, afoxés e rodas de samba. Por ali passaram grandes nomes da música, como João da Baiana, Pixinguinha e Donga. Em 20 de novembro de 1984, dia da Consciência Negra, foi tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac).

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Pedra do Sal, em 2012 -
Pedra do Sal, em 2012 – (Alexandre Macieira/Riotur)

3. Jardim Suspenso do Valongo

A antiga Rua do Valongo, que ligava o Cais do Valongo ao Largo do Depósito, abrigava lojas que vendiam escravos e artigos relacionados à prática da escravidão. No eixo formado por este caminho, os escravos recém-chegados eram acomodados em barracões conhecidos como casas de engorda, onde literalmente ganhavam peso, de modo a valorizar seu preço no mercado. Nesta área também havia mercados onde os africanos escravizados eram expostos aos potenciais compradores. No início do século XX, por ocasião do alargamento da via, foram construídos o Jardim Suspenso do Valongo, a Casa da Guarda e o Mictório Público. Parte do plano de remodelação e embelezamento da cidade pelo Prefeito Pereira Passos, o parque foi projetado pelo arquiteto-paisagista Luis Rey e inaugurado em 1906. Escavação arqueológica encontrou vasto acervo que remete à “tralha doméstica” da época, revelando aspectos da vida cotidiana, costumes e mentalidade dos habitantes do Morro da Conceição.

Jardim Suspenso do Valongo, em 2013 -
Jardim Suspenso do Valongo, em 2013 – (Alexandre Macieira/Riotur)

4. Largo do Depósito

Em 1779, quando o Marquês de Lavradio determinou a transferência do mercado de escravos da Praça XV para a região do Valongo, o Largo do Depósito, hoje Praça dos Estivadores, concentrava armazéns de “negociantes de grosso trato” que controlavam o negócio. A mudança introduziu uma série de novas atividades na área, como a instalação de trapiches, manufaturas e armazéns. O mercado na Rua do Valongo foi extinto oficialmente em 1831.

5. Cemitério dos Pretos Novos

A transferência do mercado de escravos da região da Rua Primeiro de Março (antiga Rua Direita) para a do Valongo implicou mudança do Cemitério dos Pretos Novos do Largo de Santa Rita para o Caminho da Gamboa – hoje a Rua Pedro Ernesto 32, endereço do Instituto Pretos Novos (IPN). Pretos Novos eram os cativos recém-chegados ao Brasil. Muitas vezes, não resistiam aos maus tratos da viagem desde a África e morriam pouco depois de desembarcar. O sítio arqueológico foi descoberto em 1996, quando moradores reformavam a casa. Arqueólogos identificaram milhares de fragmentos de restos mortais de jovens, homens, mulheres e crianças, africanos recém-chegados.

Considerado o maior cemitério de escravos das Américas, estima-se que tenham sido enterrados de 20 a 30 mil pessoas, embora nos registros oficiais esses números sejam menores, 6.122 entre 1824 e 1830. Seus corpos foram jogados em valas e queimados. A área servia também como depósito de lixo, o que revela o tratamento indigno aos africanos escravizados. Além de ossos humanos, havia também pertences dos pretos novos, como restos de alimentos e objetos de uso cotidiano descartados pela população. A análise do sítio constatou que a maior parte dos ossos pertence a crianças e adolescentes. Hoje a casa funciona como centro cultural para o resgate da história da cultura africana e oferece cursos e oficinas, além de uma biblioteca sobre a temática negra.

Instituto Pretos Novos (IPN)
Instituto Pretos Novos (IPN) (Alex Ferro / IPN/Reprodução)

6. MUHCAB – Museu da História e Cultura Afro-Brasileira (antigo Centro Cultural José Bonifácio)

Inaugurado em 14 de março de 1877, o local onde hoje funciona o Museu da História e Cultura Afro-Brasileira foi o primeiro colégio público da América Latina. Construído por ordem de D. Pedro II para a educação da comunidade carente da Região Portuária, fazia parte do conjunto das “escolas do imperador”. Desativado em 1977, deu lugar à Biblioteca Popular Municipal da Gamboa. O palacete da Rua Pedro Ernesto 80, na Gamboa, tornou-se um centro de referência da cultura afro-brasileira, antes chamado de Centro Cultural José Bonifácio e, recentemente, renomeado como MUHCAB.

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MUHCAB - Museu da História e Cultura Afro-Brasileira (antigo Centro Cultural José Bonifácio), em 2013 -
MUHCAB – Museu da História e Cultura Afro-Brasileira (antigo Centro Cultural José Bonifácio), em 2013 – (J.P. Engelbrecht/Prefeitura do Rio de Janeiro)

 

O projeto “RIO ANTIGO A PÉ” nasceu em agosto do ano passado como uma forma de levar para a vida real o trabalho on-line do Instagram @rioantigo, criado há dez anos. O passeio pela Pequena África foi o primeiro passeio desse projeto e tem, com sucesso, acontecido mensalmente, com a condução da historiadora e guia de turismo Luana Ferreira.

Em um dos pontos de interesse do Circuito da Herança Africana visitados — o Jardim Suspenso do Valongo —, os participantes dessa edição especial do “RIO ANTIGO A PÉ pela Pequena África”, que acontecerá no domingo, 27/11, entre 9h e 13h (mais informações abaixo), assistirão ao monólogo “A Criação do Mundo – Cosmovisão Yorubá”.

Nele, o ator Thiago Viana interpretará um “griot”, um  contador de histórias africano que percorrerá lembranças de tempos imemoriais, revelando, por meio da Cosmovisão Africana, detalhes sobre a criação do mundo, que se dividiu na participação de Oxalá e Exú (duração: 25 minutos).

Para quem quer conhecer nossa herança africana, entendendo melhor essa ancestralidade, esse programa será, sem dúvida, imperdível!

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PROGRAME-SE:

RIO ANTIGO A PÉ pela Pequena África (edição especial “Consciência Negra”) apresenta o monólogo “A criação do mundo segundo a Cosmovisão Yorubá” com Thiago Viana  — Domingo, 27/11, 9h00 – R$ 60 (criança de até 8 anos não pagam) — vendas no Sympla.com.br ou no link da bio do Instagram @rioantigo.

Pontos de Interesse: Praça Mauá, Largo de São Francisco da Prainha. Pedra do Sal, Morro da Conceição, Jardim Suspenso do Valongo (local da performance “A criação do mundo – Cosmovisão Yorubá”, Cais do Valongo e Mural “Etnias” do artista Kobra (Boulevard Olímpico).

*Daniel Sampaio é carioca do Grajaú. Advogado, ativista do patrimônio e embaixador oficial da cidade pela Riotur. Fundou há 10 anos o perfil @RioAntigo no Instagram e lidera o Instituto Rio Antigo.

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**Texto em parceria com Luana Ferreira, guia de turismo, historiadora e educadora social; gerente do projeto RIO ANTIGO A PÉ / Instituto Rio Antigo.

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