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Por Cristiana Beltrão, restauratrice e pesquisadora de gastronomia e alimentação
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Um café, três mariachis e a conta

Minha passagem pela Cidade do México e os mariachis em restaurantes

Por Cristiana Beltrão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 30 nov 2022, 11h33 - Publicado em 21 ago 2021, 22h47

Meu pai dizia que eu tinha ouvidos de tísico.

Pra quem não conhece a expressão, é um ouvido hiper sensível, que tudo capta. Tenho mesmo.

No restaurante, é muito prático. Além da capacidade de ler lábios para entender as angústias dos clientes, sou capaz de ouvir lá da mesa 15 o que dizem baixinho na mesa 1 (tenham medo).

Então vem o Covid e uma viagem para o México.

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Primeiro você acha típico, engraçado, colorido como a cultura. Depois, já que prefere refeições ao ar livre por conta da peste, começa a se irritar com os mariachis.

Há uns bons, talentosíssimos, e outros péssimos, desafinados, com um violão que parece daqueles que eu tinha quando criança, com umas cordas banguelas fazendo BRÉÉM, BRÉÉM.

Não tem escapatória.

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Tem um trio que faz reunião de planejamento na padaria ao lado do meu hotel, às 7 da manhã. Eu juro.

Fazendo aqui um aparte, já que essa coluna é sobre comida, no período pré-hispânico não existia o trigo. Os pães eram feitos de farinhas de milho ou amaranto socadas com mel. Só nos séculos 17 e 18, com as técnicas de panificação francesas e italianas, o trigo e o açúcar entraram na história e chegamos à profusão atual de ‘pandulces’ mexicanos. A concha, um dos meus preferidos, é uma adaptação do brioche francês, maciazinha por dentro.

Voltei.

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Pois então, não adianta querer comer sua concha, em silêncio. Lá vêm eles, às 8:15hs, colados no seu café, feito biscoitinhos.

Têm a maior auto-estima do mundo. Levam 50 nãos e um suado sim, no valor de duas ou três moedas, mas não desanimam por nada. Vêm por trás da barreira de plantas, da muretinha, brotam do poste, chegam com o couvert.

De início, gostava de um uivo agudo de um deles, aíííííííííííííííííííííííííííííííí!!!!!, no meio da música. No terceiro dia, queria que aquele uivo fosse de dor.

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Ainda assim, atravessava a rua com o que tivesse no bolso, para dar.

Tem ali muito músico talentoso, desempregado. Há outros péssimos, que só cantam seu desespero.

É triste.

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Os mariachis das ruas não têm nada a ver com a expressão cultural riquíssima, com a música orgulhosa que nasceu da fusão de instrumentos ancestrais indígenas com outros, espanhóis. São nosso encontro barulhento com a pobreza, com o pedinte, com a crise. É a miséria que não se cala, que berra na sua cabeça, que não se tranca do lado de fora.

É preciso ajudar, aqui ou acolá.

Eu sempre tive ouvidos de tísico.

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