Cristo Redentor vira centro de disputa entre Igreja e gestão ambiental
Projeto de lei quer tirar área do ICMBio e entregá-la à Arquidiocese do Rio de Janeiro

Tramita no Senado Federal uma proposta que pretende excluir a área do Alto do Corcovado — onde está o Cristo Redentor — dos limites do Parque Nacional da Tijuca. O projeto de lei (PL 3.490/2024) já passou pela Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR), sob relatoria do senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP). Parece piada pronta: o Astronauta relatando o Cristo. Se for aprovado também na Comissão de Meio Ambiente (CMA) e não houver recurso para votação em Plenário, o texto segue direto para a Câmara dos Deputados.
Segundo a proposta, o Cristo Redentor, uma das sete maravilhas do mundo moderno, enfrenta sérios problemas de gestão: falta de acessibilidade para pessoas com deficiência, escadas rolantes inoperantes, equipamentos degradados e ausência de banheiros suficientes para o alto número de visitantes. A situação ganhou contorno trágico no dia 16 de março, quando um turista morreu na subida ao monumento e não foi socorrido a tempo — por falta de ambulância. Desde então, surgiram novas denúncias: elevadores quebrados, serviços falhos e muito improviso.
O projeto propõe que a área onde está o Cristo — cerca de 6.770 metros quadrados — seja retirada da proteção do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Trata-se de uma fração mínima: menos de 0,02% do total do parque, que possui mais de 39 milhões de metros quadrados.
De acordo com os autores da proposta, a ideia é permitir que a Mitra Arquiepiscopal, associação privada ligada à Arquidiocese do Rio de Janeiro e responsável pelos bens religiosos da cidade, tenha liberdade para gerir o local — sem depender de autorização prévia da autarquia ambiental.
E aí começa a verdadeira disputa: quem deve gerir o Cristo Redentor? A coluna teve acesso a documentos que adicionam mais lenha na fogueira. Festas com palco montado teriam ocorrido na área — contrariando o regimento das unidades de conservação, que proíbe som e luz fortes durante a noite em função da fauna. Em um dos vídeos, o padre Guilherme, influenciador com 1,2 milhão de seguidores, aparece em um evento no equipamento turístico conduzindo fiéis em um mix de techno e música sacra, no alto do Corcovado.
Os seguidores do padre adoram suas performances. Mas a pergunta que fica é: padre, a área é de conservação… ou não é?
A assessoria de comunicação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) informa:
“O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) se colocam de maneira totalmente contrária aos projetos de lei, em trâmite no Congresso Nacional, que propõem a desafetação da área do Alto Corcovado do Parque Nacional da Tijuca e sua cessão à Mitra Arquiepiscopal.
O ICMBio vê essa iniciativa com muita preocupação, pois a eventual aprovação deste projeto pode abrir precedentes perigosos para iniciativas semelhantes serem apresentadas, visando diminuir o tamanho de outras áreas protegidas no país. O desmembramento pretendido pelos projetos de lei vai na contramão da necessidade de proteção da área de Mata Atlântica, que motivou a criação do PNT.
Além disso, o PL 3.490/2024 quer dar uma área pública, que é parte uma Unidade de Conservação Federal, para dar para uma entidade privada, o que coloca diretamente em risco o interesse público.
A Igreja recebeu, apenas em 2024, cerca de R$ 11 milhões, provenientes dos ingressos para o Corcovado, para garantir a manutenção da estátua e da capela. De cada ingresso vendido para acessar o Alto Corcovado, a Igreja recebe R$ 6,00 (valor referente a 2024).
Os autores deste PL falam em “conflitos frequentes entre a Arquidiocese e o ICMBio”. Mas, fica omitido no texto do projeto que já existe, há anos, um termo de compromisso, assinado entre a Mitra Arquiepiscopal e o ICMBio, onde ela tem ampla autonomia no Alto Corcovado, desde acessar a hora que quiser até a realização de eventos, sejam religiosos ou de outra natureza, inclusive.
Sobre os questionamentos do PL à eficiência da gestão do ICMBio, é importante reforçar que, desde dezembro de 2024, pela primeira vez, o Parque Nacional da Tijuca passou a ter recursos de aplicação direta na melhoria da UC e já implementou melhorias, como uma UTI Móvel completa no Alto Corcovado, posto de hidratação e obras de reforço da estrutura que sustenta o platô de visitação do Cristo.
O ICMBio vai investir cerca de R$ 25 milhões, por ano, na revitalização e acessibilidade daquela área, com novas escadas rolantes com plano inclinado para PcDs, três novos elevadores de última geração e reforma do espaço de acesso a esses equipamentos, dois banheiros acessíveis e quatro ilhas de hidratação, também com acessibilidade.”