Rua Miranda Valverde
Casebres coloridos, o vistão para o Cristo, localização bucólica (e ao mesmo tempo em meio ao caos)… eis a Rua Miranda Valverde, em Botafogo A entrada da Rua Miranda Valverde através da Rua Real Grandeza, no bairro de Botafogo. por Pedro Paulo Bastos As manobras bruscas que os ônibus fazem para entrar na Rua Real […]
Casebres coloridos, o vistão para o Cristo, localização bucólica (e ao mesmo tempo em meio ao caos)… eis a Rua Miranda Valverde, em Botafogo
A entrada da Rua Miranda Valverde através da Rua Real Grandeza, no bairro de Botafogo.
por Pedro Paulo Bastos
As manobras bruscas que os ônibus fazem para entrar na Rua Real Grandeza, saindo da Rua São Clemente, estavam surpreendemente delicadas. O trânsito da Real Grandeza, aliás, fluía como água corrente, mesmo sendo uma das principais ruas que desemboca no Túnel Velho. Nem uma buzina a mais incomodava os moradores nos apartamentos daquele entorno enquanto uma cena típica de subúrbio emerge em plena zona sul. E logo na calçada da Real Grandeza, que é disputadíssima por pedestres, não só em função do corre-corre do dia-a-dia bem como pela largura diminuta do passeio. Três meninos, de no máximo seis anos, brincam à vontade, reaproveitando os canteiros subutilizados e os fradinhos quebrados como ferramentas de diversão. A graça é que eles não estão no play dos edifícios onde moram. Estão na rua. São vida para as ruas, cada vez mais desacolhedoras e buzinadas.
Os fradinhos na cidade do Rio de Janeiro variam de acordo com região, com governo e com o gosto de cada um que queira colocar o seu na rua. Nesse pedaço da Real Grandeza, há alguns tradicionais palitos, que vão entrando pela Rua Miranda Valverde já como verdadeiros banquinhos. São arredondados, fáceis de assentar o corpo, baixinhos. Quem marca um encontro com um amigo ou com a namorada, pode ficar ali, sentado, esperando numa boa, contemplando o (raro) panorama agradável do cruzamento. É por isso que sou fascinado pelas manhãs; o sol dessa parte do dia é capaz de modificar tudo, deixar qualquer lugar ou enredo mais poético. As ruas ficam, nosso espírito também.
Os fradinhos no início da Rua Miranda Valverde funcionam como ótimos assentos. Eu mesmo utilizei um deles para programar a máquina e rever fotos que já havia tirado, como essa do Cristo. Ângulo dos bons, não?
Os casebres coloridos no início da rua são o legado do Rio Antigo para Botafogo. As calçadas, mais altas do que o padrão atual, também fazem parte do panorama da Miranda Valverde neste trecho.
A vista para o Cristo Redentor é algo à parte por ali. Botafogo não é o bairro mais glamuroso da zona sul, mas tem a melhor vista para o monumento. E que tem o melhor ângulo, que é o de braços abertos. Na Rua Miranda Valverde, onde me embrenhei, o contraste Dele, no topo, com os casebres coloridos, na rua, é fantástico. A qualquer virada de pescoço que se dê, a qualquer gesto ou rota que se faça, o Cristo fica bem visível, bem diante da cara. Através dos telhados ou do emaranhado de fios e postes que existem no local. A longínqua paisagem causa distração, mas é preciso ter cuidado: junto aos casebres, as calçadas são mais altas do que o padrão contemporâneo. Um resquício do Rio Antigo. Demais, não? Por outro lado, não se preocupe. Os carros do Rio Novo ficam todos estacionados por ali, amontoados em sequência. Como utilidade, eles podem, pelo menos, amortecer a queda do distraído.
Para os padrões arquitetônicos das construtoras de hoje em dia – isto é, o Barra da Tijuca way of building -, o prédio na esquina com a Real Grandeza seria categorizado como “mais um prédio ordinário de pastilhas azuis no Rio”. No entanto, vê-se que houve um cuidado em tornar esse bloco de concreto loteado de quadradinhos envidraçados mais de acordo com a energia descontraída da Rua Miranda Valverde. A medida, simples, foi a de preencher toda a extensão da portaria com vasos de plantas e flores, de minuto em minuto visitadas por uma borboleta amarela. Quando não estão namorando as ixoras, saem voando pela Rua Miranda Valverde. Pousam em varandas, janelas, nos doces vendidos de dentro de uma kombi, ou nas diferentes paredes coloridas da rua.
Apesar do edifício de esquina, que preencheu toda a extensão da sua portaria com plantas e flores, a rua é, em sua grande maioria, de casas.
Sendo mão dupla, entram carros por todos os lados, que compartilham espaço com pedestres, ciclistas e skatistas.
Forte influência artística e cultural: não só o grafite da casa de artes dramáticas, bem como intervenções engraçadinhas pelas paredes.
Calçadas estreitas e o que parece ser um antigo palacete, já nos arredores da Rua Martins Ferreira.
Diferente da Rua Real Grandeza, a Rua Miranda Valverde é pequena, residencial e pouco trafegada. Os automóveis circulam em mão dupla, por vezes compartilhando o espaço da própria via com transeuntes e ciclistas. Ou então de skatistas, que de longe se escuta o atrito das suas rodinhas sobre o asfalto já degastado. Muitas das pessoas que vi circulando por ali têm aparência modernosa, descolada. A apreciação artística e cultural pode ser apontada no jogo de cores das casas, em alguns grafites espalhados por ali, e na natureza dos estabelecimentos comerciais – uma escola de arte dramática, por exemplo, ou o germânico Baukurs Cultural, bem perto, na Rua Goethe, outro recanto bucólico de Botafogo. Outro fator envolvente é a ausência de verticalizações e o tipo de história que se pode respirar diante de tantas casas antigas. São várias gerações e estilos de arquitetura. Botafogo, o bairro dos palacetes, ainda conserva muito do que foi sua fase de urbanização intermediária, e essa região da Rua Miranda Valverde é um ponto de referência.
Os arredores da esquina com a Rua Martins Ferreira é ainda mais emblemático pela presença de janelas coloniais e de casas espetaculosas. Palmeiras altas, o Cristo Redentor de braços abertos, a montanha verde, com rochas úmidas, convivendo com as casas inacabadas do Morro Dona Marta… Todos eles elementos naturais e acessíveis aos olhos de quem passa pela Rua Miranda Valverde. Nas relações sociais, a conversa de portão; o abraço de um namorado, sentado no fradinho, que acabara de encontrar a sua namorada; o passeio de um cãozinho com a sua dona; a observação atenta de uma senhorinha, pela janela de sua casa, ao movimento da rua… Mais do que uma crônica sobre a Rua Miranda Valverde, consideraria isso aqui uma espécie de ode às belezas matutinas.
O final da Rua Miranda Valverde, com vista para a Rua Martins Ferreira, outro logradouro bastante simpático e cheio de referências históricas.
Curta a página do As Ruas do Rio no Facebook para ver mais fotos da Rua Miranda Valverde!
Para contato direto | asruasdorio.contato@gmail.com