Rua Fonte da Saudade
Um passeio pela Rua Fonte da Saudade, onde fica o conjunto de ruas mais expressivo do bairro da Lagoa, comumente lembrado por duas avenidas de tráfego intenso e uma bela paisagem. Rua Fonte da Saudade, na zona sul do Rio: logradouro lotado de árvores, plantas, flores e jardins. por Pedro Paulo Bastos Diz a lenda que […]
Um passeio pela Rua Fonte da Saudade, onde fica o conjunto de ruas mais expressivo do bairro da Lagoa, comumente lembrado por duas avenidas de tráfego intenso e uma bela paisagem.
Rua Fonte da Saudade, na zona sul do Rio: logradouro lotado de árvores, plantas, flores e jardins.
por Pedro Paulo Bastos
Diz a lenda que por lá se ouviam aos berros os fados cantados pelas portuguesas lavadeiras recém-chegadas ao Brasil. Há pelo menos uns dois séculos, acredito. A cantoria era uma forma saudosa de relembrar a saudosa mãe-pátria, tão distante, lá nas Zoropa. Outra parte da história diz que por lá havia também uma fonte de água mágica, pura. Eis o nome, Fonte da Saudade. Hoje é um pequeno sub-bairro da Lagoa nas margens do Humaitá e do acesso ao Túnel Rebouças. Diferentemente do passado, não se escutam mais os fados, e sim freadas e buzinas dos automóveis que passam pela avenida adjacente, a Epitácio Pessoa. O 157, que liga a Gávea à Central do Brasil, entra pela rua num estardalhaço, sendo, talvez, o único ruído de máquina por ali em meio a uma paisagem bastante bucólica. No entanto, concretamente verticalizada.
Eram umas dez horas da manhã. O 157 vai parando nos pontos da Fonte da Saudade, onde embarcam homens trintões-quarentões bem vestidos, a mochila escolar destoando do visual, enquanto mulheres igualmente bem arrumadas – umas mais novas, outras mais maduras – esperam sua vez de subir no veículo. Cavalheirismo não faz mais parte das leis dos pontos de ônibus. É um detalhe dispensável, afinal, o corre-corre nos impede de notar tais sutilezas. O ônibus vai se afastando, desaparecendo da minha vista ao entrar numa pequena curva à esquerda, onde a Rua Fonte da Saudade ganha pista dupla. O panorama é bonito de ser apreciado: os troncos das árvores são enfeitados por orquídeas predominantemente brancas, e o Palacete Tavares se exibindo ao fundo, na esquina da Rua Almirante Guillobel.
A entrada à Fonte da Saudade através da Avenida Epitácio Pessoa. No seu início, ela conta com uma única pista.
O Palacete Tavares, tombado em 2003, na esquina com a Rua Almirante Guillobel, e o espetáculo de orquídeas que embeleza a rua.
Árvores tomadas por ervas-de-passarinho enquanto edifícios recentes, com traços antigos, dividem espaço com os, de fato, antigos.
A esquina com a Rua Carvalho Azevedo, notadamente comercial, voltada para a gastronomia.
O canteiro central remete a Rua Fonte da Saudade ao estilo dos bulevares, com uma sucessão de árvores imponentes margeando os edifícios dali. Nos galhos, o crescimento das ervas-de-passarinho se apresentam como verdadeiras cortinas de fios verdes. Oferecem um visual bonito a este trecho da Lagoa, embora, como todos devem saber, matem pouco a pouco cada uma dessas árvores. Mesmo assim, algumas estão tão desnutridas e envelhecidas que o formato dos seus galhos, na ausência de folhas e flores, se encurva de modo a parecer ora um cabelo de Medusa, ora um outro penteado endoidado. Uma delas, na altura da Rua Sacopã, me lembra o visual da Radical Chic, o personagem de quadrinhos do cartunista Miguel Paiva. A natureza às vezes é mais pop do que a gente imagina.
Todos os edifícios da Rua Fonte da Saudade seguem um padrão exclusivo da classe média alta, com algumas poucas referências antigas desprovidas de garagens. O aspecto modernoso dos seus prédios pode ser compreendido pela considerável presença de casas, como o Palacete Tavares, já citado, entre outras que, na maioria das vezes, funcionam como estabelecimentos comerciais. No cruzamento da Rua Carvalho Azevedo, duas casas competem em beleza mas complementam-se na vocação – a gastrononomia. O japonês Ki, considerado um dos melhores do Rio, ocupa um imóvel mergulhado em um azul-esverdeado. Do outro lado, a padaria-bistrô Guy, mais adaptado ao comércio, com varandas ao ar livre cobertas por cortinas de plástico transparente e vasos de plantas.
Não só rota para alguns ônibus, a Fonte da Saudade também funciona como via de apoio ao trânsito pesado da região.
Os muros grafitados são figurinhas carimbadas por lá, recheados de intervenções criativas. Ao lado, as babás, cujo uniforme é sempre a roupa de cor branca.
Trecho da Rua Fonte de Saudade, onde funciona um salão de beleza e um pequeno acesso à Rua Baronesa de Poconé. Ao lado, a parte dianteira da Paróquia Santa Margarida Maria.
A Praça General Álcio Souto, que conta com um monumento de Quintino Bocaiúva no seu centro.
Se os prédios e pequenos restaurantes ilustram a Fonte da Saudade com seus impecáveis projetos de arquitetura e de paisagismo, o lado – até então – obscuro da rua ficava por conta dos extensos muros que a contornam. Um destes muros pertence à instituição Pequena Cruzada de Santa Terezinha do Menino Jesus, com entrada pela Avenida Epitácio Pessoa. Agraciado pela arte de rua, o colorido ininterrupto representa caricaturas, dizeres, onomatopeias e assinaturas, que vão se repetir – não em ideias, mas em cores – nos muros mais adiante, perto da Escola Rubem Braga e da Paróquia Santa Margarida Maria. Aliás, na pequenina Rua Frei Solano, onde está a paróquia e mais uma porção de muros grafitados, rola uma feira livre todas as quartas-feiras. Aquele ruído de cana sendo moída é indescritivelmente maravilhoso! O sabor do caldo, ainda mais.
Nas proximidades do Humaitá, a Fonte da Saudade perde um pouco do seu bucolismo para dar espaço às rotas alternativas de acesso à Lagoa e ao Túnel Rebouças. Placas de trânsito tornam-se mais frequentes, assim como outras linhas de ônibus em direção à Copacabana e à São Cristóvão que trafegam por ali. O encontro das bicicletas que vêm das ciclovias da Lagoa com os pedestres equipados em roupas de ginástica e babás uniformizadas resulta caótico naquelas tentativas ousadas de cruzar o semáforo ainda com a luz vermelha. Aquele tapete de sombra, de falta de luminosidade, peculiar ao primeiro trecho da rua, fica para trás com o clarão provocado pela bonita Praça General Álcio Souto, que tem um Quintino Bocaiúva – o jornalista e político – de bronze no seu centro rodeado por um jardim circular. A vista livre para o Corcovado enfeita a praça como um pintura emoldurada serve de decoração para a sala de estar de uma residência. Enquanto isso, o 157 contorna a praça, já com todos os passageiros da Fonte da Saudade embarcados, e engata na Rua Humaitá, rumo ao Centro do Rio.
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