Rua dos Oitis, Gávea
Enquanto à noite o Baixo Gávea se transforma em um dos locais mais boêmios da cidade, eu fui passear pela Rua dos Oitis logo em seu momento do dia mais calmo: a manhã. Braseiro. Restaurante tradicional na Gávea, ele fica na esquina da Praça Santos Dumont com a Rua dos Oitis. por Pedro Paulo Bastos […]
Enquanto à noite o Baixo Gávea se transforma em um dos locais mais boêmios da cidade, eu fui passear pela Rua dos Oitis logo em seu momento do dia mais calmo: a manhã.
Braseiro. Restaurante tradicional na Gávea, ele fica na esquina da Praça Santos Dumont com a Rua dos Oitis.
por Pedro Paulo Bastos
Quando cruzei a Praça Santos Dumont na última terça-feira 7, o chafariz no centro daquele espaço ajardinado ainda não estava em funcionamento nem mesmo as crianças das escolas municipais ali perto faziam algazarra pelas calçadas da Gávea. A esquina da praça com a Rua dos Oitis pouco lembrava a intensa badalação que tem em determinados dias da semana – é um dos locais mais boêmios da zona sul. Os restaurantes Hipódromo e o Braseiro, vizinhos da Rua dos Oitis e amistosamente rivais de público, iniciavam suas atividades do dia timidamente, sem a grande aglomeração de clientes que lhes é particular. A partir do encontro com a Rua José Roberto de Macedo Soares, a Rua dos Oitis apresentava-se em uma reta de árvores de diferentes tamanhos e modelagens margeadas por residências. De comércio por ali, ou melhor, de restaurante, o único sobrevivente é o restaurante Sushimar. O cheiro dos peixinhos crus chegava à calçada da Rua dos Oitis. Não sei se era um bom ou mau sinal, mas que me abriu o apetite, ah, isso sim.
De bairro operário à bairro preferido de arquitetos e moderninhos, a Gávea tem toda uma energia cativante dos bairros pequenos e aconchegantes, e o melhor, sem perder a sua identidade. Ao longo da Rua dos Oitis isso pode ser comprovado: é um dos poucos lugares da zona sul onde as casas originais foram preservadas, mesmo as menos sofisticadas. Grande maioria, é claro, porque já se levanta muito prédio por lá. Inclusive, ali próximo da Rua dos Oitis é possível ver os resquícios de uma antiga vila operária, que na verdade nunca chegou a se concretizar de fato por questões políticas, segundo o livro “150 anos de subúrbio carioca” (Lamparina editora; Editora da UFF), um compilado de pequenos artigos de diferentes autores organizados por Márcio Piñon de Oliveira e Nelson da Nóbrega Fernandes. As escolas Júlio de Castilhos e Manuel Cícero são um exemplo deste marco histórico. Ao mesmo tempo que essa preservação toda é fantástica, também mostra-se curioso o fato de ser uma das regiões mais caras da cidade sem que ofereça um luxo associado a esses valores estratosféricos. A geografia carioca influencia muito mais nestas questões do que o espaço urbano em si.
O trecho boêmio. Até o encontro com a Rua José Roberto de Macedo Soares, a Rua dos Oitis concentra simbólicos estabelecimentos comerciais, como alguns restaurantes, uma banca de jornal e drogaria.
Caráter residencial. Calçadas espaçosas e ajardinadas são passeio para as residências de lá. Poucos os edifícios que são altos.
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Simplicidade deveria ser o sobrenome da Rua dos Oitis. Uma casinha detonada ganha cores fortes e um muro é criteriosamente grafitado, já tornando-se um atrativo à parte. Ou então uma reles janela de madeira, que ganha uma mãozinha de tinta em vermelho forte, contrastando com o branco de sua fachada. Ou então um muro rosa, pertencente a uma escola de ballet. Ou o mais jocoso – fofinho, na linguagem feminina – dos detalhes nunca antes visto por mim em uma rua: um boneco grande do personagem belga Tintim bisbilhotando o movimento da Rua dos Oitis através de um janelão de vidro. Milu, o fox terrier de pêlo branco, é claro, não podia estar longe de seu dono. Esse ambiente divertido, compartilhado com os olhos do público, pertence ao escritório do arquiteto Chicô Gouvêa, que é fascinado pelo personagem. A fachada da casa é toda composta de amarelo, laranja e branco, o que comprova a proposta despojada do imóvel.
A impessoalidade que comumente os edifícios têm – um sem-fim de apartamentos, muita reserva -, por alguma razão não fazia parte do contexto da Rua dos Oitis. Pelo menos naquela manhã. Percebi uma interação muito forte de alguns moradores, do alto de suas janelas, com quem vinha passando pela rua. Até porque muitos são edifícios não tão altos, com poucos pavimentos, alguns dispõem de varandas, então a aproximação com o espaço da rua é maior. Vendedores ambulantes ou aquelas kombis no estilo “compro-tudo”, anunciando-se em megafones que deixam a voz do locutor meio esganiçada, passavam tranquilamente ao longo da rua. Cena rara de se ver em uma rua da zona sul. Pelas calçadas o movimento era baixo, embora quem passasse ali tivesse toda uma identidade muito bem marcada: a babá negra uniformizada com uma criança lourinha à tiracolo; um casal de senhores, bengala numa mão e a outra dada à esposa; jovens bonitos, de aparência cosmopolita; uma atriz jovem de telenovelas, em companhia de um amigo.
Detalhes. O personagem Tintim observa todo o movimento da Rua dos Oitis de forma atenta com seu fox terrier, enquanto casas geminadas muito bem tratadas representam o caráter operário da Gávea no século passado.
Vistas. O Corcovado é avistado graças ao gabarito limitado da rua, preenchida por muitas casas ao longo de sua extensão.
O mais legal de se caminhar por uma rua de gabarito limitado é poder observar o desenho do Maciço da Tijuca, que é muito bonito visto desta região da Gávea. Se o Cristo Redentor dá as suas costas à Rua dos Oitis, o que não o deixa menos bonito, o contorno do Corcovado, por sua vez, fica bem mais em evidência do que na orla da Baía de Guanabara. E acaba que esse gabarito limitado vai se representando em outros tipos de imóveis interessantes, como uma série de casas geminadas, já nas proximidades da Rua das Acácias, e uma vila bem charmosa no número 52, adornada por uma alta palmeira. As janelas que dão diretamente para a rua são exemplos de um Rio que ficou para trás, já que hoje vivemos enclausurados entre grades, portões, subportões, e muitos outros aparatos de separação (e proteção) do espaço público com o privado. Na Rua dos Oitis são muitas as janelas que ainda convivem com a rua.
Outros detalhes. Flor brota de uma árvore “pelada”; ao lado, um dos únicos imóveis modernosos da rua.
A arborização abundante – afinal, é a rua “dos Oitis” – perfura as calçadas, descompõe a estrutura dos canteiros e invade a própria, e excessiva, fiação da rua, loteada de pequenas mudinhas espalhadas por ela, de onde ainda pende uma antiga lamparina. Uma senhora não dava conta de varrer a calçada que, de minuto em minuto, via encher-se de folhas a cada passagem de vento. As árvores de lá proporcionam sombras confortáveis, ainda mais no outono. Se por aqui as folhas não costumam ficar alaranjadas, pelo menos temos o privilégio de sentir o sol embrenhando-se pelos espaços vazios entre os galhos e folhas e, assim, refletindo-se sobre a calçada. Em alguns trechos da Rua dos Oitis a cobertura de folhas é tão densa que o ambiente parece sombrio em plena manhã. Não é à toa que uma simples ida à rua transforma-se em um programa dos mais agradáveis para os que moram pelas redondezas. Mesmo com toda a mercantilização dos espaços urbanos da zona sul nestes últimos anos, a Rua dos Oitis, pelo menos, ainda conserva um certo laço de intimidade com o pedestre. Penso que isso é graças à preservação de suas raízes, não só a das árvores centenárias, mas as comerciais, familiares e sociais também.
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