Rua Bernardino dos Santos, Santa Teresa
… E percorremos um trechinho da Rua Cândido Mendes também! No alto da colina. Além das paisagens belíssimas, a Rua Bernardino dos Santos é cheia de intervenções artísticas. por Pedro Paulo Bastos A Déborah é francesa e está no auge dos seus 20 anos de idade. É estudante de intercâmbio de Sociologia pela PUC. Virou […]
… E percorremos um trechinho da Rua Cândido Mendes também!
No alto da colina. Além das paisagens belíssimas, a Rua Bernardino dos Santos é cheia de intervenções artísticas.
por Pedro Paulo Bastos
A Déborah é francesa e está no auge dos seus 20 anos de idade. É estudante de intercâmbio de Sociologia pela PUC. Virou minha amiga através do Guga, outro amigo meu de longa data, quem me a apresentou após tê-la conhecido em Toulouse, quando ela ainda estava no outro lado do Atlântico. Ele, por sua vez, também era intercambista na época.
Apresentações à parte, o que há de comum entre nós? A resposta é… A paixão pelo Rio! Ambos com suas percepções, gostos e referências.
A Déborah ainda tem um sotaque carregado, embora tenha aprendido a falar português assustadoramente rápido. Há bem menos de um ano ela mal sabia conjugar os verbos no presente e agora já faz uso de gírias e expressões com uma incrível espontaneidade. Independente, explora o Rio de norte a sul. Já o Guga tem se mostrado um ótimo conhecedor do nosso Rio de Janeiro, graças à amizade deste que vos escreve (modéstia à parte, é claro). Eu não podia ter companhia melhor para explorar o bairro de Santa Teresa, no centro do Rio, e uma de suas ruas, a Bernardino dos Santos.
A rua se inicia nas proximidades do Largo do Curvelo, uma das tradicionais paradas do extinto bonde de Santa Teresa. A praça que lhe serve de esquina descortina um dos mais belos cartões postais da cidade: a Baía de Guanabara e o Pão de Açúcar. Não é à toa que vários pedestres tornam este pedaço como ponto de parada – ou de encontro, entre uma atração turística e outra. A sombrinha é refrescante, a paisagem – não preciso relembrar -, alucinante. A cúpula de uma espécie de castelo surge entre o verde volumoso das árvores enquanto uma rara brisa passa por entre os nossos braços. Atinge as folhas, que, balançantes, nos mandam de volta o frescor tão faltante nesse mundo urbanoide em que vivemos.
Aclive de início. Panorama de início da Rua Bernardino dos Santos, na esquina com a Rua Dias de Barros e o Largo do Curvelo.
Detalhes. No primeiro “clarão” da rua, avista-se a cúpula do que seria um castelinho (me falaram que é uma igreja ortodoxa). Em seguida, o gradil elegante da portada de um edifício.
A ausência de carros pelos arredores mostra-se presente ao ouvir-se o atrito da sola do tênis com o chão de paralelepípedo. Como o trecho inicial da Rua Bernardino dos Santos é constituído por um aclive, resistência física é bem-vinda, mas só até atingir a parte plana da rua que, aliás, vai se desembestar a descer novamente. Altos e baixos. Quanto mais alto o trecho, melhor a vista. Ela aparece de forma imprevisível – às vezes no intervalo entre um prédio e outro, às vezes através de casas abaixo do nível da rua. O sol bate forte por ali, muito forte, e à medida que eu e a Déborah desbrávamos a rua, percebia que o grande atrativo da Bernardino dos Santos não está na sua arquitetura, mas sim nos detalhes menos apreciados.
“Quando vier morar de vez no Rio, já sei onde morar”, apontou a Déborah para um portão de grades verticais azuis com duas circunferências, também de metal, centralizadas. A observação curiosa da entrada desta residência é que ela é uma continuação da calçada, ou seja, o pedestre teria de andar pelo meio da via para acessar a sua possível continuação ou seguir pelo lado oposto. Como Santa Teresa não é portadora de grande tráfego de veículos motorizados, a caminhada pelo meio da via é uma ação automática. Talvez este pedaço da Bernardino dos Santos seja o mais simpático, não só pela entrada insólita da casa onde a Déborah quer morar bem como pelo detalhe de azulejos na residência ao lado. As referências lusitanas são incríveis.
A casa (ou a rua) dos sonhos. Trecho simpático da Rua Bernardino dos Santos com acesso à residência como continuação da calçada. No lado oposto, azulejos. Adiante, a rua volta a descer.
Privilégio. Pelos altos e baixos do bairro, as casas tendem a estar muito acima ou muito abaixo do nível da rua. No entanto, a vista para cartões postais tradicionais, como o Pão de Açúcar, é coisa fácil de se conseguir em ambos os casos.
Santa Teresa respira arte. Se ao longo da Rua Almirante Alexandrino, a rua principal do bairro, ela é comercializada através de pintores e artesãos independentes e de lojas especializadas, na Rua Bernardino dos Santos são as paredes as portadoras de cores e desenhos. Porém, a sua arte depende bastante dos aspectos negativos do espaço urbano para que sua graça tenha efeito. Neste conjunto incluo o encardido, a parede descascada, a calçada de pedra desnivelada, as grades enferrujadas, os afloramentos entre uma pedra e outra. Por exemplo: os caquinhos de vidro coloridos ao longo do topo de um muro estavam em uma singela harmonia com as cores vibrantes de um grafite com os dizeres “paz e amor”. Só uma observação atenta, digna geralmente de quem está acostumado a flanar, é que permite visualizar esta interrelação. O mesmo para uma parede branca em tons de cinza. A princípio parecia sujeira. Vendo de pertinho, era o desenho de uma mulher com formas angelicais.
“Pausa para ajudar gringos a se coordenarem geograficamente.
Não é nada difícil de esbarrar com eles pelas ruas do bairro.”
“Would you guys help me please?” Pausa para ajudar gringos a se coordenarem geograficamente. Não é nada difícil de esbarrar com eles pelas ruas do bairro. Diz a lenda que Santa Teresa está virando um bairro de imigrantes franceses, mas a verdade é que vê-se pessoas de todos os lugares do mundo por ali com câmeras potentíssimas presas ao pescoço. Déborah teve uma identificação imediata com a gringa, talvez por ela também ser uma. Sentimento de “família” em terras estrangeiras. Papo vai, papo vem, descobrimos que a menina era de Barcelona, o que nos fez mudar o idioma do inglês para o espanhol na mesma hora. Afinal, para nosotros latinos, brasileiros ou franceses, o espanhol é muito mais fácil. “Gracias por la ayuda. Creo que ya sé como hacerlo”, despediu-se.
Respiro de arte. A rua abriga tanto grafites coloridos com dizeres otimistas bem como desenhos imperceptíveis. Percebe-se claramente que mesmo com a tentativa de repintura do muro à direita, a arte prevaleceu.
O lado sinistro. Pouco antes de chegar no encontro com a Rua Cândido Mendes, a Rua Bernardino dos Santos resguarda joias arquitetônicas em meio a um ambiente sombrio, com paredões e muita sombra.
Assim como na praça no início da Rua Bernardino dos Santos, na esquina com a Dias de Barros, um novo clarão de paisagens brota ao longo do passeio. Desta vez, ainda mais “aberto”, vasto e alucinante. O Pão de Açúcar e a Baía de Guanabara aparecem agora ao fundo, com uma série de telhados, fiações, fachadas históricas, árvores e favelas em primeiro plano. Quem é carioca e/ou visita o Rio com frequência, está acostumado a avistar os cartões postais a partir de perspectivas-padrões. Em Santa Teresa, ou neste caso da Rua Bernardino dos Santos, cada mirante oferece uma percepção diferente da cidade. Mesmo naqueles em que a paisagem de fundo é o Centro e a zona norte, vistas comumente mal apreciadas pelas pessoas.
“Em Santa Teresa, ou neste caso da Rua Bernardino dos Santos, cada mirante oferece uma percepção diferente da cidade.”
Um pouco antes do encontro com a Rua Cândido Mendes, bem na divisa entre a Glória e Santa Teresa, a Rua Bernardino dos Santos adquire aspectos sombrios e sinistros. O paredão de pedra, que apenas pela sua altura já provoca certos tipos de sensações macabras, é coberto por uma camada de vegetação espessa. Dali podem sair muitos bichos e insetos sem qualquer anúncio. Para medrosos como eu, isto é algo muito relevante. Do outro lado da calçada, um casarão com porões tem janelas que, aparentemente, não são abertas há muito tempo. Não considero somente o visual detonado dos fundos; levo em conta a energia também. No último edifício da rua, que devia ser um cobiçado endereço residencial nos anos cinquenta, se apresenta com tonalidades encardidas de branco, algumas pichações e a sua suposta entrada funcionando como depósito de entulho.
Glória-Santa Teresa. O encontro das ruas Bernardino dos Santos e Cândido Mendes marca a divisa entre os bairros da Glória e de Santa Teresa.
Fim da expedição. Na Rua Cândido Mendes, a aura comercial de Santa Teresa começa a pipocar com lojinhas de artesanato e prédios monumentais. A placa aérea agradece a visita ao bairro e/ou dá as boas-vindas para quem chega via Glória.
De lá em diante seguimos a Rua Cândido Mendes. Após uma subida e um declive na Bernardino dos Santos, embarcamos novamente em uma nova ladeira. O caminhão da Comlurb passava por ali com dificuldade, pela largura da via e pelo motor pouco potente para inclinações como aquela. Diferindo-se da Rua Bernardino dos Santos, a Cândido Mendes tem uma aparência mais preservada e aconchegante. O tipo de edifício de pastilhas azuis e brancas, tão comum nos bairros originalmente mais verticalizados, entra em contraste com o prédio de fachada monumental e grande paredão rochoso. Alcançando a bucólica pracinha no encontro das ruas Cândido Mendes e Santa Cristina, um novo clarão promove visão privilegiada da Baía de Guanabara. Privilégio momentâneo dos pedestres, privilégio diário dos moradores.
A aura comercial de Santa Teresa ressurge com lojinhas de artesanato, pequenos restaurantes e os trilhos do extinto bonde, ainda preservados sobre o asfalto da Rua Almirante Alexandrino. “Você está em Santa Teresa”, avisa a placa. “Área de interesse turístico”, “Área histórica de preservação”, “Bonde transitando”. Quem dera! Viramos à direita em direção ao Largo do Curvelo para encontrar o Guga, que estava à nossa espera. No caminho, um esbarrão, desses típicos dos distraídos. Era a espanhola novamente. Disse que desistiu de ir em busca do que procurava optando por caminhar sem rumo pelo bairro. Eu e meus amigos também. Dia de boa comida, boas risadas e de muita cultura.
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