Rua Barão de Itaipu
A rua da semana fica pelas bandas do Andaraí, zona norte do Rio, colada à Maxwell. Conhece? Se não, leia a crônica na íntegra abaixo! Ela está ilustrada com as imagens de lá. Panorama da Rua Barão de Itaipu, no Andaraí, com a Rua Barão de Mesquita ao fundo. por Pedro Paulo Bastos Nesse dia eu decidi […]
A rua da semana fica pelas bandas do Andaraí, zona norte do Rio, colada à Maxwell. Conhece? Se não, leia a crônica na íntegra abaixo! Ela está ilustrada com as imagens de lá.
Panorama da Rua Barão de Itaipu, no Andaraí, com a Rua Barão de Mesquita ao fundo.
por Pedro Paulo Bastos
Nesse dia eu decidi ser um pouco imprudente, coisa que não é muito comum em mim, modéstia à parte. Estava de bicicleta pela Rua Maxwell, na Aldeia Campista, no trecho em que funciona como mão única. Estava pedalando no sentido contrário e, por isso, tive que subir o meio-fio, já que a largura da via não permitiria uma convivência amigável com os outros veículos. Vim disparado pela calçada livre de pedestres, um pouco desnivelada, embora disfrutando sua paisagem repleta de casas geminadas, isto é, as antigas residências operárias da região.
Já na parte onde a Maxwell vira uma avenida de mão-dupla, margeada pelo Rio Joana, voltei para a pista que me convinha, também disparado. Desta vez, não acelerava pela liberdade – e felicidade – de sentir o vento na cara, mas sim pelo aparecimento repentino de um fluxo pesado de carros, caminhões, ônibus. Na porta do supermercado Guanabara, fiz as manobras mais radicais possíveis com a bicicleta diante daquele estacionamento de alta rotatividade. Pego um retorno à esquerda, e venho pela pista oposta da Rua Maxwell. Agora chega um 422, a mil por hora, obrigando-me a zarpar novamente à calçada. Freios acionados e, cautelosamente, divido agora espaço com senhoras carregando seus carrinhos de feiras lotados de verduras e frutas e alguma ou outra mamãe de primeira viagem empurrando seus nenéns em carrinhos MacLaren. Dobro na primeira direita; fujo do caos. Estou na Rua Barão de Itaipu, bairro do Andaraí.
A adorada placa de identificação de ruas (salve, Plamarc!) e o aprendiz de bicicletário: um pequeno poste de sinalização.
Dois exemplos diferentes de arquitetura na rua: com pequenas exceções, há uma vocação residencial por lá.
Andaraí. O nome, além de sugestivo, reforça a memória com algumas lembranças musicais. Enquanto amarrava a minha Caloi em algum poste – na falta de bicicletários, vão postes mesmo –, me peguei cantarolando: No tempo que Dom-Dom jogava no Andaraí, nossa vida era mais simples de viver… Não tinha tanto miserê, nem tinha tanto ti ti ti… No tempo que Dom-Dom jogava no Andaraí… “Cala a boca, cala a boca”, gritava ao meu subconsciente. Sei bem que resgatar algumas músicas-chiclete é motivo de ficar com elas na cabeça pelo resto da semana. Lembro perfeitamente dessa época da canção, novela Celebridade, da Rede Globo, com a Malu Mader. Se hoje é Madureira que está na moda, há quase dez anos era o Andaraí fictício da televisão que reinava no nosso imaginário, com as aprendizes de periguetes interpretadas pela Deborah Secco e Juliana Paes em busca da fama.
Houve uma tentativa de estigmatizar o Andaraí como um bairro suburbano, o que, oficialmente, não é, mas em algumas ruas parece ser. Na Rua Barão de Itaipu, pelo menos, quem se deixou levar pelo Andaraí da novela, ficaria chocado diante de tamanha inverossimilhança. A rua tem ares emergentes, com edifícios modernosos com varandões em meio a casinhas bem conservadas. O movimento da rua, uma calmaria! Quase nenhuma alma penada circulava por lá, em plena manhã de uma segunda-feira ensolarada. Panorama esse bem diferente daquele bafafá carnavalesco da novela, em que a rua era mais movimentada do que o Largo da Carioca nos dias úteis, horário bancário.
Loja na esquina da Rua Maxwell se destaca por seu desenho arrojado. Enquanto isso, o colorido das calçadas nesse pré-primavera.
Apesar de eu ter considerado a Rua Barão de Itaipu uma rua previsível, no sentido de manter um mesmo padrão de comportamento – e até socioeconômico -, algumas coisas imprevisíveis surgem aos olhos, como esse afloramento à esquerda.
Em primeiro lugar, chamou-me a atenção a loja que existe na esquina da Rua Barão de Itaipu com a Rua Maxwell, especializada em móveis para salão de beleza. O projeto do imóvel, bastante diferente do que costumamos ver por aí – quadradão, envidraçado –, por alguma razão me fazem lembrar algumas esquinas de cidades médias (e prósperas) do interior de São Paulo. Parte da minha família morou um tempo em Jundiaí e, se não me falha a memória, e meu poder de observação, a cidade tem algumas ruas moldadas a receber lojas desse porte estético, no estilo show room. Não é tão comum de se avistar isso aqui pelo Rio; pelo menos não em áreas tão adensadas como a região do Andaraí.
O desenho da Rua Barão de Itaipu, vulgo Francisco Manuel das Chagas Doria, é um traço comprido, sem curvas, nada de sinuosidades. Ela é bastante linear também quanto à sua arquitetura – em outras palavras, bastante previsível. Não que isso seja ruim. Confere um aspecto de rua familiar, firme na sua vocação de recanto residencial, com a vantagem de estar no meio de toda uma confusão típica de cidade grande. Em tempos de descaso aos jardins urbanos, ela é uma grande campeã pela quantidade sortida de árvores floridas, canteiros imprevisíveis – sim, um diferente do outro, sem padrão, mas cada um com uma flor ou espécie distinta – e afloramentos acidentais nas rachaduras do meio-fio.
Paredão grafitado nas imediações da Rua Barão de Mesquita, que deixa migrar para um trechinho da Rua Barão de Itaipu um pouco do seu caráter comercial.
Os espigões da Rua Uruguai cobrem a parte traseira das casas de porte médio da Barão de Itaipu. Ao lado, a Villa Joana, com indicação de ter sido construída em 1925, no topo da fachada.
A preservação do planejamento urbanístico da Rua Barão de Itaipu pode ser percebido pelo desenho da sua calçada. O trecho entre os imóveis e a via, de fato, segue de forma contínua numa reta, sem interrupções. Pode reparar: é muito comum que, você, enquanto pedestre, esteja caminhando e tenha de se desvencilhar de um muro que se assoma de forma indevida. É o típico “avancemos nossos limites particulares”, o que acontece muito também em situações móveis, como mesas e cadeiras obstruindo a passagem. Na Barão de Itaipu essa regra é respeitada até chegar já nas imediações da Rua Barão de Mesquita, onde uma muralha – provavelmente de um terreno abandonado, me parece – avança mais do que deveria. Por outro lado, ali serviu de refúgio para artistas de rua, que deram um colorido especial à cor cinzenta da parede com pinturas e caricaturas grafitadas.
De interessante por lá, gostei do contraste entre as casas de pequeno porte cobertas, por trás delas, de espigões cheios de janelas com toldos brancos já meio acinzentados. Resgatando o panorama histórico do bairro, conserva-se no número 157 um imóvel com o letreiro VILA JOANNA, indicando o ano de 1925 no topo. Ele provavelmente fora descaracterizado de alguma forma que não consigo identificar, mas, mesmo assim, continua sendo um chamariz aos observadores de plantão.
Detalhe da esquina com a Travessa Sá e Albuquerque, onde funciona um bar e, bem atrás, uma modesta vista para o Pico do Papagaio.
Por último, não posso deixar de citar a entradinha da Travessa Sá e Albuquerque, que é protegida por uma cancela, e tem vista para o Pico do Papagaio, no Grajaú. Na sua esquina com a Barão de Itaipu, divergindo de todo o aspecto residencial de lá, funciona um botequim recém-pintado de vermelho-sangue, no térreo de um imóvel de pelo menos meio século de idade. Creio que a única movimentação da rua partia dali, onde um gari conversava animadamente com um transeunte – provável cliente do estabelecimento –, enquanto outro senhor ajeitava uma pequena churrasqueira na beira da calçada. Poderia estar limpando-a após um final de semana agitado ou preparando-a para a festa (nossa) de todo dia. Taí, pelo menos, uma semelhança entre o Andaraí da novela e o da vida real.
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