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As Ruas do Rio

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Blog sobre as ruas do Rio de Janeiro

Rua Artidoro da Costa e Rua Padre Francisco Lanna, Vila Isabel

Mais do que ziriguidum, o bairro de Noel tem coisas tão interesses quanto o carnaval para mostrar Na antiga vila operária. Nos arredores da extinta fábrica de tecidos Confiança, o que restou das residências dos operários na Rua Artidoro da Costa. por Pedro Paulo Bastos Essa semana o bairro de Vila Isabel, na zona norte […]

Por Pedro Paulo Bastos
Atualizado em 25 fev 2017, 19h14 - Publicado em 20 fev 2013, 03h44

Mais do que ziriguidum, o bairro de Noel tem coisas tão interesses quanto o carnaval para mostrar

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Na antiga vila operária. Nos arredores da extinta fábrica de tecidos Confiança, o que restou das residências dos operários na Rua Artidoro da Costa.

por Pedro Paulo Bastos

Essa semana o bairro de Vila Isabel, na zona norte do Rio, ficou mais evidenciado do que de costume pela sua vitória como a melhor escola de samba do carnaval carioca de 2013. Os aplausos ficaram por conta não só pelo belo espetáculo promovido na Marquês de Sapucaí, mas também pela influência que o bairro teve no desenvolvimento da música popular brasileira. Isso tem favorecido e enobrecido o orgulho de ser e/ou morar em Vila Isabel. No entanto, não só de carnaval e MPB vive o bairro de Noel Rosa, ainda que sejam esses seus dois elementos mais célebres. É válido lembrar que um passeio a pé por Vila Isabel resguarda boas surpresas do ponto de vista urbanístico e, consequentemente, histórico. A Vila se assemelha a uma colcha de retalhos, ou seja, é um bairro cheio de descontinuidades paisagísticas. O trecho de uma determinada rua, que tenha uma certa característica aqui, logo na próxima quadra já recebe outro visual e com uma funcionalidade totalmente diferente da vizinha.

” ‘Peguei o bonde’, ‘passei’ no Boulevard
E a ‘Confiança’ é doce recordar
‘Os três apitos’ cantados por Noel
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Ainda ecoam pela Vila Isabel”

Unidos de Vila Isabel, samba-enredo de 1994

Foi com base nessa identificação de “descontinuidades” que eu dediquei a manhã do sábado, 16 de fevereiro, a flanar pelos arredores da Companhia de Fiação e Tecidos Confiança Industrial, onde já há muitos anos funciona um hipermercado nos interiores desta antiga fábrica. O edifício, que segue uma tipologia industrial nos moldes dos da Inglaterra, leva tijolos de alvenaria aparente de pedras e é rodeado pela antiga vila operária que ainda permanece nas ruas Piza e Almeida e Artidoro da Costa. As casas padronizadas, entretanto, apesar do caráter histórico e da sua representação como um marco no desenvolvimento urbano do Rio, estão visivelmente em más condições. Talvez nesse sentido o espírito da hierarquia industrial ainda continue por lá: a fábrica Confiança, luxuosa e bonita graças aos cuidados de um grupo empresarial, e as vilas operárias nas adjacências, que mesmo depois de décadas seguem como moradias populares. Ontem, para os operários, e hoje para o que se chama de classe média baixa.

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No entorno da fábrica. A extinta fábrica Confiança, imortalizada por Noel Rosa em “Três apitos”, é hoje filial de um hipermercado. Em seguida, o panorama das casas operárias na Rua Artidoro da Costa. Ao fundo, a Rua Souza Franco
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Detalhes. A fachada das casas segue a regra com a cor amarela, enquanto portas e janelas luzem na cor verde. Ao lado, uma das vilas que restaram.

A Rua Artidoro da Costa é onde as casas operárias se concentram mais, enfurnadas em vilas estreitas ou acessadas diretamente da rua. O estado quase precário delas fez com que a Prefeitura interviesse recentemente na recuperação de suas fachadas, padronizando-as nas cores amarela e verde. Mesmo assim, a importância cultural dali não é explorada, o que se reflete igualmente na má conservação da própria Rua Artidoro da Costa. A ausência de arborização permite que os raios solares do verão carioca incidam sobre o asfalto de maneira horripilantemente insuportável. Se antigamente era da chaminé da Confiança de onde saía a fumaça, hoje em dia a sensação é a de que a fumaça brotará a qualquer momento daquela massa de betume. Nas vilas, em geral revestidas de um passeio que separa os dois lados de casas, é preenchido não só por piscinas de plástico, mas também por bicicletas, velocípedes, entre outros brinquedos.

Já na quadra entre a Rua Piza e Almeida e a Rua Visconde de Abaeté, o que restou da antiga vila operária é constituído por um único edifício loteado de janelas e portas, que mais parecem estalagens do que residências. Apesar da pouca movimentação nas sacadas e no abrir-e-fechar das portas, algumas janelas estavam ocupadas por donas-de-casa, que papeavam animadamente com transeuntes. Cena poética, inspiração para sambas das antigas. Enquanto um par de sapatos velhos pendia de um dos fios dos diversos postes da rua – na falta de árvores, os postes cinzentos as substituem -, um novo emaranhado de fios surge das casas amarelas. Esse cenário torna o espaço aéreo da Rua Artidoro da Costa visivelmente caótico, onde a fiação não segue padrão algum de direção: ora na vertical, ora na horizontal, às vezes em ziguezague. Há quem diga que é daí onde surgem os famosos gatos. Mas a verdade mesmo é que essa é uma confusão de elementos dispensáveis que ofuscam um recanto que deveria ter uma melhor preservação por parte do IPHAN, por exemplo.

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Rua Artidoro da Costa. Mais do extenso edifício também pertencente à antiga vila operária, com fiagem desordenada, e os outros estilos de casas que também marcam presença na rua
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Virando a esquina. As imagens acima são da bifurcação entre as ruas Artidoro da Costa, Visconde de Abaeté e Padre Francisco Lanna, à direita, que já muda totalmente o panorama anterior.

A Rua Artidoro da Costa termina na Rua Visconde de Abaeté, que é supostamente uma rua no estilo sem saída (visualize o mapa aqui para maiores orientações). Os pedestres pouco observadores acreditam que esse trecho cul-de-sac seja de fato parte da Visconde de Abaeté, assim como aqueles que não costumam ler os mapas da cidade – provavelmente a grande maioria. Não faz mal! O que poucos sabem é que esse trecho não leva mais o nome do tal visconde, mas sim o de Padre Francisco Lanna. E é justamente no encontro destas duas ruas com a Artidoro da Costa onde podemos constatar uma das descontinuidades de que eu havia comentado no início desta expedição. Diferente da Rua Artidoro da Costa, que concentra um nível social um pouco mais baixo, a Rua Padre Francisco Lanna muda por completo esse panorama: vizinhança arborizada, os prédios notadamente de classe média, jardinagem e uma pracinha bastante acolhedora. Quem está por dentro do ramo imobiliário afirmaria que esse recanto de Vila Isabel é considerado a mina de ouro do bairro pelo seu clima tranquilo de família. A decadência urbana dos anos 80 e 90 afetou o aspecto estético de muitos lugares da Vila, embora a Padre Francisco Lanna tenha saído vitoriosa por ser uma exceção.

A praça de lá é diminuta mas suficientemente espaçosa para abrigar os aparatos infantis típicos das pracinhas. Ao seu redor, uma coleção de carros estacionados. Diante de uma rua pequena como a Padre Francisco Lanna, essa quantidade absurda de automóveis é absurda e quase claustrofóbica para o pedestre. Os carrinhos de bebê precisam fazer mágica com suas rodinhas para se desvencilharem das passagens estreitas que lhes restam para acessar o centro da praça ou a conexão entre a via e a calçada. O paredão de edifícios oferece sombra junto às suntuosas amendoeiras. Um eventual cheirinho de comida surge de alguma janela e alcança às narinas. Na ausência de tráfego, não se respira o monóxido de carbono usual dos logradouros mais badalados. É um pedaço muito, mas muito calminho. O único ruído que se escuta, e bem ao longe, são dos ônibus passando pela Avenida Engenheiro Otacílio Negrão de Lima, que fica nos fundos.

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A ruazinha da pracinha. A Rua Padre Francisco Lanna é um recanto bastante simpático no final da Rua Visconde de Abaeté. Dispõe de bons edifícios e uma pracinha mais voltada para as crianças
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Grades. Uma das maiores características da Rua Padre Francisco Lanna é a quantidade de grades: proteção medonha em tempos modernos.

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Corredor. O corredor da Rua Padre Francisco Lanna é formado por grades, jardins e acesso para os outros edifícios. Chama a atenção por ser uma passagem pública, embora não tenha saída.

Os moradores dali são silenciosos, o que, à primeira vista, faz parecer que não dão às caras de forma alguma. Não obstante, cinco segundos de observação atenta serviram para constatar que o porteiro estava logo ali, varrendo o que lhe convinha. No quarto andar de um edifício, a moradora estava usufruindo da sua rede de tecido branco na compacta varanda do seu apartamento, com as franjas longas da rede capazes de atiçar a qualquer cachorrinho brincalhão. O jardineiro cuidava das ixoras no trecho ainda mais escondido da Rua Padre Francisco Lanna, que mais parece um condomínio fechado do que rua aberta, enquanto o avô jogava bola com o neto na extensão da garagem do prédio onde vivem. Talvez esses personagens não tenham ficado tão expostos ao meu campo visual pela quantidade de grades que existem na Rua Padre Francisco Lanna. Não acho que isso seja particular da rua; infelizmente o país todo ainda precisa desses mecanismos medonhos de proteção.

Uns dias antes de decidir que visitaria a região para o As Ruas do Rio, descobri em leituras de pesquisa que a canção “Três apitos”, de Noel Rosa, fora inspirada na Fábrica Confiança. Preciso nem dizer que o fundo musical para esse passeio foi bem mais significativo do que imaginava. Pode até ser que essa poesia toda não tenha se retratado no texto pela decepção que tive em me deparar com ruas tão mal cuidadas no entorno da fábrica. A grande verdade é que só o encontro ao vivo com o local, guiado pela referência musical que lhes dei, é que proporciona aquele modo ativado de imaginação e de resgate de um tempo passa longe da minha época. O que tiro de conclusão dessa expedição é que as ruas são mais culturais do que podemos imaginar. Um olhar diferenciado permite esse acréscimo de valor cultural, e você não paga nenhum centavinho para ter acesso a isso. Algo que destoa bastante do turismo carioca contemporâneo, cada vez mais mercantilizado e midiático. Parabéns à Vila – é o que me resta a dizer.

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