Imagem Blog

Analice Gigliotti Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por Analice Gigliotti, psiquiatra
Comportamento
Continua após publicidade

Em tempo de polarização, tão importante quanto saber perder é saber ganhar

Discursos de conciliação de candidatos vencedores, de todos os matizes políticos, são gesto de nobreza – e um desafio ao cérebro

Por Analice_Gigliotti Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
2 nov 2022, 09h41

Independente do alinhamento ideológico que se tenha, os últimos tempos exigiram uma dose extra de paciência para não se perder a lucidez. Não foram poucos os memes que circularam nas redes sociais tentando extrair humor da exaustão mental que atingiu muitos brasileiros diante da polarização política – e que abalou relações familiares, de amizade e no trabalho.

Mas por que algumas pessoas conseguem se manter mais tolerantes diante de determinada informação, face à outras que partem para uma posição extremista? A neurobiologia tem uma resposta. Em resumo, a reação ao que recebemos de informação atende a um circuito que passa pela emoção (ínsula e amigdala), identificação (córtex medial) e reflexão (córtex órbito frontal).

Porém, estudos com radicais políticos atestam que eles reagem neurobiologicamente de forma diferente de pessoas com tendência ideológica identificada mais tolerante, ao centro. Nos extremistas, o cérebro blinda o contraditório, se fecha à possibilidade de dúvida e a reação emocional se sobrepõe ao fato concreto. Em outras palavras: se a pessoa tem muita convicção de algo, o cérebro “se blinda” à diferença e gera uma dificuldade de reflexão. Resultado: nada é capaz de fazer os radicais reverem sua postura.

Neste cenário, uma notícia falsa que endosse a opinião política de alguém, tem maior capacidade de ser reconhecida e aceita do que uma verdadeira, porque ativam regiões do cérebro ligadas à emoção muito mais do que às ligadas à razão. Vem daí a frustração de tantas pessoas quando dizem, chocadas, acerca de amigos ou parentes: “Mas como é que fulano foi espalhar tal notícia ou compartilhar tal fake news?”. O cérebro delas simplesmente não está disposto ao contraditório.

Esse processo foi potencializado com o uso massivo das redes sociais. Se por um lado elas oferecem o poder da livre circulação de informação, por outro a lógica dos algoritmos isola os usuários da diversidade e cria as perversas bolhas – onde todos concordam e, consequentemente, radicalizam as opiniões. Um ambiente perfeito para o surgimento do ódio. Na coletiva à imprensa logo ao final das eleições, o ministro Alexandre de Moraes destacou, com toda a razão, que uma das missões das autoridades nos próximos anos será readequar as empresas de redes sociais: elas não são empresas de tecnologia, mas sim de informação e conteúdo.

Continua após a publicidade

Radicalismos à parte, assistimos a vitória de vários partidos. Está sendo bonito acompanhar uma mudança no tom dos discursos nestes primeiros dias após a apuração. Um arrefecimento do “nós contra eles” que foi adotado, em maior ou menor grau, por todas as correntes ideológicas. Fala-se em reconstrução de pontes de contato, em apliação de diálogo, em governos que se dedicarão à toda a população e não apenas no eleitorado que garantiu a vitória.

Saber perder exige fairplay, calma, aceitação. Mas saber ganhar também demanda uma postura altiva, sem arrogância. Aos vencedores foi outorgada a responsabilidade da pacificação, não da radicalização. Um desafio não apenas à política, mas também ao cérebro.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Domine o fato. Confie na fonte.
10 grandes marcas em uma única assinatura digital
Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de Rio de Janeiro

a partir de R$ 39,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.