Imagem Blog

Analice Gigliotti

Por Analice Gigliotti, psiquiatra Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Comportamento
Continua após publicidade

Brasil carrega o vergonhoso título do país que mais mata LGBT+ no mundo

Há 14 anos, Brasil fica em primeiro lugar na lista. Em 2022, foram 273 vítimas

Por Analice Gigliotti
26 Maio 2023, 09h42
Uma mão em primeiro plano pintada com as cores da bandeira do arco-íris.
Combate à homofobia é essencial no país do mundo que mais mata a comunidade LGBTI+ (Shutterstock/Reprodução)
Continua após publicidade

A quarta-feira da semana passada, 17 de maio, foi marcada pelo Dia Internacional contra a LGBTfobia. Geralmente, efemérides como esta servem para se olhar para trás, ver o caminho trilhado e celebrar conquistas. Porém, uma nova pesquisa, divulgada no Dossiê Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil, mostra que apesar de alguns avanços, como a conquista da União Civil entre pessoas do mesmo sexo, que completou 10 anos, o público LGBTQIA+ ainda tem muito a temer.

No total, foram 273 vítimas de crimes de identidade de gênero ou sexual no Brasil. Ou seja, dois assassinatos de pessoas LGBT+ a cada três dias em 2022. As mortes são, principalmente, de mulheres trans e travestis: 159 ocorrências (58%). Homens gays vem em seguida, com 97 óbitos (35% dos casos). As mortes, em sua grande maioria, se dão em circunstâncias violentas, com armas de fogo, esfaqueamento, espancamento e apedrejamento. Outro ponto que chama atenção é que 49% dos casos acontecem em lugares públicos. Os registros de violência acontecem na região Nordeste (118 mortes), seguido por Sudeste (71 mortes) e Centro-Oeste (37 mortes).

Os tristes números, que conferem ao Brasil o vergonhoso título de país que mais mata a comunidade LGBTI+ no mundo pelo 14º ano seguido, faz pensar uma série de questões não apenas sobre esse grupo social específico, mas sobre a sociedade brasileira como um todo.

O primeiro ponto que chama a minha atenção é o nível de violência que se pratica hoje no país. A cultura do ódio e da violência, tão disseminada nos últimos anos, deixa rastros em todos os tecidos sociais. Sob o frágil argumento da liberdade, permitiu-se a naturalização de diversos signos de violência, como a posse de arma e clubes de tiros, porém, sem a devida (e óbvia) defesa do alcance de dano que essa cultura pode atingir. Resultado: vivemos uma espécie de faroeste, com enorme circulação de armas ilegais e despreparo de quem as tem nas mãos.

Continua após a publicidade

Outro dado que chama a minha atenção é o público que recebe tamanha carga de ataques. É de se pensar, afinal: por que os LGBTI+ sofrem de tanta perseguição? A resposta que me vem à mente é que se trata de uma comunidade que dá a cara, que não se esconde, que não tem medo de mostrar-se como é.

Isso nos leva, diretamente, ao terceiro ponto que me interessa: por que pessoas corajosas, que se mostram como são, que cada vez mais se recusam a se esconder e dominam grandes espaços de atenção da mídia – como a Pablo Vittar, Ludmilla e outros fenômenos pop -, por que essa comunidade incomoda tanto o status quo social? Única e exclusivamente porque são diferentes.

E aí chegamos, a meu ver, ao centro da questão, de onde derivam todas as outras: não somos uma sociedade educada para conviver com a diferença. Por muito tempo, não preparamos nossas crianças para a aceitação do que não se assemelha a você, seja pela classe social, pela raça, religião ou pela identidade de gênero. Por gerações, as famílias evitaram aborar assuntos que julgavam espinhosos, assim como as escolas. A conta nos é apresentada hoje: uma sociedade supostamente igualitária, mas atravessada por muitas particularidades rejeitadas pelas demais.

Continua após a publicidade

Não enxergo solução possível para tantos casos de violência que não passe pelos bancos escolares e conversas em família. É preciso ensinar – dentre tantas coisas – que todas as pessoas tem o direito de ser quem são, amarem quem quiserem e terem a identidade de gênero que desejam. Tratam-se de questões de foro íntimo, que em nada podem incomodar ou por em risco a existência do outro.

Se o Brasil é um país violento, é ainda mais com a comunidade LGBTI+. A única maneira possível de ter essa situação revertida é pela educação, dentro e fora de casa, para que finalmente se entenda que a diferença – qualquer diferença! – é a riqueza de uma sociedade.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Domine o fato. Confie na fonte.
10 grandes marcas em uma única assinatura digital
Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de Rio de Janeiro

a partir de 49,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.