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Por Analice Gigliotti, psiquiatra
Comportamento
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Big Brother Brasil: quando o voyeurismo encontra o exibicionismo

Fenômeno na TV aberta, programa une dois fetiches do nosso tempo, a vontade de aparecer e a curiosidade pela vida alheia

Por Analice Gigliotti
Atualizado em 19 jan 2022, 16h11 - Publicado em 19 jan 2022, 13h15

Já foi Pedro Bial, Tiago Leifert e agora é a vez de Tadeu Schmidt. Entra apresentador, sai apresentador; entra ano, sai ano e o fenômeno fica cada vez mais forte: o Big Brother Brasil é uma máquina de fazer dinheiro e um caso raro de longevidade no entretenimento nacional. Exceção no mundo – na maioria dos países o programa não passou de um par de edições -, por aqui o BBB atinge a impressionante marca de 20 anos no ar.

Antes que alguém pergunte: não, eu não sou espectadora do programa. Mas não é possível fechar os olhos ao poder que o programa tem. Há um fenômeno social de massa que acontece em torno dele, uma mobilização que as novelas, até então preferência nacional, não são mais capazes de criar. Isso posto, o que tem no reality show que atrai tantos brasileiros, há tanto tempo?

Há alguns indícios mais óbvios. Num país em que quase 14 milhões de pessoas estão desempregadas, a ideia de conquistar 1,5 milhão de reais pode soar tentadora. Mas de uns tempos para cá, sumiram os concorrentes mais necessitados financeiramente, que imprimiam um ar de “topa tudo por dinheiro” ao desafio do confinamento. Eles cederam espaço a muitos participantes graduados com ensino superior. E por quê?

O Big Brother é o encontro do voyeurismo com o exibicionismo. Match perfeito. O programa é uma espécie de “avô” do Instagram e das redes sociais. A lógica é a mesma: alguns querem se mostrar, milhões querem “espiar”, na palavra cunhada por Bial, que resume bem o espírito do BBB. É a fome e a vontade de comer servidas no mesmo espaço, embalados por edição e direção que cumprem à risca o que prometem: “entretenimento”. Verdade seja dita: à custa de muita briga, desentendimento, xingamentos e consumo excessivo de álcool.

Alinhado com o pensamento preconizado por Andy Warhol, todos correm atrás de seus 15 minutos de fama – e se possível alguns minutos mais, com tudo que tornar-se celebridade tenha a oferecer. Ser famoso, sem um feito concreto para isso (uma descoberta ou invenção, por exemplo), tornou-se mais que uma ambição, é uma possibilidade real de ascensão social no Brasil. Quem vai bem no programa, sai da casa com a certeza de contratos milionários, publicidade e aumento de seguidores nas redes sociais.

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Há quem faça bom uso desse capital construído em meses de incessante exposição midiática: Jean Wyllys construiu uma carreira política e Grazi Massafera tornou-se uma atriz respeitada, para citar apenas dois participantes. Porém, também há aqueles que perderam mais que ganharam, a custa de rejeição e cancelamento – esses sequer precisam ser citados.

Talvez um dos segredos da permanência do Big Brother desde 2002 seja o olhar atento para a diversidade e as causas que se impuseram nas duas últimas décadas. O programa nunca estacionou. Negros, trans, gays, idosos e obesos acharam seu espaço e conquistaram o público. Naquela arena já se discutiram assuntos que ultrapassaram os muros da casa e ganharam o Brasil: machismo, racismo, etarismo, feminismo e homofobia. Na atual edição, há uma mulher com vitiligo, por exemplo. Podem soar como pequenos passos, mas não são. Marcam uma posição de representatividade que há tempos as minorias se ressentem.

Se o leitor engrossa o coro dos que torcem o nariz para o Big Brother Brasil mas chegou até este parágrafo do artigo, será capaz de entender a razão que criou o fenômeno, um dos mais primários impulsos humanos: a curiosidade.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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