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Comportamento
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A verdade sobre os cigarros eletrônicos

Promovidos erroneamente pelos fabricantes como menos danosos à saúde, os cigarros eletrônicos – apesar de proibidos - caem no gosto dos jovens

Por Analice Gigliotti
13 jul 2022, 19h10
Cigarros eletrônicos organizados sobre uma mesa.
Vape: mesmo proibido, item entra com facilidade no festival (Shutterstock/Reprodução)
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A Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu este mês, por unanimidade, manter a proibição da venda de cigarros eletrônicos no Brasil, em vigor desde 2009. A corajosa negativa vai de encontro à grande pressão dos fabricantes, de olho no enorme mercado em potencial no Brasil. A entidade também deliberou pela intensificação de ações educativas sobre os riscos do produto e pelo aumento da fiscalização para coibir a comercialização ilegal dos dispositivos. As decisões não poderiam ser mais acertadas.

Os fabricantes alegam junto à Anvisa que por funcionarem sem a queima de tabaco e não gerarem alcatrão nem monóxido de carbono, os cigarros eletrônicos seriam menos nocivos que os cigarros convencionais. Há algum tempo, eles tentam convencer a Agência de Vigilância Sanitária a mudar a regulamentação sob o discurso falacioso de que os cigarros eletrônicos são produtos que reduzem os danos entre os fumantes que não conseguem largar a dependência e mais: seriam aliados na tentativa de deixar de fumar. 

A Anvisa, sabiamente, havia classificado como Dispositivo Eletrônico para Fumar (DEFs) qualquer tipo de cigarros eletrônico, tão logo eles surgiram. Atualmente existem duas grandes variedades de DEFs: o vape, que funciona aquecendo um líquido que contém nicotina, conservantes e aditivos; e o cigarro de tabaco aquecido, que   aquece tabaco sólido combinado com aditivos. O aquecimento de ambos se dá por meio de uma bateria que gera um aerossol responsável por levar nicotina ao usuário.

No entanto, hoje sabemos que além de todos os males já conhecidos da nicotina, os vapes liberam uma série de micropartículas e mais de duas mil substâncias químicas tóxicas e cancerígenas, como acroleína, acetaldeído, benzeno, óxido de etileno, formaldeído, níquel e nitrosaminas. E já aí cai por terra o primeiro argumento de que cigarros eletrônicos são inofensivos fornecedores de nicotina ao consumidor. Segundo dados do InCor, o uso de cigarro eletrônico aumenta em 42% a chance de infarto e em 50% a probabilidade de asma. complicações cardiovasculares e pulmonares. Além disso, aumenta-se a probabilidade de ocorrência de diversos tipos de cânceres (como boca, laringe, esôfago, bexiga e pulmão, por exemplo).

Diante de tantas provas que atestam quão mal os DEFs fazem à saúde, é um contrasenso indicá-los como aliados para quem deseja largar o cigarro. Em média, um cigarro comum oferece 15 tragadas. Um maço teria, então, 300 tragadas. Logo, um vaporizador de 1,5 mil tragadas seria equivalente a cinco maços.

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Além disso, estudos mostram que o uso de DEFs não tem sido efetivo para o abandono da dependência de cigarro. Portanto, não seria ético indicá-los para um fumante que está buscando ajuda para deixar de fumar, principalmente porque no Brasil existe tratamento gratuito para essa finalidade, incluindo a terapia de reposição de nicotina por meio de adesivos ou goma – estes sim já com eficácia comprovada.

Na prática, diante da retração da venda de cigarros convencionais e sob o manto do discurso politicamente correto do auxílio no abandono da dependência, o que os cigarros eletrônicos tem feito é capturar jovens para o consumo de cigarro convencional. Dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 identificaram a prevalência de uso regular de DEFs de 0,64% (ou seja, um milhão de pessoas) na população com mais de 15 anos. Neste grupo, 70% tinham entre 15 e 24 anos e quase 90% ainda não eram fumantes de cigarros convencionais. Ou seja: o mercado criou preocupante demanda entre os jovens.

Segundo o INCA, os cigarros eletrônicos aumentam em três vezes e meia o risco de se experimentar o cigarro convencional. Na conquista deste novo público, os fabricantes conta com o impulso das redes sociais, onde influenciadores digitais ganham dinheiro para promover os DEFs.

Portanto, se há alguma busca por redução de danos é, na verdade, a dos crescentes danos econômicos do negócio em decorrência do encolhimento do mercado de cigarros convencionais. E na estratégia de cativar esse público, criou-se uma grande variedade de aromas e sabores que visam agradar o paladar do consumidor e retê-lo. Fica evidente que o principal alvo dos DEFs são adolescentes, e não os fumantes de meiaidade que desejam parar de fumar e não conseguem, como dizem os fabricantes com seu frágil discurso de redução de danos. 

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O longo e cauteloso histórico adotado pela Anvisa antes de sua mais recente decisão, permitiu que se levasse em consideração as lições aprendidas com a experiência de outros países, onde o mercado de cigarros eletrônicos foi liberado e onde agora seus governos buscam mitigar o prejuízo para reverter o rápido crescimento do consumo entre jovens e suas consequências, a exemplo dos EUA, Canadá, Nova Zelândia e vários países da União Europeia.

Por fim, aplaudo a decisão da Anvisa de não abrir a caixa de Pandora dos DEFs. Nos últimos anos, o Brasil teve progressos concretos em relação à efetividade da Politica Nacional de Controle do Tabaco, traduzida em redução da prevalência de fumantes por meio de medidas que aumentaram o abandono do uso do cigarro tradicional e reduziram a iniciação do seu consumo entre jovens. Com a abertura do mercado de DEFs seria uma questão de tempo: veríamos ressurgir uma nova e avassaladora epidemia de dependência de nicotina entre os jovens.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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