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Vila Autódromo ainda é um incômodo para a organização dos Jogos

Os atuais moradores se recusaram a receber nesta quarta (26) as chaves das novas residências, alegando que os imóveis não tinham luz e apresentavam problemas nas instalações 

Por Sofia Cerqueira
Atualizado em 2 jun 2017, 12h02 - Publicado em 27 jul 2016, 19h41

Na corrida contra o tempo para o início dos Jogos Olímpicos e em meio a encrencas de repercussão internacional, como os problemas de infraestrutura na Vila dos Atletas, uma pendenga ainda atormenta a organização do evento. Colada à entrada do Parque Olímpico, que concentra o maior complexo de arenas esportivas da Rio 2016, na Barra da Tijuca, a favela Vila Autódromo resiste, com vinte famílias morando no local. O ambiente degradado, com pilhas de entulho, casas em escombros e poeira em profusão, contrasta com as construções vizinhas estalando de novas. Em todas as fachadas – são apenas cinco imóveis que restaram da comunidade, alguns de dois andares e com vários puxadinhos – há dizeres como “Memória não se remove”, “Nem todos têm preço” e “Rio 2016, jogos da exclusão”. O processo de remoção dos moradores e a derrubada das casas, iniciada em 2011, onde havia mais de 600 famílias, enfrenta novos entraves nesta reta final. Os moradores remanescentes se recusaram a receber nesta quarta (26) as chaves das novas residências, num terreno contíguo, alegando que os imóveis não tinham luz, apresentavam problemas nas instalações hidráulicas e vazamentos. A área junto à igreja que existe no local também não havia sido pavimentada, como fora prometido.  “Sabemos que há pressa para demolir as antigas construções e retirar o maquinário da área da Olimpíada, mas os moradores só vão aceitar as novas casas com tudo funcionando”, disse, categórico, o padre Núbio Montenegro, que acompanhou a reunião com representantes da Secretaria municipal de Concessões e Parcerias Público-Privadas e a Defensoria Pública.

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O receio é de que problemas semelhantes aos ocorridos nos últimos dias no condomínio Ilha Pura, onde estão hospedadas as delegações olímpicas e que foi anunciada como a mais luxuosa Vila dos Atletas de todos os tempos, se repitam ali e fiquem sem solução para sempre. A expectativa é que uma nova vistoria aconteça até sexta (29) e que o imbróglio, enfim, se resolva. Localizada num ponto estratégico, entre o Parque Olímpico e a Lagoa de Jacarepaguá, a Vila Autódromo foi – e ainda é – um dos pontos mais polêmicos na preparação para receber os Jogos. No meio do processo de negociação para remover a favela ocorreram diversos impasses, protestos e confrontos entre a população local e representantes da prefeitura. A intrincada desapropriação chamou a atenção da imprensa estrangeira e, no exterior, acabou se transformando num emblemático exemplo de injustiça social no país e símbolo da maneira unilateral como o projeto olímpico foi conduzido pela prefeitura. A luta dos moradores da Vila Autódromo  ganhou destaque em reportagens em jornais como o americano The New York Times, o espanhol El País e o canal britânico de televisão BBC. “Foi um período de pressão imensa. A prefeitura chegou a me oferecer 2,4 milhões de reais para sair daqui, mas a minha história e a minha dignidade não têm preço”, afirma a diarista Maria da Penha Macena, 51 anos, que há 22 morava na favela e integra o grupo que ficou.

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Maria da Penha virou o principal símbolo da resistência na Vila Autódromo. Ela recorda que em um confronto com a polícia na própria área chegou a ter o nariz quebrado em meio ao longo processo de remoção. Em junho passado, acompanhada de representantes da Anistia Internacional, participou de um evento nas Organização das Nações Unidas (ONU), na Suíça, onde reclamou que a comunidade local sofrera violação dos direitos humanos. “É muito triste olhar para o local onde ficava a sua casa e ver um estacionamento (no caso, do Centro de Transmissão Internacional, o IBC)”, diz ela, que hoje vive num contêiner com a família e está cadastrada para ocupar uma das vinte casas construídas no terreno vizinho. Todas as novas moradias a serem entregues pela prefeitura têm dois quartos, sala, cozinha e uma pequena área externa.

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Ao longo dos últimos cinco anos, quando começou o processo de desapropriação, as negociações com os moradores foram feitas caso a caso. Depois de muito embate, a maioria aceitou mudar-se para um apartamento do Parque Carioca, do projeto federal Minha Casa Minha Vida, ou recebeu indenizações, que variaram entre 40 000 reais e mais de 2 milhões de reais, como se viu na proposta recusada por Maria da Penha. “Criei meus filhos com toda a tranquilidade nesse lugar. Aqui nunca teve o controle do tráfico ou de milícias, como acontece em vários outras comunidades”, argumenta a acupunturista Sandra Maria de Souza, de 48 anos, que também se recusou a deixar o local. “O governo alegava que várias casas estavam em áreas de proteção ambiental e durante esse processo retirou mais de 500 árvores daqui”, acrescenta.

Embora a maioria das casas da Vila Autódromo já tenha vindo abaixo, a tensão na área vizinha ao Parque Olímpico ainda persiste. “Ouvi de representantes da prefeitura que se não saísse daqui por bem sairia com dor. Resolvi ficar e vou cobrar tudo o que prometeram”, diz a doméstica aposentada Iranice Cadete, de 49 anos, há 25 no local, onde vive com o marido, os filhos e sobrinhos. “Além das casas, a prefeitura prometeu numa segunda fase construir aqui uma praça, a sede da associa��ão de moradores, um centro cultural e uma quadra de esportes”, completa.

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A história da Vila Autódromo remete ao início dos anos 60, uma época em que aquele trecho da Zona Oeste era praticamente deserto e passava longe da especulação imobiliária. Seus primeiros moradores ocuparam trechos junto à Lagoa de Jacarepaguá e viviam da pesca. Bem antes do anúncio do Rio como sede da Olimpíada 2016, no entanto, em diversas ocasiões, como durante a organização dos jogos Pan-Americanos de 2007, os moradores dali conviveram com o fantasma da remoção. “Não achei justo sair daqui, essa casa me pertence”, comenta Dalva Crispino, de 82 anos, mostrando um termo de concessão de uso daquele solo por 99 anos, expedido pelo governo estadual, em 1994. Como ela, vários outros moradores da favela tinham o mesmo documento, ao qual o prefeito Eduardo Paes se referiu durante o processo de desapropriação como “papelucho de político demagogo”. Depois de tamanha pendenga, a previsão é de que as vinte famílias remanescentes se mudem para as novas casas, ainda com vista para as instalações olímpicas, no próximo fim de semana. 

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