TJ do Rio lança projeto para incentivar “adoção necessária”
O foco é encontrar pais adotivos para crianças de mais de 8 anos, com problemas de saúde ou grupos de irmãos
A vida do biólogo Tiago de Paiva Nunes e da enfermeira Luciane Vilela Ouverney mudou em setembro do ano passado quando adotaram a menina Alice, de 9 meses. O casal tinha tentado, por quatro vezes, ter um filho, mas em todas elas a gravidez não foi adiante. Os dois resolveram partir para a adoção e informaram as preferências, que se encaixavam no perfil mais comum de adotantes: criança abaixo de 3 anos, sadia e sem grupo de irmãos. A aproximação com a bebê acabou fazendo o casal alterar o cadastro. Alice tem microcefalia e epilepsia e esse acabou sendo o motivo que levou os dois a buscar a adoção da menina.
“Quando você pensa em adotar uma criança fora do perfil é porque passou pela sua cabeça que você precisa ajudar aquela criança, ou o adolescente ou criança especial, só que é justamente o contrário. Vê que é ela quem está ajudando você. A entrada dela na nossa vida nos ajudou a evoluir, a olhar o mundo com outros olhos”, disse Tiago, ao lado da mulher, com a filha no colo.
Luciana, que lutou tanto para ser mãe, se sente feliz, completa e realizada. “Quando as pessoas falavam que amor de mãe é incondicional, eu não sabia medir isso. Eu achava que não ia ser igual o fato de ter um filho biológico e adotar. Mas eu vejo que é. O dia a dia prova isso. Cada madrugada, cada riso e, no caso dela, cada superação. O amor faz toda a diferença”, afirmou.
O caso de Tiago e Luciane é o tipo de adoção que a Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj) quer incentivar. Por isso, lançou nessa terça-feira (24), no Tribunal de Justiça do estado (TJRJ), o projeto O Ideal é Real – Adoção Necessária, coordenado pelo juiz da 4ª Vara da Criança, Juventude e Idoso, Sérgio Luiz Ribeiro.
Adoção necessária
Segundo dados da Amaerj, o Cadastro Nacional de Adoção tem 38.444 pessoas habilitadas para adotar e 7.180 crianças e adolescentes aguardando a adoção. No Rio de Janeiro, são 3.477 pessoas interessadas em adotar um filho e 525 crianças e adolescentes à espera de uma família em abrigos. Grande parte deles está no grupo chamado de adoções necessárias, com crianças a partir de 8 anos, com problemas de saúde e grupos de irmãos e que acabam permanecendo nos abrigos. “No Cadastro Nacional, se 18,68 % das pessoas mudarem o perfil, a gente zera a conta”, completou Sérgio Luiz Ribeiro.
O magistrado informou que a ideia do projeto é trabalhar a mudança do perfil, que precisa ser feita com cuidado e não de forma obrigatória. O caminho, apontou o juiz, é incentivar o contato dos interessados em adotar com as crianças e adolescentes, como ocorreu com Tiago e Luciane. A estratégia da 4ª Vara da Criança, Juventude e Idoso vai desde vídeos com imagens das crianças e dos adolescentes, apresentados em palestras, a eventos em instituições de acolhimento.
“Eu tenho casos de pessoas que estavam habilitadas para um bebê e adotaram grupos de três irmãos mais velhos, que adotaram adolescentes de 15 anos, mas quando? Quando eles puderam ter o contato. Conheceram, falaram e mudaram o perfil. O projeto é isso”, destacou, apontando um fato positivo que é o aumento de adoções interracial. “Isso antes era uma barreira e hoje a gente não vê mais como uma barreira”.
De acordo com a presidente da Amaerj, Renata Gil, a divulgação dessa dificuldade nas adoções necessárias vai promover o aumento dos processos. “Muita gente quer adotar, mas acha que existe a burocracia da fila. Então, existe uma fila que é muito pequena, que é dessas crianças que não estão no perfil buscado pelos adotantes em geral”, disse.
A secretária nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério da Justiça, Cláudia de Freitas Vidigal, afirmou no encontro que é possível estender o projeto a outras partes do país. “A gente, realmente, quer expandir”, disse.
Na visão dela, as estratégias de assegurar a convivência familiar e comunitária são necessárias em todo o Brasil, e a secretaria já tem uma estrutura de articulação que pode ser utilizada para dar mais visibilidade ao projeto. Cláudia admitiu que fazer convênios formais pode levar mais tempo, mas como uma cooperação técnica ele pode avançar, tendo a secretaria como porta-voz para chegar a outras regiões do país.
“As adoções necessárias estão na pauta. Acho que tem muita gente olhando e pensando. O que inova aqui é a atitude corajosa de fazer esses encontros, de dar visibilidade e fazer com que essas crianças possam se relacionar, conhecer pretendentes e assim ter maior chance de encontrar uma família”.
Ainda no encontro, o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Jayme de Oliveira se comprometeu a buscar o apoio de outras entidades de magistrados ao projeto O Ideal é Real – Adoções Necessárias. O projeto recebeu o apoio também do presidente do TJRJ, Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho. “O problema dos carentes é sentido com mais intensidade”, disse.
Adoção internacional
A desembargadora Ana Maria Pereira de Oliveira, responsável pela Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional do TJRJ, destacou que ainda existem barreiras nas adoções internacionais, em parte por causa da transferência das crianças e adolescentes para outro país e para uma cultura diferente. Para ela, essa pode ser uma alternativa para as adoções tardias, que podem ocorrer depois de tentativas de conseguir uma família brasileira, cujo tempo deve ser avaliado. “Quanto tempo a gente deve tentar uma adoção nacional para, então, chegar à conclusão de que pode ser possível uma adoção internacional? Os pretendentes estrangeiros não são em grande número, mas a gente tem visto casos muito positivos de adoção internacional”, completou.