Os divinos de verdade
Times da Baixada Fluminense que revelam aspirantes a craques vivem dias de glória com o sucesso da novela Avenida Brasil e sua pitoresca equipe de futebol
Diego Camilo, 17 anos, é filho de um motorista e de uma dona de casa. Daniel Mozer, 20, nasceu na França e seu pai, o ex-zagueiro Mozer, defendeu o Flamengo, o Olympique de Marselha e a seleção brasileira. Dois irmãos de Felipe Simas, 19, são atores da TV Globo. Combinação para lá de eclética, o trio de jovens retratado na fotografia ao lado leva os torcedores do Nova Iguaçu Futebol Clube ao delírio cada vez que pisa no bem cuidado gramado do Laranjão, estádio arrumadinho mantido pelo time na cidade que lhe dá nome. Em abril, os garotos conquistaram o primeiro turno do Campeonato Estadual de Juniores e agora se esforçam para ficar com o título do segundo, a Taça Guanabara. No entanto, não são apenas os bons resultados no campo que têm chamado atenção para essa meninada. Desde que o autor de novelas João Emanuel Carneiro decidiu ancorar boa parte da trama de Avenida Brasil em uma agremiação suburbana recheada de aspirantes a craques, o Divino Futebol Clube, o Nova Iguaçu tem vivido dias movimentados. “Não há um treino em que eu não ouça gracinhas e piadas sobre a novela”, diz Felipe Simas, irmão de Bruno Gissoni, que interpreta justamente o jogador Iran no folhetim das 9.
Assim como o Nova Iguaçu, pelo menos outros três times da Baixada Fluminense poderiam servir de cenário para a trama de Carneiro. Como o escrete do Laranjão, o Tigres do Brasil, baseado em Duque de Caxias, o Audax, de São João de Meriti, e o Artsul, de Queimados, são clubes pequenos, mantidos com o auxílio de empresários locais e ex-jogadores nascidos na região. Outro traço comum é o fato de as equipes principais raramente avançarem além dos limites da segunda divisão – e, quando o fazem, dificilmente conseguem se manter na categoria por muito tempo. Em contrapartida, todas são uma espécie de berçário de atletas, atraindo garotos com boas condições de treinamento e sólidos programas de desenvolvimento esportivo. Apenas o Nova Iguaçu já revelou jogadores como Cortez, hoje no São Paulo, Wilian Barbio, do Vasco, e Amaral, que acaba de estrear no Flamengo. Do Audax saíram Vitinho, meia do Botafogo, e César, goleiro do time da Gávea e da seleção brasileira sub 20, campeã mundial no ano passado. “Eles são pequenos, mas têm um papel importantíssimo na renovação do futebol ao descobrirem jogadores que de outra forma dificilmente chegariam aos grandes”, afirma Fernando Gonçalves, diretor executivo da Traffic, a principal empresa de marketing esportivo do país.
O segredo do sucesso dos emergentes da Baixada começa no rigor das peneiras. É uma prova concorridíssima. Só no Tigres, fundado no distrito de Xerém, em 2004, inscrevem-se semanalmente cerca de 100 jovens para fazer os testes, nos quais apenas um ou outro é selecionado. Com uma estrutura invejável, que inclui seis campos de futebol e um imponente estádio com 6?000 lugares, o time investe em atletas das categorias infantil a júnior, de 14 a 20 anos, além de contar com um grupo profissional. Embora novato, chegou à primeira divisão do Campeonato Carioca em 2009, mas despencou logo na temporada seguinte. Agora, o clube criado pelo nicaraguense Miguel Larios, dono de uma indústria química que fornece produtos ao setor de petróleo, sonha em voltar aos dias de glória e revelar um grande talento. Candidatos não faltam. “Meu idolo é o Xavi. Quero ser igual a ele”, almeja o ambicioso Jonathas Correia Silva, 16 anos, morador de Petrópolis, no clube desde 2010, referindo-se ao craque do Barcelona.
Chegar a um time de elite e ainda ser disputado por potências do exterior é o desejo de todos os meninos que batem à porta de um centro de formação. O funil, porém, é estreito, e passar por ele implica muita dedicação. Candidatos a craque têm uma árdua rotina de treinos de segunda a sábado, das 8h30 às 11h30. O início da carreira costuma ser difícil, com salários baixos, na faixa dos 1?000 reais mensais. Em todos esses times periféricos, é obrigatório frequentar a escola até completar o ensino médio. Para quem vem de longe, é praxe providenciar a matrícula em um colégio da região e oferecer alojamento. É o que acontece no Artsul Futebol Clube, em Queimados, onde treinam 400 jovens. Só ali, há 36 vagas destinadas a forasteiros, ocupadas por rapazes que vêm da Bahia, do Pará, do Rio Grande do Sul e até de outros países. No centro de treinamento, a mais de 50 quilômetros da Praia de Copacabana, três sul-coreanos com idade entre 15 e 24 anos dão um duro danado para acompanhar os brasileiros. Uma realidade tão surpreendente que supera até a fértil imaginação dos autores de novela.