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Pronto para sair

Responsável pelas obras de mobilidade e pelo controle do trânsito na cidade, o secretário municipal de Transportes, Carlos Roberto Osório, quer largar tudo para disputar uma cadeira na Assembleia Legislativa

Por Ernesto Neves
Atualizado em 2 jun 2017, 13h10 - Publicado em 2 abr 2014, 21h20

Rio está mais devagar. Da região portuária ao Recreio, passando pela Barra, Leblon, Ipanema e um punhado de bairros da Zona Norte, cerca de uma centena de obras atravanca ruas e avenidas, deixando motoristas e pedestres com os nervos à flor da pele. Qualquer trajeto, seja para ir ao trabalho ou levar as crianças ao colégio, demora hoje quase o dobro do tempo para ser percorrido. Circundados pelo caos, mas confiantes em que isso tudo é para melhor, os cariocas se acostumaram a ver pelas ruas ou nas transmissões de TV um sujeito simpático, com fala bem empostada e os primeiros sinais de calvície, a lhes pedir paciência. Secretário municipal de Transportes há um ano e cinco meses, Carlos Roberto Osório comandou o processo de bota-abaixo que inferniza o nosso cotidiano. Agora, de olho em uma cadeira na Assembleia Legislativa, ele se prepara para abandonar o barco em meio à borrasca. O homem que pedia calma até outro dia, dizendo que tudo ia ficar bem, está de saída da administração municipal. Embora escondesse a candidatura a deputado estadual até a semana passada, Osório já anunciou ao prefeito Eduardo Paes que deixará o posto na próxima quinta-feira (3), conforme exige a legislação eleitoral. “Tive azar. Vou sentir saudade dele”, resigna-se Paes. “Mas é um sujeito de enorme espírito público e entrego para a política um profissional que vai fazer um grande trabalho.”

Caso se confirme, a opção de Osório pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) choca por dois motivos. O primeiro diz respeito à importância e à visibilidade do cargo que ocupa hoje. Como secretário de Transportes, ele tem papel crucial nas intervenções que mudarão o perfil da mobilidade urbana da metrópole. Estão sob sua responsabilidade as obras do BRT Transcarioca, o novo sistema de veículo leve sobre trilhos (VLT) no Porto, a abertura do túnel que substituirá o Elevado Perimetral e o projeto de reestruturação das linhas de ônibus da capital. Na Assembleia, dificilmente terá papel tão relevante. A segunda razão é que, com a cidade totalmente revirada, ele está longe de experimentar picos de popularidade entre potenciais eleitores. É comum ouvir críticas ferozes ao “doido que está quebrando tudo ao mesmo tempo na cidade”. Outro comentário bastante comum é um simples “odeio esse cara”. Pois certamente as pessoas não ficarão muito felizes ao saber que o tal “doido” ou o “cara” planeja deixar a missão pela metade. E a razão é evidente. Na semana passada, três crises paralisaram o trânsito carioca. Em uma mesma manhã, um guindaste da Transcarioca causou um engarrafamento monumental na Avenida Brasil, um protesto na Rua Pinheiro Machado travou o tráfego em Laranjeiras e Botafogo e, para completar, o episódio mais grave de todos: em Guaratiba, um ônibus do sistema Transoeste saiu da pista, atropelou e matou três crianças.

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Abandonar as coisas pelo meio não é exatamente uma novidade na carreira de Osório. No início dos anos 1990, ele deixou a faculdade de economia da PUC-Rio incompleta e partiu para Nova York. Lá, matriculou-se em um curso de telejornalismo e conquistou um estágio na rede de TV a cabo CNN. Voltou ao Brasil como correspondente da emissora e viveu uma situação, digamos, pitoresca pouco depois da Conferência Eco-92. Desenvolto, foi escolhido para promover um novo desenho animado criado pelo grupo, protagonizado por um tal Capitão Planeta, sujeito fortão de cabelos verdes que combatia crimes ambientais vestido de sunga vermelha. Convencido pela chefia de que se sairia bem na função, topou aparecer no Xou da Xuxa caracterizado como o tal super-herói. “Ainda bem que tinha muita maquiagem e ninguém me reconheceu”, recorda. A carreira jornalística também foi curta. Em 1993, Osório fundou uma empresa de marketing esportivo com Leonardo Gryner, hoje diretor de operações do comitê Rio 2016. Quatro anos depois, nova reviravolta: tornou-se o responsável pela área de distribuição da Brahma. Em 2000, a mudança que lhe carimbou o passaporte para voos mais ambiciosos. Ele trocou a cervejaria pelo Comitê Olímpico Brasileiro, do qual se tornou secretário-geral. Ficou na entidade até fevereiro de 2010, quando veio para a prefeitura.

Assim como a atual decisão de disputar um cargo eletivo, a saída do comitê olímpico provocou surpresa na ocasião. Braço-direito de Carlos Arthur Nuzman, Osório teve participação crucial no processo de candidatura do Rio aos Jogos de 2016. Viajou para cerca de quarenta países com a missão de convencer um a um os delegados sobre a viabilidade do projeto. Seu amigo há trinta anos, Gryner relembra o hábito que ele tinha de escrever e-mails enormes durante os trajetos. “Eram mensagens épicas, que praticamente nos convenciam de que sairíamos vencedores”, recorda. No entanto, justamente no momento em que os preparativos iam começar a sair do papel, Osório decidiu partir para a carreira no serviço público. “Achei que podia contribuir muito mais para o projeto olímpico como secretário, por isso aceitei prontamente o convite do prefeito”, conta. A guinada chegou a alimentar rumores de atritos entre ele e Nuzman, boato que ambos negam com veemência.

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Augusto Malta/Arquivo G. Ermakoff
Augusto Malta/Arquivo G. Ermakoff ()

Inexperiente em cargos públicos, Osório saiu-se muito bem em frente às câmeras. Durante a tempestade que paralisou a cidade em abril de 2010, passou dias seguidos em áreas de desabamento como a do Laboriaux, na Rocinha. Fosse em meio a chuvas torrenciais, enchentes ou inspeções de obras, lá estava ele dando entrevistas e falando em nome do município. Na época, era o titular da recém-criada secretaria de Conservação. Foi justamente essa capacidade que o credenciou para a pasta dos Transportes, de maior visibilidade política e estratégica, no fim de 2012. Ali, levou ao paroxismo sua destreza para manipulações midiáticas. Nos últimos meses andou de ônibus para lá e para cá, passou vans em vistoria e, não raro, assumiu a função de controlador de tráfego para orientar pessoalmente os motoristas. No sábado de Carnaval, por exemplo, encarnou um agente da CET Rio e tentou resolver a confusão provocada por carros alegóricos enguiçados ao lado do Sambódromo. Revelado o plano da Assembleia, é natural que seus adversários digam que suas ações eram apenas um modo de atrair atenção. “Ele gosta muito de aparecer”, diz o vereador Cesar Maia (DEM), um conhecido especialista no assunto.

Oriundo de uma família de classe média alta de Ipanema, Osório tem 48 anos e foi casado com Anna Victoria Lemann, filha de Jorge Paulo Lemann, o homem mais rico do país, dono de uma fortuna estimada em 21 bilhões de dólares. Separados desde 2011, os dois tiveram dois filhos, Maria, de 16, e Carlos, de 18. Atualmente, o secretário mora sozinho em um apartamento em Ipanema. Nos momentos livres, reú­ne-se aos filhos e assiste aos jogos do Vasco, seu time do coração. Quando não está dando uma entrevista na TV ou apitando nos sinais da cidade, pode ser visto no boteco Paz e Amor, localizado na rua de seu prédio e ponto de encontro dos motoristas de táxi do bairro. Sorri para todos e acena efusivamente quando alguém brinca que vai votar nele. Questionado diretamente sobre a sua candidatura, Osório foi evasivo. “Estou na dúvida. Dá um frio na barriga, mas tenho considerado a decisão a sério”, tergiversou.

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De tempos em tempos, o Rio e os cariocas são beneficiados por oportunidades raras que permitem um salto na qualidade de vida de todos. Isso aconteceu em 1904, quando o prefeito Francisco Pereira Passos demoliu parte do velho centro e rasgou a Avenida Central, hoje Rio Branco, transformando-a no eixo de desenvolvimento e símbolo de modernização da então capital federal. Hoje, vivemos uma dessas chances únicas com as reformas que prepararão a cidade para a Olimpíada. É um momento que exige comprometimento de homens públicos e, evidentemente, p­a­-ciência da população, obrigada a conviver com transtornos com vistas a um futuro melhor. Nesse sentido, não deixa de ser decepcionante perceber que personagens com posição de destaque e uma missão a cumprir dentro desse projeto estão apenas atrás de dividendos políticos de curto prazo. Pense bem, Osório. Ainda há tempo de voltar atrás.

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