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Revitalização do Largo do Boticário não consegue sair do papel

Indefinição envolvendo casas históricas no Cosme Velho emperra a revitalização de um dos pontos mais pitorescos da cidade

Por Ernesto Neves
Atualizado em 2 jun 2017, 12h34 - Publicado em 20 jun 2015, 01h00

O pequeno beco na altura do número 822 da Rua do Cosme Velho dá acesso a uma joia arquitetônica carioca. Instalado em meio à exuberante Mata Atlântica do Cosme Velho, o casario colorido do Largo do Boticário já foi orgulho do bairro. Suas casas em estilo neocolonial, erguidas entre a segunda metade do século XIX e as três primeiras décadas do século XX, eram palco de festas concorridas entre ricos, artistas e políticos. Até filme do agente secreto James Bond foi filmado ali — no caso, 007 contra o Foguete da Morte, de 1979. Hoje, no entanto, o espaço em nada lembra os tempos em que exibia fachadas impecáveis e bem conservadas. Moradores do bairro e turistas que ainda se aventuram por ali deparam com um cenário melancólico, incrédulos diante da progressiva deterioração das casas. Janelas e marquises ameaçam desfazer-se e desabar de tão apodrecidas, enquanto o mofo e a vegetação se infiltram nas construções. A solução para tamanho descaso, no entanto, já existe e acaba de completar dois anos sem sair do papel. Trata-se de um projeto de lei complementar (número 85/2012), elaborado pela prefeitura através do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade. Ele prevê a flexibilização do uso desses imóveis, hoje restritos a fins residenciais. Com isso, a ideia é permitir que ali e em outros edifícios antigos espalhados pela capital sejam instalados pousadas, lojas e restaurantes. “É uma vergonha que um conjunto arquitetônico como este fique sujeito ao abandono e à decadência”, diz Helen Márcia Potter, artista plástica e proprietária de uma das casas. Sem ter como adaptar a propriedade para novos usos, ela simplesmente desistiu de negociar seu imóvel. “Enquanto nada se resolve, ficamos aqui sujeitos à invasão de viciados em crack e assaltantes”, diz.

O projeto, que poderia impulsionar a recuperação do largo, foi encaminhado pela prefeitura à Câmara de Vereadores em 2013 e, desde então, perdeu-se pelas gavetas da burocracia. Já foram feitas oito emendas à proposta original, que agora tramita nas comissões da Casa. E não há sequer prazo para ele ser votado. Para que isso aconteça, é necessário que o atual líder do governo, o vereador Dr. Jairinho (PROS), o coloque na pauta do plenário. Paralelamente, outro imbróglio se desenrola no processo de desapropriação de quatro mansões (20, 26, 28 e 30), das sete que formam o conjunto. Elas pertencem a Sybil Bittencourt, cuja família, dona do extinto jornal Correio da Manhã, ergueu o casario na configuração atual, a partir de 1928. Reclusa, ela pouco sai de uma das casas, onde vive até hoje. Outra é ocupada por um antigo funcionário da família, enquanto duas permanecem vazias. O processo teve início em 2006, quando um decreto municipal as declarou de utilidade pública para fins de desapropriação. Sem sair do papel, ele foi relançado em 2013. De novo sem sucesso. Através de advogado, Sybil alega que não tem dinheiro para fazer a manutenção da propriedade e pagar os impostos devidos. “Na verdade esperamos uma posição mais consistente do poder público, que não fez nenhuma proposta envolvendo as casas”, diz Bruno Siciliano, advogado da herdeira. Em outras palavras, a proprietária aguarda uma proposta de aquisição e abatimento da dívida, enquanto deixa o próprio patrimônio virar ruína.

Na falta de um acordo, o largo continua com sua aparência de cidade fantasma a menos de 300 metros da Estação do Corcovado, ponto turístico que só em 2014 recebeu mais de 2 milhões de visitantes. Além do abandono, causa péssima impressão o cheiro exalado pelo Rio Carioca, que corre bem ao lado e se encontra altamente poluído pelos dejetos in natura lançados por favelas próximas. A prefeitura argumenta que a definição sobre a flexibilização de uso está nas mãos do Legislativo e que, no caso dos imóveis dos Bittencourt, ainda busca uma solução negociada com a proprietária. Entretanto, o presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, Washington Fajardo, ressalta que a conservação de prédios históricos privados é responsabilidade dos seus donos. Tanto que o poder público pretende implantar uma regra de IPTU progressivo, em que edifícios antigos sejam sobretaxados caso permaneçam sem uso. “Isso criará uma nova cultura entre os proprietários e imóveis fechados há décadas serão reabertos”, afirma.

Com o intuito de revitalizar construções do passado, mudanças na legislação urbanística já foram feitas com sucesso em metrópoles tão distintas como Marselha, na França, e Cidade do México. Por aqui, a Câmara ainda não se sensibilizou para preservar o patrimônio da cidade. Uma vez aprovada, a ampliação de uso poderia transformar não só o Largo do Boticário como outros palacetes, entre eles o que pertenceu ao conde d’Eu, na Rua Novo Mundo, em centros de cultura e lazer, ou em negócios capazes de sustentar o custo de conservação das propriedades. Aos cariocas, por enquanto, cabe torcer para que os imóveis excepcionais resistam até que esse dia chegue.

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