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A turma do 9982

Por glamour ou nostalgia, clientes mantêm o prefixo de celular pioneiro no Rio

Por Letícia Pimenta
Atualizado em 5 jun 2017, 14h25 - Publicado em 22 ago 2012, 16h18

Pródigo em antecipar modismos e tendências, o Rio de Janeiro foi o pioneiro no uso do celular no Brasil. Na fase jurássica da tecnologia, que remete ao longínquo início dos anos 90, ter um telefone móvel significava pertencer a um seleto grupo de privilegiados e, como tal, era um sinal inequívoco de status. Cada linha chegava a custar 20?000 dólares e, apesar do valor, a demanda sempre superava a oferta. Dentro desse microuniverso existia uma turma ainda mais exclusiva, a dos proprietários das linhas com prefixo 982. Um em cada cinco aparelhos existentes em 1993 tinha essa combinação, que foi a primeira posta à venda na cidade. Quase duas décadas depois, com a profusão de operadoras no mercado, a popularização do celular e a facilidade da troca de linha, poucos são os consumidores que permanecem com o mesmo número durante um longo período. Porém, seja por comodidade, seja por glamour, um grupo de usuários se mantém fiel ao antigo 982 (agora 9982) desde os primórdios. À exceção deles, quase ninguém se lembra do deslumbramento que a combinação numérica causava no passado. Pouco importa. Para essa turma, está acima o orgulho de possuir um ícone da fase pré-histórica. Dos 17 milhões de unidades em operação no Rio e municípios vizinhos, estima-se que apenas 0,05% comece com essa sequência. “Trata-se de uma relíquia. Não troco essa linha por nada”, afirma a arquiteta Solange Medina, que permanece com o número que ganhou do ex-marido há dezenove anos.

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Nos tempos atuais, em que o objeto em questão virou um microcomputador com capacidade de se conectar à internet e tirar fotos de alta resolução, e uma nova tecnologia já fica defasada pouco depois de seu lançamento, o discurso nostálgico pode parecer despropositado. Mas é com carinho que a estilista Lenny Niemeyer fala de sua linha 9982, adquirida quando o mercado da telefonia móvel ainda dava seus primeiros passos na cidade. Na época, a novidade veio bem a calhar. Como ainda não possuía um escritório, a empresária se via obrigada a passar o dia inteiro batendo perna para se encontrar com suas costureiras. Nos trajetos entre os ateliês, o aparelho facilitava o contato dela com fornecedores e os filhos pequenos. Lenny se recorda do estranhamento que causava ao sacar seu telefone no meio da rua. Era um tijolão que mal cabia na bolsa. Naquela época, um trambolho desses chegava a pesar 800 gramas – quinze vezes mais que os esquálidos apetrechos atuais ? e a bateria descarregava após uma hora e meio de diálogo. “Tive outra linha durante um tempo, mas era complicado administrar as duas”, conta a estilista. “Então optei por manter o velho prefixo, que todo mundo já conhecia, e me desfiz do outro.”

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A temporada de 1992 marcou o início da popularização do telefone móvel no Rio, cujas vendas começaram em 1990, inicialmente com apenas 700 números em operação. No decorrer desse breve intervalo, o preço de uma linha despencou para 4?000 dólares – cinco vezes menos que a quantia desembolsada no início. O cardiologista Carlos Scherr faz parte da segunda leva de usuários do 9982, número que ele adquiriu de um embaixador e mantém até hoje como uma preciosidade. Scherr se lembra perfeitamente do estranhamento que causou seu primeiro contato com a novidade. Ao participar de um congresso médico nos Estados Unidos, na segunda metade dos anos 80, ele viu pessoas usando a estranha máquina na rua. Com uma ponta de inveja, imaginou que aquela tecnologia jamais chegaria ao Brasil. Para sua própria sorte, a previsão não se concretizou. “Agilidade na comunicação é fundamental para mim”, diz o médico, que tempos depois compraria um segundo número, que ele fornece apenas a seus pacientes.

O magnetismo em torno do prefixo ficou ainda maior em 1992. De olho na conferência do meio ambiente, realizada no Rio naquele ano, a extinta Telerj deixou de vender as linhas e passou a cobrar apenas uma taxa pelo serviço. A intenção da empresa, que seria o embrião da Oi, era baratear o produto e assim expandir sua rede de telefonia móvel. Para compensar quem havia pago uma pequena fortuna pelo número, a companhia dava a esses clientes descontos nas tarifas e até linhas gratuitas. Tornaram-se frequentes os protestos de novos usuários que solicitavam uma linha à Telerj e não recebiam o arranjo 9-8-2. Hoje, a empresa contabiliza apenas 246 linhas ainda ativas com o primeiro prefixo, sendo que alguns outros migraram para as concorrentes. No começo visto por muita gente como um mero instrumento de exibicionismo – a escritora Danuza Leão chegou a dizer que só perdoava três tipos de usuário: os médicos, as pessoas com parentes doentes e os pais preocupados com a segurança dos filhos -, o aparelho passaria a item de primeira necessidade a partir do fim da década de 90. Contribuiu para tal a privatização do sistema Telebrás, que deu o impulso definitivo para a democratização do acesso ao telefone móvel. Apesar da profusão de combinações, que agora podem começar também pelos números 7 ou 8 (em São Paulo, neste fim de semana, será acrescido o nono dígito), o precursor 9982 mantém seu charme. “É um prefixo simpático e fácil de decorar”, diz a arquiteta Ana Maria Índio da Costa. “Então para que trocar?” Como vira e mexe acontece com a moda, o vintage também tem seu valor na telefonia móvel.

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