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História em ruínas

Relatório destaca imóveis de alta relevância cultural que estão em péssimo estado. Preservá-los é mais que uma reverência ao passado: é uma ótima aposta no futuro

Por Leticia Pimenta
Atualizado em 5 dez 2016, 15h40 - Publicado em 28 mar 2012, 19h24

ntre camelôs e pedestres que compõem a caótica paisagem da Rua Uruguaiana, um valioso tesouro se deteriora a olhos vistos em um dos trechos mais movimentados do centro da cidade. Construída no começo do século XVIII por iniciativa de uma irmandade de negros e pardos, a Igreja do Rosário exibe há anos aparência degradante. Sua parte mais visível, a fachada, está descascada e cheia de mofo. O interior, porém, parece ainda pior. Na semana passada, a administração interditou o acesso ao Museu do Negro, que funciona dentro do templo, após pedaços de reboco despencarem do teto, fato testemunhado pela equipe de VEJA RIO. A má conservação, que já chamaria atenção se fosse num imóvel comum, torna-se ainda mais grave por atingir um endereço histórico, que abrigou o Senado da Câmara Municipal, órgão que funcionou no início do século XIX, e de onde saiu a comitiva que impeliu dom Pedro I a proclamar o Dia do Fico. Um relatório feito pela Comissão de Patrimônio Cultural da Câmara dos Vereadores expõe em detalhes a precariedade da Igreja do Rosário e de outras doze edificações cariocas, incluindo palacetes, templos e um parque (veja o quadro), a maioria deles tombada. “O estado brasileiro é mau gestor de seu imobiliário, infelizmente uma característica nossa”, reconhece Washington Fajardo, subsecretário municipal de Patrimônio Cultural.

Nenhuma cidade do país reúne tantas relíquias arquitetônicas quanto o Rio de Janeiro, um legado dos tempos de capital da colônia e do império. No entanto, o manancial de histórias gloriosas parece não sensibilizar seus proprietários quanto à importância da preservação. Em regra, medidas só são tomadas em situações emergenciais. É o caso do Automóvel Club do Brasil, instalado em um casarão neoclássico na Rua do Passeio que era frequentado pela família imperial. Há três semanas, ele foi interditado pela Defesa Civil devido ao risco de desabamento da marquise. Arrematado pela prefeitura em 2004, o imóvel esteve cotado para abrigar o Museu da Imagem e do Som, a Casa do Samba e uma representação da Organização das Nações Unidas (ONU). Nenhum dos projetos foi adiante. Agora, a prefeitura busca um parceiro na iniciativa privada para ser concessionário do espaço.

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Dentro ou fora do serviço público, a falta de verba costuma ser a explicação para toda espécie de incompetência. Portanto, surpreende saber que, em alguns casos, o imobilismo não resulta de um problema orçamentário. Três endereços citados no relatório ilustram essa circunstância. Localizado na Avenida Presidente Vargas, o Hospital Escola São Francisco de Assis, pertencente à UFRJ, parece uma construção mal-assombrada, tal o seu abandono. Nos últimos dois anos, a instituição conseguiu um aporte de 11 milhões de reais. Até agora, em vão. Três editais foram lançados, mas as duas empresas que se candidataram não estavam habilitadas para reformar o edifício, que teve sua pedra fundamental lançada pela princesa Isabel. Também no Centro, a Igreja do Santíssimo Sacramento, na Avenida Passos, vive há dois anos a expectativa de uma restauração completa, orçada em 30 milhões de reais e sob o patrocínio do BNDES. O senão: a condição para o início da obra é que a irmandade responsável pela igreja comprove ter condições de bancar sua manutenção após a reforma. Mas o provedor se recusa a abrir as contas. Na Zona Sul, o Jardim Botânico trava um arrastado embate na Justiça contra os moradores das 600 casas erguidas irregularmente no local. Essa área, equivalente a 10% do total de 144 hectares do parque, poderia ser utilizada para plantio. “Temos recursos para aumentar nossa capacidade de armazenamento, mas nos falta espaço”, lamenta Guido Gelli, diretor de ambiente e tecnologia do Jardim Botânico.

Preservar prédios de relevância cultural é não só um gesto de reverência ao passado, como também de visão do futuro. Trata-se de um cuidado fundamental para elevar a autoestima da cidade e revitalizá-la. Um bom exemplo é o Centro Cultural Banco do Brasil, que deu nova vida a seu entorno e virou ponto turístico. Duas edificações listadas pela Câmara dos Vereadores têm tudo para seguir o mesmo caminho. Depois de anos padecendo com a falta de manutenção, o Palácio Gustavo Capanema, no Centro, será completamente revitalizado a partir do segundo semestre. Perto dali, o Solar do Visconde do Rio Seco, na Praça Tiradentes, já está em obras para acolher um centro de referência de artesanato. Fica a torcida para que esses bons exemplos sejam replicados pela cidade. Só assim ela continuará a ostentar o título de principal guardiã do passado brasileiro.

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