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Daqui não saio

A visão do Rio, ali do outro lado da baía, é mesmo deslumbrante e atrativa. Mas Niterói tem apresentado índices de desenvolvimento tão bons que fica difícil trocá-la pela ex-capital federal

Por Paulo Vasconcellos
Atualizado em 5 jun 2017, 14h36 - Publicado em 28 mar 2012, 19h10
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O melhor de Niterói há muito tempo deixou de ser a vista para o Rio, como ainda gostam de provocar os cariocas mais gaiatos. Desde que foi apontada, em 2000, com o terceiro maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país – calculado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento -, atrás apenas de São Caetano do Sul e de Águas de São Pedro, no estado de São Paulo, a cidade não para de acumular indicadores positivos. “O pessoal que tinha vergonha de morar em Niterói agora exibe o maior orgulho por ela”, diz o programador visual João Henrique Matheus, de 37 anos. “A qualidade de vida aqui é melhor, e aos poucos a cidade vai superando uma de suas maiores carências, que é a pouca oferta de entretenimento”, afirma o estudante de engenharia Ivan Campeão, 24 anos, dono de uma produtora de eventos que já promoveu na noite niteroiense shows de bandas como Paralamas do Sucesso e Titãs.

Para onde quer que se olhe, Niterói tem o que mostrar. A população, de 487?000 moradores, de acordo com o censo de 2010 do IBGE, ostenta padrões invejáveis. A taxa de analfabetismo (2,3%), por exemplo, é uma das mais baixas do país. E, em 2009, no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), criado para medir a qualidade do ensino fundamental, Niterói atingiu 4,6 pontos, contra os 4,3 projetados pelo Ministério da Educação.

Esses bons índices no quesito educação influenciam a escolha de pessoas que veem na região um polo acadêmico. É o caso do historiador Paulo Cesar de Araújo, 49 anos, graduado na UFF e que agora cursa ali o doutorado. Baiano, mas com título de cidadão niteroiense na parede e medalha Felisberto de Carvalho no peito, ele diz ter uma “ligação afetiva” com o município: “Aqui escrevi meus livros, plantei árvores e estou criando minhas filhas. Não saio desta cidade”. O técnico em edificações Leonardo Ferreira, 34, ex-morador de Orlando, na Flórida, e de Parati, mostra-se igualmente enfático: “Não é o paraíso, mas não troco este lugar por nenhum outro. Niterói reúne tudo de bom que uma cidade grande pode oferecer, mas com problemas em escala menor”.

A argumentação de Leonardo tem sua lógica. Trata-se, por exemplo, do município fluminense com a menor proporção de pobres (6,6% da população, cerca de 30?000 pessoas), assim considerados aqueles com rendimento inferior a 150 reais por mês. Até o ano passado, perdia para Nova Friburgo, com 5,9%, mas isso antes da tragédia das enchentes que mataram cerca de 1?000 pessoas, no verão de 2011. Erradicar a pobreza, ou ao menos minimizar suas taxas, não chega a parecer uma tarefa absurda comparada ao desafio do vizinho Rio de Janeiro, onde se encontram na mesma situação 500?000 pessoas, ou 8% de seus 6,3 milhões de moradores.

Na briga PIB a PIB, é claro que a capital fluminense ganha disparado. A riqueza produzida pelo Rio em 2010 chegou a 175 bilhões de reais ? mais do que o dobro em relação ao ano 2000, que havia ficado em 76 bilhões de reais. Niterói também não deixou de surfar na onda do crescimento econômico do país, mas seus números nesse setor são bem mais modestos: saltaram de 4,5 bilhões, em 2000, para quase 11 bilhões de reais, dez anos depois.

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Há um detalhe, porém: o produto interno bruto per capita, pela primeira vez registrado pelo IBGE em 2009, vem mostrando que Niterói distribui melhor sua renda: 22?000 reais, contra 28?000 da cidade do Rio. Ou seja, enquanto o PIB do Rio é dezessete vezes maior que o de Niterói, o PIB per capita do niteroiense chega a 80% do conquistado pelos cariocas. “Isso mostra que o Rio é mais rico que Niterói, mas não que o carioca é mais rico que o niteroiense”, avalia o economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas, coordenador da pesquisa que revelou no ano passado que o morador de Niterói é o mais endinheirado do país. O estudo, com base no censo de 2010, mostra que 30,7% dos habitantes da terra de Arariboia estão na classe A – à frente, por exemplo, dos de Florianópolis (27,7%) e de São Caetano (26,5%). “Não se trata apenas de desenvolvimento econômico, mas também social. Niterói é o lado belga da Belíndia brasileira”, afirma Neri.

A expressão, cunhada em 1974 pelo economista Edmar Bacha para definir as desigualdades do Brasil, com um lado comparável à Bélgica e outro à Índia, apareceu refletida em outra pesquisa recente da FGV, que também lançou luzes sobre Niterói: o censo dos médicos, de 2007. O trabalho revelava que a cidade está muito bem colocada, entre os municípios com mais de 200?000 habitantes, no que diz respeito à proporção de médicos por morador – tem índice melhor até do que o país mais bem servido nesse tema: Cuba. Se a ilha tinha então 169 pessoas para cada médico, Niterói possui 93 habitantes.

Outro dado da mesma pesquisa mostrava que 38% dos médicos de Niterói na verdade clinicam em outros municípios, destacadamente no Rio. “Isso comprova que Niterói é um bom lugar para morar, embora não seja o melhor para trabalhar”, conclui Neri. “A cidade precisa atacar o grande problema da mobilidade, do vaivém, do trânsito em geral.”

O transporte parece ser mesmo o grande nó da cidade. Não o único. Uma onda de violência tomou a região no início deste mês de março, com roubos a estudantes e assaltos a bancos. Especula-se que esse aumento pontual da criminalidade tenha a ver com o movimento de fuga de bandidos do Rio, pressionados pela ação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Pode ser. E isso prova que, apesar dos bons índices de desenvolvimento, das taxas de educação de Primeiro Mundo e de um PIB per capita alentador, não é correto tomar Niterói como um paraíso distante 13 quilômetros da capital. Há muito trabalho pela frente.

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A TRAGÉDIA DO MORRO DO BUMBA

Favela em cima de lixão foi destruída. Só agora casas serão entregues

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Dois anos depois de vir abaixo numa enxurrada, provocando a morte de 116 pessoas, o Morro do Bumba virou uma mancha na história recente da cidade. “Niterói sofreu 302 deslizamentos naquela época. Essa tragédia ainda marca o meu governo”, admite Jorge Roberto Silveira, que pela quarta vez exerce o mandato de prefeito. Foram fatores combinados que fizeram o estrago ser tão grande. Primeiro, a favela havia sido erguida em cima do que antes fora um lixão. Após alguns dias de chuva, o solo cedeu, na noite de 7 de abril de 2010. Cerca de 600 metros cúbicos de terra foram deslocados e até hoje não se sabe quantas casas havia na parte de cima do morro. O governo estadual acaba de anunciar para junho a entrega de 180 apartamentos, que deverão abrigar famílias que ficaram sem moradia, até o momento vivendo do aluguel social.

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