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Um showman em cena

Para quem pensava que Luiz Carlos Miele já havia feito de tudo na vida, ele surpreende e, aos 74 anos, encara seu primeiro musical, no papel-título de O Mágico de Oz, superprodução de 9 milhões de reais que estreia na sexta (8)

Por Carlos Henrique Braz e Rafael Teixeira
Atualizado em 5 jun 2017, 14h31 - Publicado em 6 jun 2012, 15h58

As experimentações múltiplas sempre pautaram a carreira do showman Luiz Carlos Miele. Não perca o fôlego: ele foi ator de rádio, televisão e cinema, produtor e diretor musical, humorista, locutor, contrarregra, dublador, crooner, compositor, apresentador, escritor, mestre de cerimônias, garoto-propaganda e empresário da noite. Até disco de piadas já gravou. Aos 74 anos, completados na quinta passada (31), Miele parecia ter esgotado seu estoque de iniciações artísticas. Mas ainda havia uma lacuna em seu extenso currículo que só agora vai ser reparada. Pela primeira vez, participará de um musical, tipo de espetáculo pelo qual se diz apaixonado desde pequeno. É dele o papel-título de O Mágico de Oz, nova atração de Charles Möeller e Claudio Botelho, com estreia prevista para a próxima sexta (8) no Teatro João Caetano (leia mais na pág. 79). A montagem brasileira é inspirada no filme de 1939 que eternizou a atriz Judy Garland como Dorothy, a menina levada por um furacão rumo a um mundo fantástico. Seria até 100% fiel ao longa-metragem, não fosse um detalhe: Miele revelou aos diretores a frustração pelo fato de seu personagem não cantar. Sensibilizado com a lamúria, Botelho readaptou um dos temas da peça especialmente para que ele pudesse soltar a voz. “Miele fica com os olhos cheios de lágrimas nos ensaios”, conta Möeller. “Realmente, seria um enorme desperdício não aproveitar esse talento dele.”

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O Mágico de Oz é a produção mais vultosa da dupla de diretores. Ao custo de 9 milhões de reais, a montagem conta com 25 atores, dezessete músicos, catorze cenários, som surround e diversos efeitos especiais, inclusive um voo de balão sobre o palco com o mago barbudo na cesta. Tais credenciais possibilitam uma exposição ímpar a Miele, um profissional importante na história da TV no Brasil e que lidou com boa parte dos principais artistas nacionais da bossa nova em diante, entre eles Elis Regina e Roberto Carlos. Por ter atuado frequentemente nos bastidores, no entanto, nem sempre ele ganhou o destaque merecido, sendo visto algumas vezes como um coadjuvante de luxo. Agora, a mudança é radical: na frente da cena, exibindo seu próprio talento, tem encantado quem assiste aos ensaios. Diante do novo desafio, mostra uma vibração típica de calouro, a despeito de seus mais de sessenta anos de carreira. Não tem a menor vergonha de admitir que se vê em um processo de aprendizagem. Acostumado a subir ao palco munido apenas de um microfone para narrar episódios que viveu, desta vez precisou se livrar do vício do improviso. Em um dos ensaios da montagem, trocou inadvertidamente uma “deixa” – enunciado que serve de senha para que um ou mais integrantes do elenco deem sequência à cena. Em vez de dizer “Suba a bordo, Dorothy!”, adaptou a ordem para “Vamos embarcar, Dorothy!”. Resultado: involuntariamente, emperrou a trama. A mancada serviu de lição. Aprendeu que faz parte de uma engrenagem engenhosa na qual não há margem para se desviar do roteiro.

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Com a fundamental contribuição de Möeller e Botelho, responsáveis por algumas das principais adaptações que já estiveram em cartaz no Rio de Janeiro e em outras capitais, os musicais saltaram de patamar e viraram atrações de primeira linha no país. Disseminados durante a última década, são capazes de impulsionar a carreira de um artista que sobressaia na montagem. Um caso exemplar é o do ator Tiago Abravanel. Apesar de ser neto de Silvio Santos, o dono do SBT, ele só viu as portas da TV se escancarar depois que mimetizou Tim Maia em um emocionante espetáculo sobre a vida do cantor. Seu elogiado desempenho lhe valeu um papel em Salve Jorge, a próxima novela do horário nobre da Rede Globo, com previsão de estreia em outubro. “É um gênero perfeito para mim. Eu quase danço, quase canto, quase atuo e quase sapateio”, brinca Miele.

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[—FI—]

Embora não saiba tocar nenhum instrumento e se diga um analfabeto em partitura, ele exibe uma grande sofisticação musical, cujas raízes remetem à infância, passada em São Paulo, sua cidade natal. Filho da atriz, cantora e pianista Regina Macedo, nome artístico de Irma d?Ugo Miele, cresceu ao som de standards ensaiados em casa pela mãe. “Enquanto as crianças aprendiam Atirei o Pau no Gato, eu decorava Long Ago and Far Away, que Gene Kelly cantava”, lembra. Foi Regina quem levou o desinibido garoto de 12 anos para um teste na Rádio Excelsior. Dali saiu seu primeiro contrato como ator mirim, em 1950 (veja o quadro abaixo). No mesmo ano, quando surgia a televisão no país, foi contratado pela pioneira TV Tupi para integrar o elenco de um programa infantil. Fuça daqui, xereta dali, aos poucos ele foi ganhando intimidade com os estúdios. Desembarcaria no Rio em 1957, para ser empregado da TV Continental. Com seu faro apurado para a boemia, logo passou a frequentar o Beco das Garrafas, uma viela de Copacabana onde a bossa nova se desenvolveu. Lá, conheceu o intempestivo Ronaldo Bôscoli, com quem o boa-praça Miele formaria uma prestigiada dupla de produtores. Juntos, eles formataram a concepção de show que conhecemos hoje, com roteiro e cenografia esmerados. Há ainda quem atribua a Miele outra invenção nessa área: a famosa configuração banquinho e violão, que se tornou marca da bossa nova. Ela teria ocorrido nos seus tempos de contrarregra de um programa da Continental. “Estávamos afundados em um sofá mole, ruim para tocar violão. Foi então que ele teve a ideia de colocar um assento mais apropriado”, testemunha o compositor Roberto Menescal, um dos músicos presentes.

Eles amam Miele

[—FI—]

Ultimamente, o onipresente Miele tem sido mais assíduo na arte de interpretar, seja na pele do advogado Leon Wexler, do seriado Mandrake, seja como o impagável Giusepe, do humorístico Tapas & Beijos, da Rede Globo. “Ele sempre foi um entertainer nato e está se revelando um ótimo ator”, define o jornalista Nelson Motta, amigo de longa data. Nos estúdios do Projac, onde grava suas participações no programa, pôde reencontrar Fernanda Torres. Há dois anos, eles dividiram o set no hilariante Amoral da História, baseado em textos de Millôr Fernandes e exibido em um canal por assinatura. Nessa época, a atriz declarou toda a sua idolatria pelo colega em uma crônica intitulada “Eu amo o Miele”, publicada por VEJA RIO em outubro de 2010. “Desde o início do projeto de Amoral, ele era um nome certo para nós. Mas a princípio não faria todos os papéis”, diz Fernanda. “Aí fomos redigindo os capítulos e, quando pensávamos em alguém para fazer Zeus, Freud ou o leão, só dava ele.”

A barba aparada e o vozeirão são características inconfundíveis de Miele. Sinal dos tempos, os smokings, que eram uma espécie de uniforme nos palcos e até em certos eventos sociais, hoje ocupam muito pouco espaço em seu armário. “Houve uma época em que eu tinha mais smokings que camisas esporte. Hoje tenho apenas três”, conta. A devoção à vida noturna também estacionou no passado. Miele frequenta um ou outro boteco do Leblon ou o bar do Antiquarius, ponto de encontro dos velhos companheiros Agildo Ribeiro e Lúcio Mauro. Só bebe uísque ou vodca, mas longe, bota longe nisso, da sede de outrora. Sua boemia agora está mais doméstica. Costuma reunir os amigos em torno do piano-bar de sua casa em São Conrado. Nesse endereço equipado com sala de ginástica e cercado de vegetação, ele mora com a cerimonialista Anita, sua mulher há quase cinquenta anos, e o dálmata Zimbo. Nunca tiveram filhos. “Isso é tabu aqui em casa”, comenta. Quando não está em seus múltiplos afazeres, ele passa boa parte do tempo no escritório, um mafuá todo tomado por discos, livros e memorabilia.

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Miele ainda nem estreou sua próxima atração, mas já pensa nos passos adiante. Seu grande sonho é realizar um show-solo à altura de sua trajetória, ou seja: uma superprodução. Inclusive, esse foi o motivo que o levou a se aproximar de Möeller e Botelho. Dois anos atrás, expôs aos diretores sua vontade de trabalhar com musicais. A oportunidade só surgiria no início deste ano, quando a dupla precisou de um ator mais experiente e de fisionomia marcante para viver o misterioso líder da Cidade das Esmeraldas. Além de O Mágico de Oz, ele foi alvo de outro contato neste ano. Uma produtora o convidou para fazer um documentário biográfico, provisoriamente batizado de O Último Showman. “Aceitei, mas fico pensando se isso é um elogio ou um epitáfio”, diz Miele, com sua habitual picardia. Pelo visto, o artista de múltiplos talentos não pretende sair de cartaz tão cedo. “Em mais de seis décadas de carreira, já vi muitas subidas e quedas bruscas”, afirma. “Se eu não tivesse uma conduta boa, ninguém me chamaria mais para trabalhar. E é isso que gosto de fazer.” Que o feitiço continue então a ajudar o mágico.

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