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Padroeiro por adoção

Como o Dia de São Jorge cairá em meio à Páscoa, a Igreja Católica pediu aos devotos que adiassem todas as celebrações ao santo guerreiro. O apelo foi em vão

Por Felipe Carneiro
Atualizado em 5 jun 2017, 14h59 - Publicado em 19 Maio 2011, 18h29

Jorge é da Capadócia, como bem celebra a canção-homenagem de Jorge Ben Jor. Mas, cá para nós, é como se fosse carioca, tamanha a adoração que recebe na nossa cidade. Nenhum outro ato religioso mobiliza tanto os católicos daqui quanto as comemorações de 23 de abril. Nesse dia dedicado ao santo, quase 300 000 pessoas costumam se amontoar nas paróquias da Praça da República e do subúrbio de Quintino para professar sua fé ? público equivalente a quatro Maracanãs lotados. Trata-se de uma veneração que extrapola qualquer estrato, unindo gente de classes sociais e níveis de instrução extremos. Entre os seguidores mais destacados de São Jorge figuram atrizes e cantores, a exemplo de Regina Casé e Zeca Pagodinho (veja o quadro na pág. 18). No ano passado, o sambista de Deixa a Vida Me Levar promoveu na data uma grande festa em sua casa de Xerém, onde no jardim se destaca uma colossal estátua do seu alvo de devoção na pose clássica de luta contra o dragão. “Ele é o símbolo da bravura, da vitória sobre as provações do mundo”, afirma Pagodinho.

Se São Sebastião foi oficializado o padroeiro do Rio de Janeiro, essa consagração, de fato, caberia melhor ao santo guerreiro. Por uma coincidência pouco comum, o Dia de São Jorge neste ano calhou de cair justamente no Sábado de Aleluia, uma data que os católicos reservam para a introspecção e a abstinência. Por recomendação da Arquidiocese do Rio, todas as celebrações de louvor deveriam ser transferidas para o dia seguinte. Ou seja: neste sábado, não é de bom-tom montar barracas para vender comidas, velas e camisetas, nem realizar a tradicional alvorada com queima de fogos que costuma marcar a efeméride. “O próprio São Jorge seria o primeiro a concordar com isso, uma vez que deu a vida por sua fé em Cristo”, diz o monsenhor Sérgio Costa Couto, porta-voz da Cúria. Mas vá convencer os devotos. No templo de Quintino, na Zona Norte, foi montada toda a infraestrutura para a comemoração. Estava prevista também a realização de uma procissão no próprio sábado, com um espetáculo pirotécnico no começo da manhã. Só a missa, por determinação expressa da arquidiocese, não seria celebrada.

Tanta fidelidade remete a um passado longínquo e não se encerra em uma só explicação. Decerto, contribui para a imensa popularidade de São Jorge a imagem triunfante de lança em punho derrotando o apavorante adversário. Passa confiança e capacidade de superação, duas das virtudes mais realçadas nos livros de autoajuda. Pároco da igreja de São Jorge, em Quintino, o padre Marcelino Modelski aponta uma preocupação atual que ele acredita levar parte dos fiéis a se apegar ainda mais ao santo: a necessidade de segurança, um problema que atormenta a sociedade carioca há três décadas.

Padroeiro de Portugal, da Inglaterra e de um punhado de exércitos e corporações policiais mundo afora, São Jorge teve sua imagem presente já nas primeiras missas celebradas no Brasil. Os colonizadores podem ter sido os principais responsáveis por disseminar a devoção a seu padroeiro, mas não foram os únicos. Por ter vivido na Palestina, ele é também cultuado pelos povos do Oriente Médio. “Os sírios e libaneses foram muito importantes na propagação dessa fé no Rio”, afirma Maria Augusta Machado da Silva, autora do livro São Jorge: Arquétipo, Santo e Orixá. A adoração praticada pelas camadas mais pobres igualmente teria raízes históricas. No tempo do Império, os escravos eram liberados do trabalho nos dias santos católicos, mas ficavam impedidos de realizar os rituais das seitas africanas. Para fugirem da fiscalização e do açoite aplicado aos infratores, eles criaram relações entre as divindades católicas e os orixás. São Jorge passou a ser reverenciado como Ogum pelos umbandistas e como Oxossi pelos adeptos do candomblé.

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DEVOTOS EXPLICAM A ORIGEM DE SUA FÉ NO SANTO GUERREIRO

“São Jorge é milagreiro e tudo o que eu tenho devo a ele. Quando acabei de compor Posso até Me Apaixonar, eu nem sabia, mas era dia de São Jorge. Fui à celebração e o padre jogou água benta no CD. Começou tudo ali.” Dudu Nobre, sambista

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“É um santo forte nas provações e na luta. Fiquei devoto quando estava para estrear Tom & Vinicius em São Paulo e tudo dava errado, na peça e na minha vida. Pedi ajuda a ele e a coisa entrou nos eixos.” Marcelo Serrado, ator

“A gente viaja muito, tem os filhos pelo mundo, e precisa da proteção de um guerreiro. Admiro o santo desde criança, quando eu via os sambistas com cordão de Ogum. Foi então que me tornei um homem de Jorge.” Zeca Pagodinho, sambista

“Não sou católico nem do candomblé, mas não faço nada sem pedir a sua bênção. Todo carioca é acostumado a ver São Jorge em tudo que é lugar e eu sempre rezei. Tenho imagens dele em casa, nos camarins, na mala.” Eri Johnson, ator

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