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A mãe dos Jogos Olímpicos

Com ótimo trânsito em várias esferas, uma carreira brilhante, fama de trator e um casal de gêmeos em casa, a economista Maria Silvia Bastos Marques ganha a complicada tarefa de tocar a Rio 2016

Por Letícia Pimenta
Atualizado em 5 dez 2016, 16h15 - Publicado em 19 Maio 2011, 17h32

Ninguém simboliza tanto a ascensão feminina no mundo corporativo brasileiro quanto Maria Silvia Bastos Marques. Primeira mulher a presidir a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a maior produtora de aço da América Latina, ela levou a empresa a lucros recordes e acabou incluída na lista das mais poderosas do mundo da revista Fortune. Ao assumir o cargo, em 1996, estava grávida de gêmeos. Um mês após o nascimento de Catarina e Olavo, já retornava ao escritório, abrindo mão do restante da licença-maternidade e fazendo jus à fama de “trator”. Antes de assumir a CSN, sua primeira experiência no setor privado, a economista de traços delicados e silhueta esbelta ganhou notoriedade à frente da Secretaria Municipal de Fazenda na administração de Cesar Maia. Com experiências destacadas no universo acadêmico, no setor público e em grandes companhias, Maria Silvia se prepara agora para encarar uma missão inédita. Em agosto, ela deixa a presidência da Icatu Seguros para assumir o cargo por ora denominado Autoridade Olímpica Municipal, recém-criado pelo prefeito Eduardo Paes. “Como preciso administrar uma cidade inteira, era importante ter alguém inteiramente dedicado aos Jogos”, diz o prefeito. “Ela será minha interlocutora com o governo federal.”

Suas novas atribuições ainda não estão exatamente delineadas, mas devem abarcar a coordenação de projetos como a execução da Vila Olímpica e os planos para a área de transportes. Certo mesmo é que ela vai se reportar diretamente a Eduardo Paes. Aliás, a criação do cargo repercutiu mal no Palácio do Planalto. Além de não estar previsto no protocolo firmado para a realização dos Jogos de 2016, o novo posto pode causar conflitos com a Autoridade Pública Olímpica, consórcio formado pelos governos federal, estadual e municipal, sob o comando do ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles. Alheia às polêmicas, Maria Silvia avisou por intermédio de sua assessoria que só dará entrevistas sobre o assunto quando se desligar da empresa atual, onde está há cinco anos. Pragmática, exigente, focada em resultados e com bom trânsito em diferentes esferas, a executiva tem fama de ser ótima formadora de equipes. Costuma dizer que adora ter colegas de trabalho melhores que ela ? algo difícil, convenhamos. “Maria Silvia tem uma rara capacidade de motivar as pessoas para concretizar os projetos”, afirma a economista Eliane Lustosa, amiga há mais de vinte anos. Elas trabalharam juntas em Brasília no setor de negociação da dívida externa do Ministério da Fazenda no governo Collor e dividiram o mesmo apartamento por dois anos, período em que Eliane pôde comprovar a vocação da colega para liderar. “Era ela quem determinava todas as tarefas domésticas de cada uma”, lembra.

É comum a mulheres fincadas no alto escalão adiar a maternidade ou optar por não ter filhos para não atrapalhar a carreira. Quando foi mãe, aos 39 anos, Maria Silvia surpreendeu ao ignorar o dilema de conciliar a vida profissional com a educação das crianças. Recém-chegada à CSN, ela não deixou de trabalhar nem no mês em que ficou em casa após o parto. Falava por telefone com os assessores e fazia reuniões em seu apartamento. Foi o jeito de harmonizar as tarefas de superexecutiva com as familiares, uma fronteira em que ela se equilibra até hoje. Quando a cantora adolescente americana Demi Lovato veio ao Rio no ano passado, Maria Silvia exerceu com louvor seu papel de mãe e acompanhou Catarina ao show, após um dia inteiro de compromissos em São Paulo. “Eu já a vi interrompendo reuniões só para falar com os filhos pelo celular e tirar dúvidas sobre o dever de casa”, relata o empresário Olavo Monteiro de Carvalho.

Primogênita de quatro filhos de uma família de classe média, Maria Silvia nasceu na pequena Bom Jesus de Itabapoana, município fluminense na divisa com o Espírito Santo. Quando pequena, sonhava em ser pianista clássica. Dedicou-se ao teclado dos 5 aos 19 anos e chegou a cursar o Conservatório Nacional de Música. Embora não toque com frequência ? as composições de Chopin são suas preferidas ?, ela mantém o instrumento em seu apartamento na Avenida Vieira Souto, em Ipanema, para onde se mudou neste ano com os filhos e o atual marido, o jornalista Rodolfo Fernandes. Só trocou os números musicais pelos da matemática ao ingressar no curso de administração pública da Fundação Getulio Vargas, onde mais tarde fez mestrado e doutorado em economia com a intenção de seguir carreira acadêmica. Foi professora da PUC durante sete anos, antes de começar a burilar a fama de boa gestora. De competente burocrata do setor de negociação da dívida externa, ela passou a diretora das áreas financeira e internacional do BNDES. Com seu aspecto jovial reforçado pelo aparelho nos dentes, às vezes era vista com descrédito. Nas reuniões ao lado do chefe do departamento financeiro, um senhor bem mais velho, os interlocutores achavam que ela era uma mera assistente dele, e não sua superior imediata.

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Em 1993, assumiria seu cargo de maior projeção na cidade. Durante um almoço no antigo restaurante Gourmet, em Botafogo, ela por acaso se encontrou com o recém-eleito prefeito Cesar Maia. Sem mais delongas, ali mesmo ele a convidou para ocupar a Secretaria de Fazenda. “Mas como assim? Eu nem sei o que faz uma secretária”, respondeu. “Não tem problema, eu te explico”, prometeu Maia. No dia seguinte, ela aceitou a proposta antes mesmo de saber que seu salário seria o equivalente a 5 000 reais ? três anos depois, assumiria a CSN recebendo em torno de 800 000 reais anuais. Ao entrar para o recém-formado time da administração municipal, ela conseguiu preservar um hábito sagrado que cultiva até hoje, sua ginástica matinal. Cesar Maia começava o expediente cedo e ligava sem constrangimento para a casa dos integrantes de sua equipe pouco depois da alvorada. Ela avisou que nesse horário estava sempre malhando e não poderia atender. Maia levou o pedido tão a sério que, quando alguém propunha reuniões de manhã cedo, ele declinava: “Não dá, porque a Maria Silvia está se exercitando”.

Ao aceitar ser a Autoridade Olímpica Municipal, a economista está ciente de que vai suar ainda mais a camisa a partir de agora, até a cerimônia de encerramento da Rio 2016. Em Londres, sede dos Jogos no próximo ano, não há no organograma do evento uma função semelhante à de Maria Silvia. Lá, existe a figura da Autoridade Pública Olímpica (Olympic Delivery Authority no original) que cuida de toda a infraestrutura e da construção de novas instalações. Para lidar especificamente com os temas referentes à competição, a prefeitura local criou um departamento, tarefa que aqui será da alçada da executiva. “Estou de olho nela sempre, desde a eleição. Já a assediei loucamente para qualquer função que quisesse”, enaltece Eduardo Paes. Em visita recente à sede da prefeitura, para uma reunião com o próprio Paes, Maria Silvia se surpreendeu com a recepção efusiva dos funcionários, quinze anos após ter se desligado da Secretaria Municipal de Fazenda. Quem sabe agora ela possa cumprir uma promessa feita tempos atrás: “Quando voltar ao governo, não sairei mais”. Seu desempenho diante dos Jogos, sem dúvida, será determinante para a profecia se concretizar.

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