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Ficou na promessa

O fim do financiamento de Eike Batista para projeto de despoluição e a ineficiência da Cedae põem em xeque a recuperação da lagoa

Por Ernesto Neves
Atualizado em 5 jun 2017, 14h07 - Publicado em 27 mar 2013, 20h55

Um dos pontos altos da premiação Cariocas do Ano de 2009 foi a provocação lançada pela apresentadora Fernanda Torres ao empresário Eike Batista, um dos homenageados da noite, em cerimônia realizada no Copacabana Palace. Ao receber o troféu, dado por VEJA RIO aos destaques da temporada, ele ouviu da atriz o desafio de atravessarem juntos a nado a Lagoa Rodrigo de Freitas. “Eu topo”, respondeu Eike, de bate-pronto, envolvido à época em um ambicioso programa de despoluição daquele cartão-postal. A incitação jamais saiu do campo da retórica, pois não há registros da dupla dando braçadas por ali. E, pelo visto, ainda está distante o sonho de a lagoa voltar a ser um lugar plenamente balneável, como foi prometido. Há poucos dias, o panorama era desalentador. Uma mortandade de peixes na casa de 70 toneladas espalhou um odor fétido pelas redondezas, espantou os frequentadores da ciclovia e fez emergir incertezas quanto ao processo de despoluição daquele ecossistema, onde serão disputadas ? salvo alguma alteração ? as provas de remo e canoagem na Olimpíada de 2016. “Basta um passeio pela área próxima ao Jockey Club para ver a sujeira e se certificar de que ainda há muito trabalho a ser feito por lá”, reforça o alerta José Godoy, especialista em qualidade da água e professor do departamento de química da PUC.

foto Leandra Benjamin/Fla Imagem
foto Leandra Benjamin/Fla Imagem ()

O revés surge em um momento delicado, três meses após Eike anunciar que havia fechado o cofre para o projeto Lagoa Limpa, programa de despoluição que deslanchou com o financiamento do grupo empresarial EBX, que, por sinal, atravessa uma turbulência financeira. Em prol dessa causa ambiental tão cara aos cariocas, o empresário desembolsou nos últimos cinco anos 23 milhões de reais, uma verba que viabilizou medidas como a construção de um moderno centro de controle na Praia do Leblon, que recebe em tempo real informações de cerca de 300 sensores e câmeras instalados na rede coletora da Zona Sul. Foram retiradas 65 toneladas de sedimentos mensalmente e eliminados 52 pontos de esgoto clandestinos. Não há como negar que o quadro melhorou muito se confrontado com a imundície característica das últimas décadas. Porém, essas conquistas correm o risco de ir por água abaixo após o fim da parceria do mecenas com o Poder Executivo.

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Há um complicador a mais. A saída de cena do empresário ameaça expor ainda mais a fragilidade das autoridades para lidar com a questão. É preciso que as três esferas do governo atuem em sintonia, pois cada uma delas tem seu naco de responsabilidade na lagoa. O espelho-d?água, por ser tombado, está sob a alçada da União; a fauna fica no âmbito da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), enquanto o recolhimento dos peixes mortos cabe à prefeitura. Para aumentar a desconfiança do carioca, o discurso no Poder Executivo não é uníssono. De acordo com Wagner Victer, presidente da Cedae, a lagoa está livre do despejo de esgoto. “Hoje, ela poderia tranquilamente receber as competições olímpicas”, diz. Sua análise vai de encontro ao parecer do secretário municipal de Meio Ambiente, Carlos Alberto Muniz, que aponta problemas no rio que deságua próximo à Rua General Garzon, no Jardim Botânico, ao lado do Jockey Club. “Ali ainda há despejo irregular oriundo da Rocinha”, afirma. Todos, no entanto, convergem sobre as causas da mortandade de duas semanas atrás. O fundo da lagoa contém grande quantidade de animais, plantas, lixo e esgoto em decomposição. Os nutrientes resultantes desse processo alimentam as algas, que cresceram descontroladamente e consumiram todo o oxigênio da água. Outro fator citado foi a geografia da região, com seu cinturão de montanhas que despejam grande quantidade de sedimentos após as chuvas.

Como solução, um projeto antigo voltou à pauta. Trata-se de um feixe de tubos subterrâneos que se estenderia sob o canal do Jardim de Alah até o mar. Dessa forma, a renovação da água, hoje comprometida devido ao assoreamento do leito, chegaria a 90% em um mês. Orçado em 60 milhões de reais, o sistema teve seu estudo técnico bancado pela EBX, empresa de Eike. “Seria sensacional ter financiamento dela para construí-lo, mas isso não depende de nós”, diz o secretário Muniz, que, no entanto, garante que a obra começará no segundo semestre. Responsável pelo estudo, o professor de engenharia oceânica da Coppe-UFRJ Paulo Cesar Rosman é um entusiasta da iniciativa. “Haverá atração de novas espécies, que beneficiarão muito a fauna e a flora”, acredita. “Voltaríamos a ter a balneabilidade de 400 anos atrás.”

Ao longo do século XX, a lagoa viu sua área ser reduzida em 20% após sucessivos aterros, que facilitaram a frenética expansão imobiliária da Zona Sul. Quase foi enterrada de vez, como sugeriu, em 1894, o médico Oswaldo Cruz, para acabar com o que ele chamava de abrigo permanente de doenças. Já o arquiteto Lúcio Costa propôs a construção de uma cidade universitária toda em palafitas sobre o espelho- d?água. Entretanto, o que virou realidade mesmo foi a ocupação de sua margem por favelas, sendo a maior delas a da Praia do Pinto, onde hoje se situa o condomínio Selva de Pedra, no Leblon. Removidas em meados dos anos 70, as áreas populares deram lugar a prédios de alto padrão, que descortinam uma paisagem impressionante. Com um dos metros quadrados mais valorizados da cidade, seu entorno ganhou parques, quiosques, restaurantes e cinemas. “Treino aqui todos os dias. É um privilégio”, conta a remadora Fabiana Beltrame. “Antigamente, era comum ouvir relatos de atletas que contraíam hepatite, mas isso acabou.” Para que as árduas conquistas não se percam, espera-se que ninguém renuncie à luta de manter asseado o cartão-postal. Nem mesmo Eike.

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