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Histórias de cariocas que trocaram o Rio por Portugal

Uma leva de novos emigrantes em busca de qualidade de vida, oportunidades profissionais e de negócios que não encontram do lado de cá do Atlântico

Por Rachel Verano, de Lisboa
Atualizado em 3 abr 2017, 15h48 - Publicado em 1 abr 2017, 00h25

A rotina da produtora Valéria Lima, 45 anos, consiste no que a imensa maioria das pessoas consideraria um sonho. Ela acorda às 7h15, pouco antes de o filho mais velho, Lucas, de 15 anos, ir para o colégio. Toma café da manhã e sai com o mais novo, Artur, de 8 anos, em uma agradável caminhada de exatos oito minutos pelo bairro da Graça, em Lisboa. Deixa o garoto na escola, pega o metrô ou o pitoresco bonde número 28 e vai para a academia, onde costuma encontrar o marido, Tico Moraes, publicitário, 45 anos. Encerrada a malhação matinal, o casal segue em novo passeio, agora pelo centro histórico lisboeta rumo à produtora de fotografia e animação que eles fundaram no bairro do Chiado. Até o dia acabar, eles terão grande chance de encaixar na agenda programas como um rápido café com amigos, um jogo de futebol dos meninos ou uma happy hour. “Minhas amigas do Rio pensam que eu não trabalho”, diverte-se Valéria. “O que elas não sabem é o significado da palavra tempo. T-e-m-p-o! E isso é o que não falta aqui.”

(Bruno Barata/Veja Rio)

Radicados desde o fim de 2015 em uma das cidades mais charmosas do Velho Mundo, Tico, Valéria e os dois filhos são parte de um contingente de cariocas que decidiu fazer as malas, empacotar a mudança e partir rumo a Portugal. Os dados mais recentes do Itamaraty, apesar de não refletirem o estado ou a cidade de origem dos expatriados, revelam que cerca de 66 000 brasileiros vivem na capital do país, enquanto outros 50 000 estão cadastrados nas representações de Faro e do Porto. Paralelamente, estimativas baseadas nas estatísticas do serviço diplomático português no Brasil mostram que a concessão de cidadania portuguesa a brasileiros em 2016 aumentou 35% em relação a 2013. Para essas pessoas, Portugal ganhou ares de Eldorado, mesmo que o país ainda não se tenha recuperado totalmente do impacto sofrido com a crise global de 2008. Quando Tico e Valéria tomaram a decisão de partir do Rio, sabiam que a economia lusitana estava longe de seus melhores dias. Mas já haviam vivido por lá entre 2001 e 2008 e optaram por arriscar-se. “Aqui conseguimos enxergar a chance de crescer não só no mercado europeu, mas também em lugares como o Oriente Médio”, diz o publicitário.

Estudiosos dos fluxos migratórios em Portugal costumam definir a atual onda de brasileiros como a quarta fase de um fenômeno iniciado há pouco mais de trinta anos. A primeira fase ocorreu entre meados dos anos 1980 e início dos 1990, quando o Brasil mergulhou em uma grande instabilidade e a antiga metrópole, em contrapartida, desfrutava os benefícios da entrada na União Europeia. Tratava-­se de um movimento protagonizado por profissionais de nível superior completo que se va­­liam de lacunas no mercado de trabalho local. A segunda fase, no fim dos anos 1990, foi marcada por um brutal aumento nos desembarques e transformou os brasileiros no maior grupo de estrangeiros no país (posto que ainda ocupamos, seguidos dos cabo-­verdianos, ucranianos, romenos e chineses). “Eram imigrantes que buscavam vagas na construção civil e nos empregos domésticos”, avalia o sociólogo Jorge Macaísta Malheiros, professor do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa.

Com a crise global decorrente das hipotecas americanas e o aquecimento da economia no Brasil, a terceira fase registrou um movimento inverso, com a diminuição da ida de brasileiros e o retorno de boa parte dos que lá viviam. Agora, a balança voltou a pender para o lado lusitano. “Nesse quarto estágio, brasileiros qualificados buscam em Portugal uma situação de estabilidade que o Brasil não lhes tem oferecido”, analisa o professor. “E essas pessoas chegam com dinheiro para investir em imóveis e negócios.”

Quem teve a oportunidade de visitar Portugal entre os anos 1980 e 1990 provavelmente se lembra da cara emburrada e do mau humor dos patrícios quando ouviam o sotaque típico do lado de cá do Atlântico. Da mesma forma, não foram poucas as querelas envolvendo disputas profissionais, como a dos dentistas, que azedou a diplomacia dos dois países. Hoje, os viajantes que chegam falando o chamado “português brasileiro” não sentem mais tal animosidade. A vinda dos irmãos sul-americanos — principalmente os mais ricos — não só é bem-vista, como também estimulada pelo governo local. Em 2012, entrou em vigor um instrumento conhecido como Golden Visa, ou Autorização de Residência para Atividade de Investimento (ARI), que concede um visto de permanência mediante a transferência de capitais (no mínimo 1 milhão de euros, ou 3,4 milhões de reais), a geração de postos de trabalho (no mínimo dez empregos diretos) ou a aquisição de imóveis a partir de 350 000 euros. Desde o início do programa, 592 brasileiros, entre titulares e seus dependentes, já foram beneficiados.

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(Bruno Barata/Veja Rio)

Proprietário de um confortável apartamento de três quartos na região da Praça Marquês de Pombal, área nobre lisboeta, o músico Bernardo Lobo, de 43 anos, filho do compositor Edu Lobo, reside na capital portuguesa desde maio de 2016. Na época, sua mulher, Paula Cury, 40 anos, estava grávida de oito semanas de Maria, hoje com 4 meses. “Viemos de mala e cuia, com uma empolgação enorme”, recorda Bernardo. A vida do casal mudou bastante desde a saída do Rio. A empregada que arrumava a casa e cozinhava todos os dias foi substituída por uma diarista duas vezes por semana. Babá, nem pensar. Os dois carros viraram um só — com uso bastante restrito. Bernardo fez até um curso de culinária para se virar no dia a dia. “Sou de fato o chef da família”, brinca ele. “Eu me especializei em bacalhau e polvo à lagareiro, mas também adoro fazer um bom arroz com feijão e carne moída com purê.”

(Bruno Barata/Veja Rio)

Empreender uma virada radical na vida e na carreira profissional em um país estrangeiro é uma experiência complexa sob todos os aspectos. Sem a barreira da língua e com uma cultura bastante familiar, Portugal acaba sendo um destino vantajoso em comparação com outros lugares. Somam-se ainda a tranquilidade e a segurança de uma capital europeia de pouco mais de 500 000 habitantes. No entanto, por mais atraente que seja, a imigração exige abrir mão de hábitos, estilos de vida e da convivência com amigos e parentes. Relações-públicas recém-­chegado a Lisboa, Marcelo Nogueira, 40 anos, divide um apartamento com um amigo depois de morar sozinho no Rio por quase vinte anos. Em sua rotina portuguesa, cumpre afazeres prosaicos como ajudar na limpeza pesada da casa e passar a própria roupa. Mas as recompensas são bem palpáveis: “O custo de vida é muito mais baixo. Gasto 300 euros em aluguel, 20 euros no mercadinho da semana e 1,50 euro em uma aula de natação de uma hora e meia. Tudo é muito mais democrático e acessível por aqui”, avalia.

(Bruno Barata/Veja Rio)

Lisboa e Rio se assemelham em vários aspectos. O casario do centro histórico, as margens do Tejo e da Baía de Guanabara e o verão tórrido e agitadíssimo são algumas das convergências que ajudam na adaptação. Ainda assim, o recém-chegado experimenta um estilo de vida bem despojado e até mesmo austero. Aconselhada por amigos e corretores, a arquiteta carioca Isabel Faveret, de 50 anos, resolveu investir em um imóvel assim que chegou à cidade para morar com a filha Mariana, de 15 anos, em agosto de 2015. Comprou um apartamento de dois quartos ainda em construção na Rua do Alecrim, no coração do Chiado, por 600 000 euros. Paralelamente, alugou outra unidade, de 150 metros quadrados, no bairro da Lapa. No Rio, ela vivia em uma cobertura dúplex com piscina no Jardim Botânico. Quando desembarcou em Lisboa, sua única ligação com a cidade era o fato de o ex-­marido ser descendente de portugueses. “Nunca tinha vindo antes, não conhecia ninguém”, diz ela. “Meus amigos e familiares acharam que eu estava ficando louca”, recorda.

Disposta a mudar radicalmente sua rotina, a arquiteta só permaneceu irredutível na ideia de matricular Mariana em uma escola britânica do mesmo nível da que ela frequentava no Rio. Deu certo. Mas se na escola a mudança foi quase imperceptível todo o resto exigiu adaptações. A jovem, que dispunha de um motorista para buscá-la no colégio, agora volta sozinha de trem. Sem empregados mensalistas, Isabel passou a lavar a própria roupa e não se importa em encarar a faxina de vez em quando. Só não passa roupa, porque começou a dar preferência a peças que não amarrotam. Assustada com os custos dos pet shops, ela tosa e dá banhos de banheira nas duas cadelas da família. “O fato é que aqui nos sentimos mais unidas”, diz Isabel. A temporada lusitana já rendeu frutos à arquiteta. Com o mercado imobiliário aquecido, o apartamento do Chiado, em apenas um ano, teve uma valorização de 50% e bateu nos 900 000 euros.

(Bruno Barata/Veja Rio)

Com uma rede de metrô renovada, museus de arquitetura arrojada, restaurantes bacanas e grande circulação de visitantes vindos de todos os cantos da Europa, Lisboa nunca esteve tão na moda. No mês passado, foi escolhida como a cidade do ano pela revista inglesa Wallpaper, a bíblia dos descolados. A expectativa das imobiliárias especializadas em atender estrangeiros é que tamanha notoriedade tenha impacto positivo nos negócios. “Calculamos que a compra de propriedades por brasileiros cresça pelo menos 30% em 2017”, diz Alice Autran Garcia, diretora comercial da Athena Advisers, empresa especializada em transações na Europa. Em 2016, o volume das negociações com compradores provenientes do Brasil aumentou 60% no continente em relação ao ano anterior. A empresária Luciana Pinto, de 52 anos, que há três anos e meio vive com duas filhas adolescentes em um amplo apartamento de quatro quartos no bem localizado bairro da Estrela, procura usufruir ao máximo a experiência lisboeta. “Sempre quis essa liberdade de poder andar de carro com os vidros abaixados, de caminhar pelas ruas de madrugada sem medo, de sacar dinheiro nos caixas eletrônicos e nem pensar no risco de ser assaltada”, diz. “Sinto falta da beleza da Praia de São Conrado e dos amigos que ficaram por lá, mas a tranquilidade e o charme lisboeta me encantaram desde o primeiro minuto em que pisei aqui”, diz. Com sua mistura de cidade pacata, história, cosmopolitismo europeu e boa qualidade de vida, Lisboa, definitivamente, ganhou o coração dos cariocas.

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