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Muitos e nenhum

Com os estádios pequenos parados no tempo e os grandes parados por obras, o Rio vai ver a decisão do Estadual a distância

Por Felipe Carneiro
Atualizado em 5 jun 2017, 14h05 - Publicado em 10 abr 2013, 19h30

O torcedor já andava arredio, e o bom futebol também era artigo raro de encontrar. Não fosse a realidade perversa o bastante, com os dois times mais populares, Flamengo e Vasco, praticamente eliminados da competição, o Campeonato Estadual se viu ainda mais esvaziado após a interdição do Estádio Olímpico João Havelange, devido a rachaduras no arco de sustentação do teto. Com o Engenhão fechado por tempo indeterminado e o Maracanã na fase final de sua arrastada reforma, o carioca está por ora desprovido de suas principais praças esportivas, justamente aquelas onde são realizados os clássicos de maior apelo. ?Foi uma infeliz coincidência?, diz em tom de lamúria Rubens Lopes, presidente da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro. Para piorar a vida do torcedor da capital, a direção da entidade anunciou que as partidas decisivas do Estadual serão disputadas em Volta Redonda, e não em São Januário, como parecia natural, em razão da maior segurança e capacidade de público do Estádio da Cidadania. A grande ironia da história é que, segundo o Cadastro Nacional de Estádios da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o Rio é a cidade com o maior número de complexos do gênero no país. Ganhamos de goleada da vice-campeã, São Paulo: 11 a 7.

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Em resumo, temos muitos estádios, mas, no momento, nenhum em condição de receber grandes espetáculos (veja o quadro). Com o Engenhão e o Maracanã fora de combate, em tese seria uma boa oportunidade para que as partidas fossem diluídas pelos demais gramados cariocas. Porém, a verdade é que esses estádios pararam no tempo e não estão aptos para isso. Sem manutenção e investimento, eles se deterioraram barbaramente e passam ao largo das exigências de segurança e conforto que se tornaram padrão nas novas construções. Muitos deles ainda possuem arquibancada de concreto e entradas acanhadas, pecados capitais nesta era das modernas arenas, em que os espectadores se acomodam em assentos e têm ao seu dispor uma gama de serviços, como bares incrementados e megalojas temáticas. Alguns estádios, como os de Madureira, Olaria e Bangu, ainda recebem jogos da primeira divisão. Nos outros, entretanto, grassam a melancolia e uma ociosidade que alimenta o círculo vicioso da falta de dinheiro para reformas. Proprietário do estádio de Ítalo del Cima, inaugurado em 1960, o Campo Grande passou a ter como fonte de renda o aluguel de seu campo ? um dos maiores da cidade ? para peladeiros. Hoje, o marasmo é quebrado também pelo treinamento dos times masculino e feminino e pelas partidas da terceira divisão fluminense em que o Campusca é o mandante em seu território (em péssimo estado, diga-se). Seus vestiários estão sucateados, com cheiro de mofo e mato crescendo nas rachaduras do cimento, e o gramado irregular em nada lembra um tapete verde. ?Flamengo e Fluminense vão até Macaé e Volta Redonda, mas não pensam em Campo Grande. E olha que já teve até Fla-Flu aqui?, lamenta o presidente do clube, João Ellis Neto, omitindo parte da história. O clássico a que se refere foi disputado em 1992, numa época em que o Maracanã estava fechado para obras e, claro, ainda não havia o Engenhão.

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A decadência patrimonial dos clubes reflete o processo de esvaziamento econômico da Zona Norte carioca. Diante do panorama atual, fica difícil imaginar que esses lugares já viveram dias mais gloriosos. Foi nos gramados suburbanos que floresceram craques do quilate de Evaristo de Macedo, Jair Rosa Pinto, Ademir da Guia, Romário, Marcelinho Carioca e tantos mais. Por lá atuaram também algumas das legendas do futebol nacional, casos de Garrincha, Gerson, Didi, Zico, Roberto Dinamite e Rivelino. Aos poucos, porém, esses times tradicionais da capital foram perdendo espaço para as equipes do interior, que têm a seu favor a ajuda financeira das prefeituras locais, e o declínio se acentuou. O campo do São Cristóvão, que estampa com orgulho a frase ?Aqui nasceu o Fenômeno? ? uma referência por ter sido a primeira agremiação de Ronaldo ?, abriga os treinos da equipe e também partidas oficiais de futebol americano. Foi-se o tempo em que o ?Figueirinha?, como ficou conhecido, era um alçapão temido por todos. Seu gramado irregular, aparado e adubado por cabritos, atrapalhava os adversários de maior técnica. ?Os anfitriões conheciam cada atalho do campo e ficavam esperando a bola desviar num buraco para roubá-la?, lembra o pesquisador Ivan Soter, frequentador dessas canchas. ?O que se vê hoje na Libertadores, com a torcida atirando objetos no jogador que vai bater escanteio, era comum nos campos de Olaria e Bonsucesso. Com a diferença de que não havia a proteção de policiais com escudos?, conta o ex-jogador e deputado federal Deley, que defendeu o Fluminense nos anos 80.

Para recuperar o glamour do passado e sonhar em receber multidões de torcedores, a saída passa necessariamente pela revitalização. Assim, reformar a casa tornou-se um desejo que une os clubes grandes e pequenos. De maneira tímida, o estádio de Moça Bonita passou por uma restauração. Com a ajuda da prefeitura e da federação, teve seus vestiários climatizados, ganhou uma tribuna de imprensa e recebeu um sistema de irrigação sob o novo gramado. A iluminação, no entanto, parece de boate, o que impede a realização de partidas após o entardecer. Nessa linha renovadora, o projeto mais ambicioso é o do Vasco da Gama, cujo estádio já foi o maior do continente e hoje carece de uma cirurgia geral. Foi lá que o então ditador Getúlio Vargas anunciou a consolidação das leis trabalhistas e onde o compositor e maestro Heitor Villa-Lobos regeu um coral de 40 000 vozes na arquibancada. Agora, as demandas são outras. ?São Januário não está apto a receber grandes jogos ou eventos de porte, como a realidade dos clubes profissionais exige. Tampouco dá opção de gerar receita além da bilheteria?, diz o recém-chegado diretor-geral do clube, Cristiano Koehler, responsável pela construção da Arena Grêmio, em Porto Alegre, que trouxe projeto semelhante para o Vasco. Em situação pior estão o Fla e o Flu, ainda sem solução para seus estádios, que antes de virarem elefantes brancos receberam jogos decisivos dos clubes e até da seleção brasileira. Para virar o jogo, vai ser preciso muito suor.

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