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Empresários e moradores mobilizam-se para recuperar Santa Teresa

Um dos bairros mais tradicionais do Rio tenta reverter a imagem de insegurança que tomou suas ladeiras

Por Saulo Pereira Guimarães
Atualizado em 1 set 2017, 18h01 - Publicado em 1 set 2017, 13h00
(Felipe Fittipaldi/Veja Rio)

Um telefonema dado à recepção da Casa Geranio, pequeno hotel instalado em um casarão de 1910 do bairro de Santa Teresa, provocou espanto no arquiteto Gabriel Nadal e no seu sócio, o chef Claudio Esperança, os donos do lugar. Do outro lado da linha, um representante do site de viagens Booking.com, que agencia quartos de mais de 1,5 milhão de estabelecimentos espalhados por 227 países, foi direto ao assunto. Impressionado com a avaliação da clientela, ele queria saber como o bed and breakfast carioca conseguia notas 10 dos hóspedes. A equipe do site suspeitava que se tratava de algum tipo de maracutaia. O episódio ocorreu em fevereiro de 2014, e hoje, mais de três anos depois, a Casa Geranio segue como a hospedaria mais bem avaliada da América Latina pelos hóspedes, com uma acachapante média de 9,8. “Aqui não vendemos luxo, vendemos qualidade de serviço”, resume Nadal. Além dos mimos e paparicos oferecidos às 4 000 pessoas que já passaram pelo local, ajuda a compor a atmosfera única do hotel o entorno pitoresco, com mais de 300 anos de história.

Não muito longe da Casa Geranio, umas das residências da enorme propriedade da família Monteiro de Carvalho abriga outro hotel-butique, este tinindo de novo. Com sete suítes, todas com o Pão de Açúcar exibindo-se nas janelas, a Vila Santa Teresa presenteia seus hóspedes com a experiência de um Rio atemporal em meio a jardins impecáveis e vistas espetaculares. Ali, a cordialidade do serviço se mistura a detalhes como a banheira de uma das suítes, adornada com uma torneira em forma de cabeça de cisne, igualzinha às do Hotel Ritz, em Paris. “Trouxemos nosso conceito da Europa e o aperfeiçoamos com o estilo carioca de receber”, conta Eva Monteiro de Carvalho, responsável pela administração. Para os lados do Cosme Velho, tucanos, macacos-prego e micos animam os desjejuns do compacto Les Jardins do Rio, instalado em um casarão dos anos 1970 e lotado de coloridas peças assinadas por designers famosos. Dirigido pelo francês Sven Tassin, o hotel costuma receber basicamente estrangeiros. “Nossa proposta é oferecer mais a interação com as belezas naturais do que badalação”, explica ele.

As propriedades descritas acima, todas de fazer cair o queixo do mais exigente viajante, são exemplos de um vigoroso processo de revitalização realizado por empreendedores e também moradores de Santa Teresa que resolveram transformar seus imóveis em hotéis. Confiantes de que as velhas ladeiras seriam bafejadas pela exuberância e pelas novas oportunidades trazidas pela Copa do Mundo e pela Olimpíada, eles acreditaram que tinham pela frente a chance de mudar de uma vez por todas o perfil do morro encravado entre o Centro, o Parque Nacional da Tijuca e o Corcovado, além de um punhado de favelas. A perspectiva era de tal forma entusiasmante que até mesmo um colosso da hotelaria global, a rede francesa Accor, colocou muitas fichas na mesa — aproximadamente 100 milhões de reais — e, de uma tacada, comprou o luxuoso Hotel Santa Teresa, antes de abrir o novíssimo Mamma Shelter, um novo modelo de hotel voltado para jovens descolados, o único exemplar da rede na América Latina. O cataclismo econômico que virou o Rio de pernas para o ar, entretanto, forçou todos os investidores a conviver com uma realidade muito diferente da imaginada opulência pós-olímpica. Pior: a falência do estado corroeu justamente um dos pilares que sustentavam os planos promissores para o bairro, a UPP instalada no Morro dos Prazeres. O retorno da presença ostensiva de traficantes e dos confrontos nas favelas dos Prazeres, São Carlos e da Coroa trouxe de volta o clima de insegurança. “A violência urbana não é exclusividade de Santa Teresa, muito menos do Rio”, argumenta o uruguaio Juan Sander, administrador dos hotéis da Accor no bairro. “Só que não existe melhor maneira de combater o problema do que ocupar os lugares”, resume.

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Em meio a um cenário pouco alvissareiro, a boa notícia é que, nos últimos meses, um grupo de moradores, comerciantes e empresários resolveu virar o jogo e resgatar o bairro da decadência, ainda que a partir de ações individuais. Fundada ali em 2001, a grife Favela Hype instalou lojas na Barra, em Búzios e passou a distribuir suas roupas em quatro estados e no exterior. No início do ano, finalmente inaugurou uma unidade onde se misturam conceitos de loja de roupas, galeria de arte e bistrô, na Rua Paschoal Carlos Magno. Na lista das novidades entram ainda o novo bar Explorer, aberto no fim de 2016. “Santa Teresa é um lugar singular, a essência do que existe de mais libertário no Rio”, define Kananda Soares, dona da Favela Hype. E os visitantes corroboram a impressão. Em uma visita recente, o chef-celebridade americano Anthony Bourdain, apresentador do programa Sem Reservas, revelou a sua cicerone, Danni Camilo, sócia do Oui Oui em Botafogo e gerente do Mamma Shelter, que considerava o bairro o lugar mais mágico do Rio. “Ele ficou apaixonado pelo clima da região”, conta a mestre-­cuca, paulistana de nascimento e radicada no Rio.

Em meio à movimentação para resgatar a animação das ruas calçadas de pedras, um episódio foi particularmente simbólico. Em julho, os organizadores do festival Arte de Portas Abertas conseguiram que, pela primeira vez em cinco anos, o bonde circulasse durante o evento, realizado em um domingo, facilitando o acesso do público aos dezessete ateliês e oficinas de cinquenta artistas participantes. Desde a retomada da linha, em 2015, quatro anos depois de um terrível acidente em que um dos bondes perdeu o freio, descarrilou e matou seis pessoas, dois veículos em serviço têm circulado apenas de segunda a sábado. A justificativa da Secretaria Estadual de Transporte, a gestora do sistema, é que a operação dominical é deficitária. O resultado foi tão bom que se estuda a volta do funcionamento também aos domingos.

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(Veja Rio/Veja Rio)

A segurança, entretanto, continua a ser um ponto crucial na recuperação do bairro. Nesse sentido, comerciantes e empresários do ramo hoteleiro e de restaurantes se mobilizam para reforçá-la através de parcerias com o poder público. Entre as iniciativas em andamento está a instalação de um centro de monitoramento integrado da região, que reuniria as 100 câmeras de vigilância mantidas pela iniciativa privada na área. O sistema funcionaria nos moldes dos que existem em outros bairros, como a Barra da Tijuca, também montados pela iniciativa privada. Em uma ação paralela, empreendimentos da região têm fechado acordos com as autoridades para o aumento da vigilância policial em áreas de grande potencial turístico. O consórcio que administra o Centro de Visitantes das Paineiras, junto ao Cristo Redentor, conseguiu que duas viaturas, com dois soldados cada uma, passassem a fazer a vigilância dos arredores da Estrada das Paineiras — que parte do bairro. Há ainda o apoio extra de dois agentes da polícia ambiental nos dias de maior movimento. Capitaneado pelo Grupo Cataratas, o grupo intermediou um processo de integração entre a Polícia Militar e a Guarda Municipal, que passaram a se comunicar em uma mesma frequência de rádio na área. Em outra frente, está sendo negociada a volta do projeto Cores de Santa Teresa, que há quinze anos promoveu a pintura de fachadas e a restauração do conjunto arquitetônico.

O bairro de Santa Teresa encanta estrangeiros desde meados do século XIX. Sede de alguns dos hotéis mais aprazíveis da cidade, refúgio do calor e da multidão que entupia as ruas do Centro, o lugar era ainda o ponto de partida para aventureiros nas expedições rumo à floresta e ao topo do Corcovado. O escritor Joaquim Manoel de Macedo (1820-1882), autor de A Moreninha, certa vez comparou com verve afiada o comportamento de tais turistas e o dos cariocas. Segundo ele, enquanto os visitantes se embrenhavam no mato em passeios de dia inteiro, “munidos de farnel e binóculo”, os brasileiros, “ao excursionismo arrojado pelas selvas, preferiam uma viagem de vapor a Lisboa”. Quase 150 anos depois, o grande desafio da turma que pretende transformar Santa Teresa continua a ser o de provocar entre os cariocas o mesmo encanto demonstrado por quem vem de fora.

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