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O salvador de bebês

Graças ao médico Jofre Cabral, 10 000 mães de carioquinhas prematuros terão bons motivos para comemorar seu dia no domingo

Por Bruna Talarico
Atualizado em 2 jun 2017, 13h08 - Publicado em 14 Maio 2014, 17h23

Cinco vezes por semana, o médico Jofre Cabral, 56 anos, segue a mesma rotina. Pontualmente, às 7h30 da manhã, de segunda a sexta-feira, ele percorre o 3º andar da Clínica Perinatal, em Laranjeiras, onde fica a unidade de terapia intensiva dedicada a receber recém-nascidos que necessitam de cuidados especiais. No setor conhecido como UTI 1, ele se detém por mais tempo à frente de cada uma das trinta incubadoras. Ali repousam os bebês prematuros, a maioria deles nascida entre 24 e 32 semanas de gestação (seis e oito meses) e com menos de 1,5 quilo de peso. Diminutos, são bastante diferentes dos que são acomodados nos berçários convencionais, dois andares abaixo. A pele é rosada, fininha e enrugada e mãozinhas e pezinhos são menores que os dedos de um adulto. Todos são muito magrinhos e passam a maior parte do tempo imóveis conectados a monitores que exibem suas funções vitais. Eventualmente, Jofre pega um desses pequeninos, cujo tronco praticamente cabe inteiro na palma de sua mão, para fazer um ultrassom ou um exame mais acurado. É uma conduta de risco, pois eles têm órgãos internos frágeis. Em alguns casos, dramáticos para quem os presencia, são necessários procedimentos de reanimação e ressuscitação, com massagens cardiopulmonares feitas com a ponta dos dedos. “Eu nunca conheci outro profissional com tanto senso clínico e destreza para lidar com os mais pequenininhos quanto ele”, elogia Manoel de Carvalho, um dos fundadores do hospital, que conhece Jofre há mais de trinta anos.

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Ao mesmo tempo delicadas e precisas, as intervenções do médico são impressionantes ? da mesma forma que a bateria de cuidados intensivos que cada um desses bebezinhos recebe. Nas últimas três décadas, cerca de 10?000 crianças conseguiram superar esse começo de vida tão complicado graças aos esforços de Jofre e sua equipe. Atualmente, a UTI neonatal da Perinatal está entre as melhores do mundo. A consultoria americana Vermont Oxford, especializada no ramo, a coloca no mesmo patamar do Mount Sinai Kravis Children?s Hospital, em Nova York, por exemplo. No centro carioca, as chances de um bebê que nasce com metade do tamanho habi­tual ter alta são de 90%. “Ter um filho nessa situação é muito difícil para uma mãe, mas só de saber que um profissional como o doutor Jofre está cuidando de meu filho já fico mais confiante”, diz Fernanda Brandão, 34 anos. Ela é mãe de Heitor, um dos bebês internados na unidade de Laranjeiras. Após seu nascimento, em 21 de fevereiro, quase noventa dias antes do previsto, Heitor sofreu uma perfuração espontânea do intestino, complicação decorrente do fato de o órgão ainda não estar completamente formado. Também teve insuficiência respiratória severa e chegou a ser considerado o paciente em estado mais grave do berçário. Hoje está em franca recuperação, mas ainda não há previsão de alta. “Quando seu bebê nasce, tudo o que você quer é levá-lo para casa, ouvi-lo chorar, poder tocar a pele dele e dar de mamar. Por enquanto eu não tive esse privilégio”, diz Fernanda.

Felipe Fittipaldi
Felipe Fittipaldi ()
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Um bebê como Heitor possui em seu corpo cerca de 80 mililitros de sangue, o equivalente a uma xícara e meia de café, e recebe a cada sessão de alimentação apenas 2 mililitros de leite materno, ou a metade de uma colher de chá. Nesse ritmo, ganham-se cerca de 20 gramas por dia. Para que sejam alcançados os 2,2 quilos desejáveis para a alta médica, as internações podem se estender por até 120 dias. Depois de tantos percalços, levar para casa um bebê saudável só é possível graças ao alto grau de especialização dos profissionais e aos contínuos avanços da medicina. A equipe chefiada por Jofre tem trinta médicos, 27 enfermeiras, 66 auxiliares de enfermagem, duas psicólogas, sete fisioterapeutas e dois fonoaudiólogos. Esse time conta com modernos equipamentos para medir funções vitais e um arsenal de substâncias semelhantes àquelas que os bebês receberiam se ainda estivessem no útero. O grande conforto para mães e pais, entretanto, é saber que há um profissional extremamente dedicado no comando dessa bem afinada orquestra. “Acabamos adotando essas crianças, tal é o envolvimento que temos com elas. Convivemos durante muito tempo, conhecemos a maneira como cada uma trava sua batalha pessoal pela sobrevivência. Se um bebê está em situação difícil, por exemplo, não saio daqui até que ele melhore”, explica o médico, que raramente cumpre menos de doze horas de trabalho no hospital, onde também mantém seu consultório.

Felipe Fittipaldi
Felipe Fittipaldi ()

Nascido em Porto União, município catarinense localizado na divisa com o Paraná, Jofre chegou ao Rio depois de ver frustrado seu plano de fazer residência em seu estado natal, logo após concluir o curso de medicina na Universidade Federal de Santa Catarina. Aprovado no concurso para o Hospital dos Servidores, ele passou também pela área de neonatologia do Instituto Fernandes Figueira, onde conheceu os futuros donos da Perinatal, Manoel e José Maria Lopes. Imediatamente, ambos viram no jovem médico um talento incomum para lidar com prematuros e, em 1985, o contrataram para aquele que era o embrião da clínica atual. Salvar crianças tão pequenas, naquela época, era uma tarefa que não raro se transformava em um desafio épico. Em uma de suas primeiras missões, ainda no serviço público, Jofre foi chamado para atender um prematuro em estado grave em Carmo, no interior do estado. O pouso da aeronave que o levava, no campo de futebol da cidade, foi recebido com banda de música e cortejo popular, que seguiu até a maternidade pública. Após a alta da criança, já saudável, o médico foi presenteado pela família do rebento com um leitão assado inteiro, com direito a maçã na boca. Hoje ele não recebe mais porcos de presente ? o que não significa que a gratidão seja menor. “Para mim, é Deus no céu e Jofre na terra. É um médico que, mesmo muito procurado, tem uma paciência infinita para explicar a situação dos nenéns. Ele passa toda a segurança de que a gente precisa”, diz Crilmar Gomes de Souza, balconista de 32 anos e mãe de Enzo, nascido em março, depois de apenas 26 semanas de gestação. Moradora do Vidigal, ela foi acometida por uma bactéria na placenta e deu à luz precocemente. O menino era tão pequeno que pesava 1 quilo e nasceu de parto normal com inacreditáveis 5 centímetros de dilatação.

Em meio à rotina atribulada, esse médico adepto do espiritismo encontra tempo para auxiliar os familiares de seus pacientes a atravessar um momento tão complexo. Todas as quintas-feiras, dedica pelo menos duas horas a uma reunião que lembra a de grupos de ajuda mútua, como Alcoólicos Anônimos. Lá, pais e mães dos pequenos dividem seus problemas, inseguranças e dúvidas, sempre com a consciência de que, apesar de todos os progressos, as crianças estão sob risco contínuo e é impossível fazer previsões sobre a evolução clínica. Não raro, a tensão e o nervosismo se manifestam nessas oca­siões. O médico sempre reage com cal­ma e clareza para dirimir qualquer dúvida da família. “O que eu mais lembro dos primeiros dias de meu filho é do jeito atencioso e carinhoso com que Jofre lidava com nossa situação”, recorda Isabella Pedreira, empresária de 51 anos, mãe do estudante Enzo D?Avila, hoje com 20 anos, um dos primeiros bebês a ser tratados na UTI de Laranjeiras, em 1993. Obviamente, tamanha abnegação tem seu preço. Há dois anos, o casamento do médico, que durou duas décadas e lhe deu as filhas Bruna e Marina, de 13 e 18 anos, acabou naufragando. No hospital, a notícia foi encarada como uma espécie de fatalismo. “O Jofre se casou com a medicina”, diz um colega. E é graças a ele que, neste domingo, as mães de 10?000 prematuros poderão comemorar seu dia.

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