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Advogado Sergio Bermudes defende as empresas mais poderosas do país

Nas folgas, o jurista combativo, erudito e cheio de manias arruma briga com gente como o magnata Donald Trump, pré-candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos

Por Daniela Pessoa e Sofia Cerqueira
Atualizado em 2 jun 2017, 12h12 - Publicado em 5 mar 2016, 01h00

A confusão aconteceu em um dos endereços mais opulentos de Nova York, a Trump Tower, localizada na 5a Avenida. Em uma de suas estadas na cidade, o advogado Sergio Bermudes, dono de um apartamento no 54º andar do arranha-céu, avaliado em 4 milhões de dólares, foi surpreendido pelo alerta de incêndio. Assustado, ligou para a recepção, instalada no suntuoso lobby enfeitado com mármore rosa e painéis dourados, e foi orientado a descer até o térreo pelas escadas. “Não seria mais fácil subir e esperar por socorro na cobertura?”, questionou o advogado, que estava a catorze andares do topo do prédio. Diante da negativa, seguiu a orientação a contragosto, até que, em meio à descida, ouviu pelos alto-falantes do edifício — famoso por ter entre seus moradores celebridades como o ator Bruce Willis, o casal Beyoncé e Jay Z e o jogador Cristiano Ronaldo — que se tratava de um alarme falso. Mais tarde, descobriu o motivo que o impediu de subir: seu vizinho mais ilustre, Donald Trump, pré-candidato à Presidência dos Estados Unidos e dono da imensa penthouse que coroa a construção, havia trancado o acesso ao terraço porque não queria intrusos no seu jardim. Furioso, Bermudes enviou duas cartas endereçadas ao magnata solicitando que liberasse a passagem, por motivo de segurança. Nada de resposta. Só foi atendido quando ameaçou denunciar o caso aos bombeiros. Ainda não se dando por satisfeito, ao cruzar com o polêmico político em um dos elevadores, em que os ascensoristas são obrigados a usar bottons da campanha do patrão, fez questão de confrontá-lo dizendo que o americano havia posto a sua vida em risco. Surpreso com a abordagem, Trump acabou contemporizando e, bem-humorado, alegou tratar-se de um incidente menor. “Deus que me perdoe, mas jamais votaria nele”, dispara o advogado, que invocou com o vizinho.

+ A rotina do ex-bilionário Eike Batista e sua família em meio à crise

O episódio, ocorrido na ilha de Manhattan, é revelador do temperamento combativo do jurista. Apesar da aparência inofensiva e franzina (76 quilos distribuídos por 1,69 metro de altura), Bermudes, de 69 anos, gosta mesmo é de briga — e das grandes. Especialista em questões cíveis contenciosas, atua, sobretudo, nos campos comercial, societário, falimentar e de recuperação empresarial. Seu escritório, cuja sede se espraia por dois andares no antigo prédio da Bolsa de Valores no Rio, é apontado como o mais importante do Brasil no setor e um dos dez mais renomados do mundo, segundo a revista inglesa Chambers, especializada em direito. Isso explica o fato de que algumas das maiores pendengas do país estão em suas mãos. Em meio à lista atual, alinham-se clientes que vão do ex-bilionário Eike Batista, enroladíssimo com o desmanche de seu império X, a empresas encrencadas do perfil da Sete Brasil, criada pela Petrobras para administrar as sondas do pré-sal e envolvida na Operação Lava­Jato. Entre as 42 000 causas em andamento, há a ação em que representa a Vale, uma das donas da mineradora Samarco, no caso do rompimento da barragem de Mariana, em Minas Gerais, e ainda disputas jurídicas em que responde por potentados como Bradesco, Citibank e Ambev e pelas construtoras Odebrecht e Queiroz Galvão. “Ele é o tipo de advogado que gera medo no tribunal. Tem talento e cultura jurídica invejáveis”, opina Arnaldo Malheiros Filho, outro peso-pesado da advocacia nacional. 

sergio bermudes quadro

sergio bermudes quadro

Amigo íntimo de juízes, desembargadores, ministros e políticos, o advogado não faz segredo de suas relações com poderosos. A proximidade com alguns dos membros do olimpo da Justiça brasileira, no entanto, já rendeu saias justas — para ambos os lados. Em seu escritório no Rio, por exemplo, trabalha a advogada Marianna Fux, filha do ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, que já foi criticado por julgar casos ligados à banca do amigo. Em 2013, o falatório em torno de uma festa em comemoração dos 60 anos de Fux, que seria realizada no apartamento de 700 metros quadrados do advogado, na Avenida Rui Barbosa, no Flamengo, foi tamanho que o convescote acabou cancelado. Na ocasião, comentava-se que o evento promoveria a candidatura de Marianna à vaga de desembargadora no Tribunal de Justiça do Rio — hoje, ela está na lista sêxtupla de candidatos encaminhada pela seção fluminense da OAB ao TJ. Em Brasília, o escritório é chefiado por Guiomar Mendes, casada com o ministro do STF, Gilmar Mendes. A proximidade entre ambos é tamanha que o advogado chama o ministro de irmão. E foi Guiomar quem sugeriu a contratação de Ivete Sangalo para a celebração de 45 anos da firma, comemorada em 2014 com um festão para 3 000 convidados no Copacabana Palace — estima-se que só o cachê da cantora baiana ficou em 600 000 reais. 

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É natural que uma estrela do direito com tantas conexões também tenha desafetos. Bermudes não esconde nem disfarça a aversão que nutre pelo ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, relator do mensalão e protagonista de pelo menos um embate público com Gilmar Mendes, um hit no YouTube. “Barbosa é um embuste, uma fraude, um engodo. Não sabe nada de direito, é extremamente ignorante. O sucesso lhe subiu à cabeça”, ataca o advogado. Procurado por VEJA RIO, o ex-ministro limitou-se a dizer: “Não conheço o advogado Sergio Bermudes. Nunca tive relação profissional nem pessoal com ele”. Outro rival é o medalhão Carlos Roberto Siqueira Castro, dono de uma prestigiada banca no Rio. Os dois se confrontaram em uma ação que degenerou em suspeitas de fraude na distribuição de recursos no TJ do Rio. Procurado por VEJA RIO, Siqueira Castro não quis falar sobre o colega. Bermudes é peremptório: “Em 47 anos de advocacia, nunca corrompi ninguém. Crio simpatia, admiração, e também temor.”

Eike Batista: criador do império X, o ex-bilionário viu  suas empresas desmoronarem a partir de 2012. Desde então, já pagou 6 milhões de reais em honorários a Bermudes
Eike Batista: criador do império X, o ex-bilionário viu suas empresas desmoronarem a partir de 2012. Desde então, já pagou 6 milhões de reais em honorários a Bermudes ()

Católico praticante, do tipo que se confessa uma vez por mês, o advogado atende gratuitamente a Cúria do Rio e mantém um capelão que, a cada quinze dias, reza missa em seu escritório para os funcionários. Dotado de uma memória prodigiosa, costuma reproduzir ipsis litteris citações de filósofos, de escritores como Dostoiévski, Machado de Assis e Shakespeare, e até encíclicas papais. Entre as frases célebres da lavra de juristas, gosta de uma em particular, de Djalma Marinho (1908-1981): “Até Lúcifer tem direito de defesa”. Autor de dezoito livros da área jurídica e professor da PUC há 35 anos, Bermudes tem um currículo portentoso. Entre outros feitos, foi o autor da petição inicial do caso Vladimir Herzog, jornalista torturado e morto nos anos 70, que resultou na primeira derrota da ditadura militar no Judiciário. Duas décadas depois, integrou a comissão de advogados que redigiu o pedido de impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. Sua oratória na tribuna, recheada de tiradas sarcásticas e irônicas, é considerada um verdadeiro show. “Ele representa uma rara combinação das qualidades necessárias para forjar grandes advogados e conseguiu construir um time de primeira linha. Escreve primorosamente e desenvolve estratégias sofisticadas para seus numerosos clientes”, elogia José Antônio Fichtner, do escritório Andrade & Fichtner, um dos mais expressivos do Rio. 

Não por acaso, conseguir uma vaga em sua equipe — 76 advogados e 103 estagiários, no Rio — é o sonho de muitos estudantes de direito. Entre indicações e entrevistas, os candidatos são submetidos a um teste no mínimo sui generis, o qual, até hoje, ninguém acertou. Para avaliar o domínio da língua inglesa, o postulante a um estágio tem de traduzir a expressão “a galinha não pôs ovo hoje porque está choca”. “É só uma brincadeira, não reprova ninguém”, comenta Bermudes. Uma vez aceito, é preciso familiarizar-se com algumas regras da empresa. Lá, é costume que todos os colaboradores, homens e mulheres, se cumprimentem com um beijo no rosto, ou na careca, no caso do chefão. O mandamento, para quem não leva a norma a sério, está explícito numa frase em latim do apóstolo São Paulo que decora a mesa do advogado: “Salutate invicem in osculo sancto”, algo como “Saudai-vos uns aos outros com um beijo fraterno”. Além de terem a chance de participar de alguns dos casos mais emblemáticos do país, todos dispõem de uma biblioteca jurídica com 37 000 volumes. “Estão vendo esses livros todos?”, perguntou Bermudes durante a entrevista a VEJA RIO. “Se eu fosse um corruptor, teria apenas um: o de cheques”, ironiza. A banca tem tantos processos que, uma vez concluídos, eles passam a ocupar um galpão imenso em Olaria, na Zona Norte. “Ter trabalhado com Bermudes foi uma escola extraordinária. Aprendi tudo ali”, ressalta o advogado Ivan Nunes Ferreira, que ficou na casa por treze anos e hoje tem escritório próprio. 

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Vale: o advogado representa a mineradora, que  é uma das donas da Samarco, alvo de processo em torno da ruptura de uma barragem  de rejeitos que deixou dezenove mortos e provocou um acidente ambiental sem precedentes
Vale: o advogado representa a mineradora, que é uma das donas da Samarco, alvo de processo em torno da ruptura de uma barragem de rejeitos que deixou dezenove mortos e provocou um acidente ambiental sem precedentes ()

Dono de um estilo muito peculiar, Bermudes só veste ternos do alfaiate Luigi Crincoli (a partir de 8 000 reais), de São Paulo, e roupas esportivas da grife Salvatore Ferragamo. Embora sinta pavor de estrada e prefira o uso de helicóptero, possui três carros blindados na garagem — um Mercedes S 63 AMG, um Ranger Rover Sport HSE Supercharged e um Mitsubishi Outlander. Só dispensa o motorista aos domingos, quando vai à missa na Nossa Senhora da Paz, em Ipanema. O hábito de ir à igreja não é abandonado nem quando ele está no exterior, seja de férias, seja para sessões de arbitragem (solução de conflitos, prevista em lei, sem necessidade de ir à Justiça). Fã do que chama de circuito Elizabeth Arden (a rota Nova York-Paris-Londres), ele viaja para fora pelo menos uma vez a cada dois meses. “A gente trabalha o ano inteiro por um momento de sonho”, diz, citando a canção de Vinicius de Moraes e Tom Jobim. Só voa na primeira classe e hospeda-se em hotéis luxuosos, como o Bristol na capital francesa e o The Connaught na Inglaterra. A exceção é Nova York, onde fica no seu apartamento da Trump Tower e costuma receber amigos como o padre Omar Raposo, reitor do Santuário do Cristo Redentor. Suas escapadas mais exóticas incluem as Ilhas Maldivas e Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Já esteve seis vezes no icônico cinco-estrelas Burj Al Arab. Por onde passa, é conhecido pelas polpudas gorjetas (facilmente 50 dólares), que dá a cada funcionário que se aproxima. “Deus tem várias razões para me condenar, mas, se ele levar algo em consideração, será meu espírito de solidariedade com os humildes”, filosofa.

Nascido em Cachoeiro de Itapemirim, Bermudes começou a trabalhar aos 12 anos como office-boy no escritório de advocacia do pai, no Espírito Santo. Primogênito de seis irmãos, veio para o Rio para cursar direito na Universidade do Estado da Guanabara, atual Uerj. Foi casado sem papel passado por duas décadas ­— ele só se refere à ex como “aquela senhora” e se recusa a dar qualquer detalhe a seu respeito —, e tem um filho adotivo de 44 anos, que é psicanalista. Workaholic, chega a trabalhar dezoito horas por dia. Garante, no entanto, nunca ter perdido o sono por uma ação nem tampouco ter precisado recorrer à Justiça em causa própria, exceto para cobrar os honorários devidos por um cliente que lhe deu bastante dor de cabeça. “Não foi muita coisa, algo em torno de 2 milhões de reais, mas trabalhei demais.” Entre os clientes, tem uma afeição especial pelo ex-bilionário Eike Batista, que considera um “injustiçado”. O empresário, que foi à bancarrota, aliás, já pagou ao escritório 6 milhões de reais, como parte das custas do processo. Embora mantenha um par de chinelinhos de couro, daqueles de vovô, embaixo da sua mesa no escritório, junto com um massageador de pés, não pensa em aposentadoria. Autoconfiante, quando algum cliente telefona preocupado porque a outra parte no processo contratou um bambambã dos tribunais, dispara: “Que ponham 100 advogados. Pode vir quente que eu estou fervendo”.

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