Zona Portuária se prepara para ter seus arranha-céus ocupados
Até agora vista como uma região fantasma do Centro, o panorama local está prestes a mudar
Se existe um lugar que simbolizou a recente onda de euforia do Rio é a região do porto. Ali estão a Praça Mauá, transformada em novo cartão-postal da cidade, e os museus do Amanhã e de Arte do Rio, em um trecho de ruas reurbanizadas cortado pelo VLT, sistema de transporte coletivo silencioso, moderno e confortável. Mas a ressaca violenta que fez a economia fluminense naufragar bateu pesado naquele pedaço do Centro. No ano passado, serviços essenciais da área, como a limpeza urbana, chegaram a ficar seriamente comprometidos por falta de recursos para executá-los. Houve quem considerasse o território antes ocupado pelo Elevado da Perimetral um dos maiores micos imobiliários da cidade. Aos poucos, essa imagem começou a se diluir com empresas como a L’Oréal, a Granado e o YouTube mudando-se para o território à beira da Baía de Guanabara. E o movimento ganhou novo impulso com a decisão da Bradesco Seguros de se transferir para um dos gigantes de aço e vidro do pedaço, o Port Corporate Tower, localizado no extremo norte do trecho, próximo à Avenida Brasil. Além de seus escritórios propriamente ditos, a seguradora instalará no local um conjunto de lojas, dois restaurantes, academias de ginástica, farmácia e outros serviços ainda raros por ali. “Trabalhamos com visão de longo prazo”, afirma o diretor jurídico da Bradesco Seguros, Ivan Gontijo. “Temos convicção de que a região apresenta extraordinário potencial de desenvolvimento, tanto do ponto de vista econômico como de lazer e cultura.”
O impacto provocado pela chegada do novo ocupante da Port Corporate Tower será considerável. Cerca de 3 500 pessoas passarão a trabalhar no imóvel com dezoito andares e 40 000 metros quadrados de área útil, em um processo a ser concluído no início de 2019. Com isso, a taxa de vacância dos espaços comerciais da Zona Portuária cairá de 77,5% para 62,5%. Da mesma forma, outro colosso dos arredores também registra um entra e sai de funcionários — ainda que bem mais tímido. Trata-se do icônico edifício Aqwa, uma construção monumental assinada pelo escritório do arquiteto britânico Norman Foster e erguida pela multinacional americana Tishman Spyer. A parte administrativa da aceleradora portuguesa Fábrica de Startups já trabalha em suas novas instalações de 3 700 metros quadrados. Os planos dos lusitanos são ambiciosos: transformar o prédio no principal polo de inovação da cidade. “Vamos conectar empreendedores cariocas a grandes companhias que buscam soluções criativas e tecnológicas. Até o fim do ano, teremos mais de 100 startups conosco”, prevê o presidente executivo da Fábrica de Startups, Hector Gusmão.
Em abril, devem se juntar aos jovens criadores ligados à aceleradora os advogados do escritório Tauil & Chequer. Está em fase de negociação com o mesmo Aqwa a transferência da sede da Caixa Econômica Federal no Rio, hoje na Avenida Rio Branco. “Depois da euforia inicial, o preço do metro quadrado chegou a um equilíbrio. Empresas que estão chegando ao Rio e também escritórios localizados no miolo do Centro, em prédios ultrapassados, se voltarão para o porto”, aposta Guilherme Soares, da JLL Consultoria. É o que espera também a operadora do VLT que conecta a área ao Aeroporto Santos Dumont e ao resto do Centro. Ali se torce para o sistema finalmente bater a meta de passageiros estabelecida no projeto. Com cerca de 120 000 usuários em suas duas linhas a cada dia, o bondinho não chega à metade do planejado.
Mesmo consistente, o movimento de ocupação da região portuária está longe de sinalizar o fim dos desafios para construtoras, investidores e incorporadores que apostaram no lugar. Empreendimentos ambiciosos que chegaram a ser anunciados com pompa, como a Trump Tower Rio e o complexo a ser erguido no Moinho Fluminense, estão em compasso de espera. Os hotéis que se instalaram ali amargam taxas de ocupação insatisfatórias. O uso residencial da área é, por enquanto, uma miragem exposta em vídeos promocionais. É o caso do complexo Lumina, dos americanos da Tishman Spyer, que terá quatro torres entre o prédio da L’Oréal e o Moinho Fluminense.
Inovadora em seus conceitos, a operação urbana no porto envolve soluções relativamente simples, que deveriam ser reproduzidas em toda a cidade. Por meio de relatórios trimestrais, a população tem acesso a informações sobre os serviços executados na região, do volume de lixo recolhido à reposição de mobiliário urbano danificado. Os dados oficiais mostram que aproximadamente 50% das obras de urbanização previstas no Porto Maravilha foram executadas. Muitos críticos acreditam que isso é sinal de fracasso e que o projeto virou um mico. No entanto, como no aforismo que se vale da imagem de um copo com água pela metade, talvez seja o momento de começar a ver o Porto Maravilha como uma empreitada promissora e que já superou um bom punhado de seus percalços.