Volta às aulas no modo avião: escolas particulares buscam conexões off-line

Como instituições cariocas estão se adaptando à lei federal que oficializa a proibição do uso de celulares pelos estudantes — uma reviravolta cheia de desafios

Por Renata Magalhães
Atualizado em 21 fev 2025, 16h09 - Publicado em 21 fev 2025, 05h59
Telefones guardados: novas regras mudaram a rotina dos estudantes
Telefones guardados: novas regras mudaram a rotina dos estudantes (Dobrila Vignjevic/E+/Getty Images)
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A primeira obra lida este ano pelo clube do livro que envolve pais, professores e diretores da Escola Americana do Rio de Janeiro foi o best-seller A Geração Ansiosa: Como a Infância Hiperconectada Está Causando uma Epidemia de Transtornos Mentais, do americano Jonathan Haidt. Desde seu lançamento, em 2024, o livro encabeça a lista dos mais vendidos do New York Times e vem elevando a fervura de um debate que toma todo o planeta: o uso excessivo de telas pelas jovens gerações e seus riscos desde tenra idade. Neste ano letivo que se inicia, os colégios brasileiros estão frente a frente com o espinhoso desafio de pôr em prática o recém-aprovado projeto de lei federal que veta o uso de celulares, tablets e outros dispositivos eletrônicos portáteis durante a aula e o recreio, da pré-­escola ao ensino médio. “Com essa mudança, decidimos abrir as leituras em 2025 justamente com este livro, para embasar a discussão e nos ajudar a ter um termômetro dos pais”, explica Steve Desroches, diretor-geral da Escola Americana.

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Será uma transformação e tanto na paisagem escolar e no cotidiano dos alunos, que têm seus smartphones quase como extensão do próprio corpo. A Escola Americana já limitava o uso para a turma do ensino fundamental (eles até podiam levar o celular, mas precisava ficar desligado na mochila), porém, no ensino médio não havia qualquer restrição nos intervalos — e ajustes se fizeram necessários agora. “Estamos criando alternativas de engajamento e deixando claras as consequências do uso inadequado, além de dar suporte e treinamento a nossa equipe para lidar com a nova realidade”, conta Desroches, que sabe ser essencial um diálogo aberto com a garotada para que assimilem — e ponham em prática — a decisão. O propósito é valioso. Não apenas o terreno acadêmico balança quando mestres precisam competir com os atrativos digitais, mas também o desenvolvimento socioemocional fica comprometido, segundo comprova um vasto conjunto de pesquisas. Um relatório da ONU lançado logo após a pandemia, momento de escalada no acesso às telas, mostrou que o abuso pode impactar de forma negativa o aprendizado, bem como afetar o autocontrole e a estabilidade emocional numa fase crucial.

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Os primeiros passos das escolas neste novo mundo sinalizam quão dura será a reviravolta. Um episódio ocorrido com uma aluna do Colégio pH, ainda no cenário pré-legislação, é ilustrativo. Às 7 da manhã, antes de as aulas começarem, ela decidiu entregar o celular para a coordenação — solução oferecida pela escola para alunos que não conseguem deixar o aparelho na mochila sem dar aquela espiadinha. Antes de terminar a primeira aula, a adolescente de 15 anos não aguentou e pediu o smartphone de volta, por estar sofrendo de uma forte ansiedade após a separação. “O que veio para nos conectar, dar informação e liberdade, acabou nos fazendo reféns”, afirma o diretor pedagógico Filipe Couto. Nas doze unidades da rede pH, as sinalizações de proibição ao celular já foram instaladas, e o uso será permitido só no hall, para uma rápida comunicação na hora da saída, assim como para fins pedagógicos, quando o professor pede (veja no quadro os casos de exceção previstos na lei). Durante o turno escolar, a comunicação entre pais e alunos será à moda antiga, mediada pelo colégio sempre que se fizer necessária. “Todas as partes envolvidas terão que redefinir o que realmente é uma urgência”, ressalta Couto. A infração das normas pode levar a advertência escrita ou suspensão, acrescida de trabalho reflexivo para ser feito em casa.

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arte escola celular

Os desdobramentos da medida se fazem sentir no dia a dia escolar em muitos níveis — como na compra de lanches nas cantinas, feita em vários colégios via aplicativo, com QR code. Nestes casos, o QR code terá que ser apresentado impresso, e não mais na tela dos smartphones. “É muito importante estimular atividades que proporcionem entretenimento nos intervalos e no recreio, para que os alunos possam redescobrir a escola”, recomenda Renan Ferreirinha, secretário municipal de Educação. No ano passado, o Rio tornou-se a primeira cidade brasileira a implantar em escolas públicas o veto aos aparelhos dos quais é tão difícil desgrudar. E a medida já se reflete no boletim: as chances de um aluno do 9º ano estar no nível adequado de aprendizado de matemática, por exemplo, aumentaram 53%. “Isso sem falar no recreio, que voltou a ser barulhento, como deve ser”, observa o secretário.

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Evidentemente que o abalo em tão sólido pilar para crianças e adolescentes colhe reações negativas de uma turma, sobretudo em torno dos 16, 17 anos, que encheu as redes de críticas. Uma recente pesquisa do Datafolha, porém, mostra que 62% dos brasileiros são favoráveis à proibição, que já se avista em outros países. Na França, o uso de smartphones foi banido nas escolas em 2018 para os menores de 15 anos. Espanha e Portugal seguiram pela mesma trilha. Na Finlândia, nação exemplar na educação, o desempenho começou a cair depois da excessiva digitalização das aulas — e a proibição de celulares acabou sendo uma das medidas para contornar a queda no boletim, que põe em alerta a população, tão ciosa de seu ensino. Já na Austrália, o debate evoluiu para o veto das redes sociais para menores de 16. Há evidências de que também os casos de cyberbullying encolhem. “Com o celular guardado na mochila, ele deixa de ser uma ferramenta para fotos e vídeos comprometedores”, explica o psiquiatra Higor Caldato, que, como outros especialistas, sublinha a importância da socialização nesse período de formação da personalidade. “As redes são cheias de filtros, enquanto uma convivência presencial requer improviso e poder de adaptação”, lembra. A experiência mundo afora mostra que quando a família entra em cena, investindo na educação da prole frente às telas, a criançada se adapta com maior rapidez à escola sem celular e outras conexões vicejam: as da vida off-line.

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