Capítulo à parte: o papel de protagonista do Rio no remake de Vale Tudo

Cruzando as fronteiras dos estúdios globais, releitura da novela das 9 tem número recorde de gravações externas e mobiliza a audiência dentro e fora de casa

Por Paula Autran
2 Maio 2025, 06h01
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Taís Araujo (Raquel) e Bella Campos (Maria de Fátima) rodam cena em Ipanema: Vale Tudo já registrou 192 diárias de gravação fora dos estúdios segundo a Rio Film Commission (Manoella Mello/TV Globo/Divulgação)
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O ti-ti-ti envolvendo desavenças entre Cauã Reymond e Bella Campos nos bastidores do remake de Vale Tudo vem dominando conversas de bar, assim como (ou até mais que) as artimanhas de César e Maria de Fátima, interpretados pela dupla de atores. Esse certamente já virou um capítulo à parte na revisita à trama que, em 1988, mobilizou o país e, agora, alça o Rio de Janeiro à condição de protagonista da história. Desde a estreia, o carioca convive com a Raquel Acioli de Taís Araujo vendendo sanduíches na Praia de São Conrado e com Afonso Roitman, a quem dá vida Humberto Carrão, correndo na Lagoa. Os figurões do folhetim da Globo também podem ser avistados em um salão de beleza logo ali ou em um point noturno. Isso reforça a tendência de deixar as fronteiras dos estúdios em Curicica, na Zona Oeste carioca, e fazer a novela transbordar para as ruas. “O Rio é complexo, heterogêneo e diverso. Seus bairros têm personalidades próprias que emprestam aos personagens, além de acolherem as questões discutidas em Vale Tudo”, avalia o diretor artístico Paulo Silvestrini, que se entusiasma com a moldura sob a qual o enredo se desenrola: “Apesar dos problemas, a cidade continua linda”, diz.

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O diretor artístico Paulo Silvestrini dirige Debora Bloch e sua Odete Roitman: “Os bairros do Rio têm personalidade própria e acolhem as questões discutidas em Vale Tudo” (Fábio Rocha/TV Globo/Divulgação)

Números da Rio Film Commission, um braço da RioFilme, da Secretaria Municipal de Cultura, confirmam quão efervescente anda a agenda de filmagens externas por causa de Vale Tudo. Em 2025, a produção das 9, que entrou no ar em março, já registrou 192 diárias de gravação fora dos estúdios, ante as dezessete de sua antecessora no horário nobre, Mania de Você, no mesmo período. Uma das marcas da versão original, escrita por Gilberto Braga (1945-2021) em parceria com Aguinaldo Silva e Leonor Bassères (1926-2004), foi justamente fazer o Rio de cenário. À frente da releitura do texto, a autora Manuela Dias segue e aprofunda a cartilha, mesclando ângulos fotogênicos da Cidade Maravilhosa a patrimônios, materiais e imateriais, que tanto atiçam o orgulho carioca. Um exemplo é a roda de samba que embalou o aniversário de André, vivido por Breno Ferreira. “Gilberto Braga se apropriava da cidade em suas novelas. Em Dancin’Days, a primeira coisa que a personagem de Sônia Braga faz quando sai da prisão é admirar o mar de Copacabana”, lembra Creso Soares Júnior, doutor em comunicação pela PUC, que vê Manuela Dias beber da fonte de Braga e também de Manoel Carlos, outro nome que habita o panteão da teledramaturgia nacional.

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A geografia da trama: Principais locações que aparecem no remake (./Reprodução)

Na primeira versão, Vale Tudo se passava nos tempos da redemocratização, época em que a economia cambaleava e a taxa de desemprego subia. O núcleo de classe média baixa morava numa vila no Catete, cuja paisagem ficava permanentemente sob os holofotes. Não raro, as cenas da vilã Odete Roitman ou da obstinada Raquel eram entremeadas por close-ups de pedestres, engraxates e moradores de rua. Quase quatro décadas mais tarde, aquele
quinhão no finalzinho da Zona Sul, próximo já ao Centro, encareceu e acabou assim empurrando a turma menos abastada da trama para Vila Isabel, na Zona Norte. “Hoje há todo um hype acerca do Catete, que se valorizou e anda cheio de turistas. A gente buscou um lugar mais simples”, conta o cenógrafo Fábio Rangel, que quebra a cabeça para melhor encaixar as cenas externas em meio a uma maratona de filmagens. “Em toda brecha que encontramos, damos uma fugida do estúdio. Sabemos que isso traz outro astral à história”, diz.

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Cidade protagonista: Produções globais em que as belezas do Rio disputaram a atenção com a trama (Márcio de Souza/TV Globo/Divulgação)

Dos dezessete cenários do folhetim, apenas três são fixos, construídos nos Estúdios Globo ó a parte interna da mansão dos Roitman, o apartamento de Marco Aurélio, papel de Alexandre Nero, e os escritórios da TCA, a empresa de aviação cuja fachada é a do edifício Ventura Corporate Towers, na Avenida República do Chile, no Centro. “Usamos painéis de LED para dar vida à vista das janelas”, entrega Rangel. A metade das cenas segue gravada em estúdio, 33% na Vila Isabel da cidade cenográfica e os 17% restantes na rua. Pode parecer pouco, mas, diante da tão complexa logística envolvida, é um feito e tanto. Imagine que, só para mostrar o corte de cabelo de Maria de Fátima, foi preciso esvaziar o Care Body & Soul, em Ipanema, e conduzir para lá cerca de 45 profissionais numa segunda-feira. Foram seis horas de batente para uma cena que durou fugazes quinze segundos. E sem qualquer menção ao estabelecimento. “Mesmo assim valeu a pena. O salão aparece como um lugar almejado pela alta classe”, diz a dona, Ivani Werneck, que conta com clientes globais, incluindo o próprio Silvestrini e Renata Sorrah, a Heleninha da primeira versão da novela.

A fim de evitar aglomerações, a Globo não divulga o calendário de externas, mas esse é daqueles segredos que vão se espalhando no boca a boca. Quem vê todo o equipamento montado e se dá conta do que está testemunhando acaba contando para um, para outro, e eis que, de repente, uma pequena multidão se junta. Enquanto almoçava em um quiosque na Praia da Barra, o designer Julio Cesar Fernandes Rocha, 47 anos, deparou-se com Cauã Reymond e Bella Campos em serviço. “Deu um orgulho do bairro, trouxe um sentimento de pertencimento”, fala. Outra tomada que sacudiu as areias cariocas teve o Leme como pano de fundo. Bastou Afonso levar a namorada, Solange, interpretada por Alice Wegmann, a um piano-bar subterrâneo para as redes sociais serem inundadas de pontos de interrogação. O espaço, afinal, era apenas o banheiro de um quiosque travestido de casa noturna ou um novo point carioca? O cenógrafo Flávio Rangel esclarece: “A princípio, íamos gravar no restaurante Cais do Oriente, no Centro, mas um produtor de locação veio com a ideia de usarmos um bar novo que está prestes a abrir”. Foi preciso então cobrir ali as paredes decoradas com fotos de artistas do futuro Cave Music Lounge, com abertura anunciada para junho.

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Silêncio, gravando: Endereços mais procurados para gravações, de acordo com a RioFilme (Alexandre Macieira/Riotur/Divulgação)

A curiosidade que os novos cenários de Vale Tudo vêm despertando literalmente move os espectadores. Coautora do Almanaque Anos 80, um apanhado de fatos, fotos e produtos que marcaram a década, Mariana Claudino pesquisou no Google Maps e pedalou até a Glória assim que soube que o novo endereço dos Roitman seria por lá. Tudo para estar frente a frente com a versão de agora da mansão, originalmente no Joá. Ela estranhou a escolha do bairro, uma vez que, nas últimas quatro décadas, a escalada da violência levou a uma transformação na vida carioca. “Dos anos 1980 para cá, as empresas de gradeamento de prédios mudaram a cara das ruas e as câmeras de segurança apareceram com tudo”, observa Mariana, que esperava na releitura da trama uma casa dentro de um condomínio fechado, cercado por seguranças. Mas a equipe de produção da novela preferiu fugir da Barra da Tijuca, por exemplo. “Optamos por um luxo mais tradicional”, esclarece Fábio Rangel.

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A novela das 9 é exemplo de um bem-vindo fenômeno que vem se desenrolando no Rio. No início do ano, outro endereço nestas praias passou a atrair a atenção, inclusive de turistas: era uma casa de dois andares, paredes brancas e janelas verdes na Urca, que serviu de residência para a família Paiva no vastamente laureado Ainda Estou Aqui, ganhador do Oscar de melhor filme internacional. De olho no movimento, a prefeitura comprou o imóvel e vai transformá-lo na Casa do Cinema Brasileiro, com a ideia de preservar e estimular a cultura cinematográfica no país. A RioFilme, encarregada da missão de consolidar a cidade como um destino film friendly, vai se estabelecer por lá. Amigável à sétima arte o Rio já é. Em 2023, a capital fluminense superou Paris em número de diárias de filmagens em espaços públicos e, no ano passado, 505 produções, sendo 27 internacionais, focaram suas câmeras por aqui. Prevista para terminar em outubro, Vale Tudo promete turbinar esse número, com novas locações que oferecem os mais privilegiados ângulos. O César de Carlos Alberto Riccelli, por exemplo, chegou a morar num barco na Marina da Glória, lá em 1988. A ver o que cenas dos próximos capítulos nos reservam.

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