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Depois da tempestade

Com seu centro reconstruído e atrações em funcionamento, Nova Friburgo finalmente se mostra recuperada das chuvas que a arrasaram há dois anos

Por Ernesto Neves
Atualizado em 5 jun 2017, 13h54 - Publicado em 31 jul 2013, 20h01
Fernando Lemos
Fernando Lemos (Redação Veja rio/)
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Enquanto os termômetros cravam zero grau e uma fina camada de gelo recobre as montanhas de Nova Friburgo, no centro-norte fluminense, a 142 quilômetros do Rio de Janeiro, filas de turistas aguardam para entrar nos bares e restaurantes. Nos hotéis da região, encontrar leito disponível tem exigido muita pesquisa e certa dose de paciência. O cenário vem se repetindo na cidade desde a abertura do Festival de Inverno, no começo do mês, mesmo que a estação se mostre mais rigorosa que o habitual. Nos últimos trinta dias, a taxa de ocupação nas pousadas manteve uma média de 80%, o melhor patamar dos últimos três anos. Tal panorama tornou-se motivo de celebração para empresários e moradores do município, devastado por um temporal sem precedentes na madrugada de 12 de janeiro de 2011.

Na trágica data, torrentes de lama e pedra desceram as encostas da Serra dos Órgãos, formando uma avalanche que matou 426 moradores e desalojou 4?000 pessoas. Sob toneladas de escombros, estradas ficaram intransitáveis e bairros inteiros permaneceram isolados por dias, deixando a população privada dos serviços mais básicos, como água e eletricidade. Locomover-se era tarefa perigosa até mesmo no Centro, tamanha a quantidade de vias interditadas por risco iminente de desabamento. Além do colapso na infraestrutura, a calamidade afugentou os visitantes. O fluxo de turistas desabou até 40% nos meses de frio dos últimos dois anos, justamente os mais importantes no calendário friburguense. Agora, enfim, o panorama começa a ser revertido. ?As pessoas ficaram receosas de vir. São marcas difíceis de apagar?, diz Marisa Dominguez, representante do setor hoteleiro e proprietária de duas pousadas. ?Quando chegam, no entanto, percebem que o município se refez.?

Desde o início deste ano, os ventos que sopram na serra, de fato, estão mais favoráveis. O número de visitantes cresceu 13% nos últimos seis meses, o que vem animando os empresários a arriscar mais. Dono de um restaurante no Centro há dezessete anos, Rogério Werly chegou a pesquisar terrenos na Região dos Lagos para abrir seu segundo estabelecimento. Depois de alguma hesitação, decidiu concentrar seus investimentos na cidade. Com aplicação de 130?000 reais, inaugurou no mês passado o Colonial Gourmet, com 150 lugares, capacidade 30% maior que a do outro ponto. A procura surpreendeu logo no primeiro fim de semana. Nas noites de sexta e sábado, quando há shows de música ao vivo, o movimento é especialmente intenso. ?Não raro, forma-se fila na porta. A frequência superou todas as minhas expectativas?, diz Werly.

Fotos Fernando Lemos
Fotos Fernando Lemos ()

O local escolhido por ele é um excelente termômetro da retomada da economia local. Trata-se de uma antiga fábrica de tecidos que funcionou por um século e foi desativada há dois anos. Com 75?000 metros quadrados, seu terreno será ocupado por empresas da região, sendo que cinco já se instalaram ali. Também se prevê naquele lugar a construção de um hipermercado e de um condomínio com 48 apartamentos, em ritmo acelerado de obras. Não muito longe, a dez minutos de carro, um outro empreendedor voltou a sorrir recentemente. À frente de uma tradicional loja de doces artesanais por quatro décadas, Gilberto Sader perdeu todo o estoque na enchente. Naquela noite, seu prejuízo atingiu 400?000 reais e ele foi obrigado a permanecer com as portas fechadas por quarenta dias. ?Sabia que seria difícil me recuperar. Ao reabrir, as vendas mantiveram-se 70% abaixo do normal?, conta. ?De dois meses para cá, sinto que voltamos ao patamar anterior às chuvas.?

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Fechados desde a tempestade, alguns pontos turísticos tradicionais também voltam, pouco a pouco, à normalidade. Há um mês, 3?500 pessoas compareceram à missa de reabertura da Capela de Santo Antônio. Erguida em 1884, ela se tornou símbolo da catástrofe depois que imagens mostraram a Praça do Suspiro, onde está localizada, coberta por 2 metros de lama. Em um cenário surrealista, um carro foi arrastado pela força das águas para dentro da igreja, permanecendo sobre o altar. Depois de dois anos de reforma e 750?000 reais investidos, o templo histórico teve seu altar reconstruído, assim como suas paredes e o teto. Logo ali ao lado, o teleférico, que permite visão panorâmica de Friburgo, também sofreu uma repaginação. Sua liberação definitiva depende agora do Tribunal de Justiça, que aguarda laudo técnico atestando a segurança da atração.

De arquitetura tipicamente alpina, trazida por imigrantes oriundos da Suíça no século XIX, Nova Friburgo dispõe de rede hoteleira com 5?000 leitos, distribuídos por 125 hotéis e pousadas. Além da exuberante natureza emoldurada por montanhas, quem sobe a serra é atraído pelo seu vigoroso polo gastronômico. Atualmente, existem cerca de 200 restaurantes, que servem, entre outras opções, deliciosos pratos à base de truta. ?Há uma série de ações que, somadas, geram essa onda positiva?, explica Flávio Stern, presidente do Nova Friburgo Convention e Visitors Bureau. Entre as medidas apontadas por Stern está a instalação de uma unidade da Universidade Cândido Mendes, onde são oferecidos cursos de gastronomia para qualificar a mão de obra. Outra iniciativa importante foi a veiculação de uma campanha publicitária no Rio. ?Os empreendedores se uniram com o objetivo de trazer os turistas de volta?, afirma.

Apesar da franca recuperação, o risco de uma nova catástrofe ainda assombra a cidade. Na época da enchente, órgãos estaduais e federais prometeram um repasse emergencial de verbas que ultrapassava os 200 milhões de reais. Apenas 10% desse montante foi investido até agora. Em pleno Centro é possível observar encostas que desmoronaram e continuam sem nenhuma sustentação. Há gigantescos clarões nos morros, rasgos abertos pela torrente de lama, que permanecem como cicatrizes da tempestade. A precariedade nas moradias também é evidente. Considerados críticos, os rios Bengalas e D?Antas ainda têm as margens ocupadas por cerca de 1?000 pessoas. Em uma estimativa bastante conservadora, pelo menos 700 famílias precisam ser realocadas com urgência. Fica a torcida para que essas medidas sejam tomadas quanto antes, a fim de que noites como a de 12 de janeiro de 2011 não se repitam jamais.

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