Salve, Jorge! Músicas que homenageiam o Santo Guerreiro marcam a MPB
De Jorge Ben Jor a Zeca Pagodinho, artistas celebram o guerreiro que virou símbolo de fé, força e resistência, especialmente no coração do Rio

No calendário litúrgico, 23 de abril marca o dia de São Jorge. No Rio de Janeiro, onde a data é feriado, a festa do santo não se restringe aos altares. Ela toma conta dos palcos, dos rádios, dos terreiros, das caixas de som. Mais do que santo católico ou orixá guerreiro, São Jorge é uma espécie de padroeiro informal da cidade — reverenciado por multidões em igrejas, terreiros e fones de ouvido. Do samba ao rap, sua imagem inspira canções que atravessam gerações e gêneros, nas vozes de artistas como Jorge Ben Jor, Fernanda Abreu, Zeca Pagodinho, Alcione, Maria Bethania e Racionais MC’s.
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“São Jorge é o herói popular de uma cidade que não se separa de sua fé e nem de sua música. Ele é mais que um santo. É padroeiro de botequim, de escola de samba, de terreiro, de favela, de coração partido”, diz o historiador e escritor Luiz Antonio Simas, autor de livros como “O corpo encantado das ruas” e “Santos de Casa” , que tem um capítulo dedicado ao santo da Capadócia. “Talvez nenhuma linguagem traduza melhor a devoção a São Jorge do que a da música”, resume o autor.

São Jorge aparece entoado com respeito e reverência nos sambas de Alcione, nos raps de Mano Brown, nos batuques de Maria Rita, na música eletrônica de Fernanda Abreu, nas rodas de pagode com Xande de Pilares e nos acordes de Caetano Veloso. Um dos grandes responsáveis pela popularização do nome de São Jorge é seu xará Jorge Ben Jor, que em “Jorge da Capadócia” (1975) transformou a oração em hino:
“Eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge / Para que meus inimigos tenham pés e não me alcancem.”
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A faixa, relida por Caetano, Fernanda Abreu e pelos Racionais MC’s, virou mantra para gerações que veem no santo não só proteção, mas potência espiritual. Fernanda Abreu levou os versos para as pistas com “Jorge da Capadócia 2000” (2000, Jorge Ben Jor, remix por Fernanda Abreu e Herbert Vianna), remix que reverbera a fé em beat eletrônico. Já Zeca Pagodinho, devoto assumido, canta o sincretismo com alegria e respeito em canções como “Ogum” (1990, Aninha Portal e Toninho Geraes) e “Jorge da Capadócia” (1975, Jorge Ben Jor).

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A oração se mistura à rima e ecoa nas periferias como escudo contra os dragões cotidianos. Clara Nunes invocou o orixá em “Guerreiro do Rei Nagô” (Edil Pacheco e Paulo César Pinheiro), de 1974; e “Guerreiro de Oxalá” (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro), de 1975. Enquanto Maria Bethânia exaltou o santo em “Medalha de São Jorge” (Aldir Blanc e Moacyr Luz), de 1996; Glória Bonfim gravou “Ogum Menino” (Élton Medeiros e Paulo César Pinheiro), em 2005, no disco “Anel de aço”; e Alcione emocionou com “Ogum chorou que chorou” (Arlindo Cruz e Franco), também de 2005. Em “São Jorge” (Mano Brown e Edi Rock), de 1993, os Racionais MC’s materializaram em versos o santo como símbolo de resistência e proteção.
“São Jorge é um santo de encruzilhada, um símbolo da malandragem mística do povo carioca, que mistura religião, cultura e cotidiano. É o protetor do povo trabalhador, do subúrbio, da gente que luta”, detalha Simas.
No Rio de Janeiro, principalmente no subúrbio, São Jorge é reverenciado o ano inteiro. Em cada esquina, há um relicário informal: uma imagem no balcão, uma medalha no peito, um grafite no muro.
“São Jorge trafega com a mesma desenvoltura pelos trilhos dos trens suburbanos e pelos versos dos sambas-enredo. É o santo que inspira tatuagens, grafites, cordões de prata, camisas vermelhas e toalhas de rosto. E protege as quadras de escolas de samba, os prostíbulos, os balcões de botequins, os apontadores do jogo do bicho e os corações partidos”, finaliza Simas.