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Psiquiatra sobre a pandemia de Covid-19: “Momento de aprendizados”

“Muitas coisas vão mudar, como os conceitos de higiene e o valor do investimento em ciência", acredita Antonio E. Nardi, da Academia Nacional de Medicina

Por Antonio E. Nardi
Atualizado em 22 Maio 2020, 19h12 - Publicado em 1 Maio 2020, 08h00

A crise mundial que estamos atravessando em razão da Covid-19 nos afeta de diversas maneiras, gerando ansiedade e temores. O medo de uma grave enfermidade, a probabilidade de desemprego, a incapacidade de planejamento para os dias que se seguem e o isolamento social prejudicam diretamente nossa saúde mental. Até o momento, segundo as autoridades de saúde, a única forma de atenuar esses riscos é fazer um distanciamento social, ou seja, um confinamento. Ora, é muito fácil ficar isolado em uma casa de classe média ou alta com geladeira cheia, internet e smartphone. Difícil é ficar confinado em uma casa pequena, com muitas pessoas no mesmo quarto, sem acesso fácil ao mundo digital nem dinheiro. O que essas duas realidades brasileiras têm em comum, no entanto, é a necessidade de cuidar da saúde mental, em risco nos dois casos.

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Além do confinamento em si, outros fatores de risco para a depressão não faltam: crises de ansiedade, dúvidas quanto ao futuro, ideias hipocondríacas e descuido da saúde física. Afetam a nossa saúde o distanciamento da família e dos amigos, a preocupação com nosso bem-estar, além das alterações na rotina. Ficar em casa algumas semanas (que podem tornar-se meses), sem uma programação de atividades, leva o indivíduo a comer em excesso, abusar de bebidas alcoólicas, não se exercitar, ficar irritado mais facilmente, discutir por bobagens com a família e, sobretudo, ter pensamentos negativos sobre o futuro. Pronto, a porta para a depressão está aberta.

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Autor que popularizou a língua italiana em um país cheio de dialetos, Alessandro Manzoni (1785-1873) descreveu com clareza em seu mais famoso livro, I Promessi Sposi (1823), a peste que atingiu Milão em 1630 e causou cerca de 1 milhão de mortes. As analogias são impressionantes. Em alguns aspectos, até sinistras e inexplicáveis. Lombardia, Vêneto e Emilia Romagna, hoje as regiões mais afetadas pelo vírus, são os símbolos de uma memória histórico-epidêmica avassaladora: na época da peste foram devastadas as cidades de Milão, Bérgamo, Como, Veneza, entre outras do norte da Itália. É claro que esse era um contexto higiênico-sanitário extremamente precário, a pobreza e a ignorância se sobrepunham de maneira preocupante, mas os fatos parecem se repetir. Na origem dos males e da devastação, Manzoni descreve crise econômica, fome e tumultos. Em particular, o choque da oferta de trigo e, consequentemente, do pão, seguido pelo aumento dos preços e pela inevitável especulação. A história, mesmo em uma época digital, volta a se repetir. Toda guerra ou pandemia expõe o que há de melhor e o que há de pior nos seres humanos.

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O que podemos fazer para manter nossa saúde mental? Vamos às sugestões: pratique regularmente uma atividade física (há programas na internet que ajudam), crie uma agenda de trabalho e estudos, aproveite para ler livros que estão esquecidos pela falta de tempo ou assistir aos filmes que nunca teve oportunidade de ver. Telefone aos amigos ou use a tecnologia para se comunicar com eles. Lembre-se dos que moram sozinhos e mais isolados. Evite pensamentos negativos e excesso de informações sobre a pandemia, o que pode gerar ansiedade e insegurança. Priorize as orientações de sites confiáveis, como o do Ministério da Saúde.

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Mantenha uma rotina de sono adequada. Não troque o dia pela noite. Aprecie a companhia de quem mora com você. Tenha momentos de reflexão, meditação e descanso. Alimente-se de forma saudável. Evite o exagero de bebidas alcoólicas, pois isso prejudica a saúde física, mental e social. Por fim, em caso de sofrimento emocional, procure ajuda. Os serviços de psiquiatria e psicologia continuam funcionando presencialmente e on-line.

Uma crise é sempre um momento de aprendizado. Como nos ensinou o filósofo da antiguidade Heráclito de Éfeso (540 a.C.-480 a.C.), a única coisa permanente é a mudança. Sairemos mais fortes e mais maduros. Muitas coisas mudarão, mais ainda após a pandemia, como os conceitos de higiene, a valorização do investimento em ciência, educação e saúde, o respeito aos profissionais de saúde, o maior incentivo ao uso das mídias digitais para trabalho, estudo e contatos sociais, e a necessidade de uma organização melhor da sociedade civil. Educação e saúde de qualidade resultam em bem-estar social para todos. Não podemos ter no Brasil sistemas diferenciados para ricos e pobres. Toda crise traz a oportunidade de amadurecimento, e a nossa sociedade tem de ser melhor quando tudo isso passar.

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*Antonio E. Nardi é psiquiatra, membro da Academia Nacional de Medicina e da Academia Brasileira de Ciências

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