Polícia investe em tecnologia, mas não consegue vencer arrastões
A um ano dos Jogos Olímpicos, equipamentos de ponta não têm sido suficientes para conter ondas de violência na zona sul
A sexta-feira (18) já prenunciava um fim de semana atípico. Mobilizada para mais uma edição do Rock in Rio, com sol a pino e praia lotada, a cidade experimentava um ar festivo de verão em pleno mês de setembro. Mas o que se viu no sábado e no domingo extrapolou todas as expectativas — para pior. Na tarde do dia 19, o carioca assistiu ao pipocar de tumultos e violência em pelo menos treze pontos da Zona Sul, a maior dessas ocorrências em Botafogo, onde dezenas de adolescentes improvisaram um arrastão, invadiram pontos comerciais e roubaram pedestres, levando pânico às principais vias do bairro. Um vídeo publicado nas redes sociais, feito da janela de um apartamento no Arpoador, mostrava um grupo de jovens roubando as bicicletas de um casal na Rua Joaquim Nabuco — as imagens exibem a mulher sendo agredida com um soco no rosto. No domingo (20), a balbúrdia seguiu solta, dessa vez por sete pontos da orla e arredores, com furtos a banhistas nas areias do Arpoador, três assaltos em menos de meia hora entre os postos 7 e 8, correria na Rua Visconde de Pirajá e ataques a motoristas, realizados por jovens, em um engarrafamento em frente ao Shopping Rio Sul.
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As cenas mais chocantes, entretanto, foram registradas na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, quando homens que se diziam moradores do bairro investiram contra um ônibus lotado para agredir supostos assaltantes que estavam no interior do veículo. Vidros foram quebrados e, em desespero, passageiros arrancaram as janelas e começaram a fugir pelo espaço exíguo em direção às pistas da avenida. Um grupo de policiais assistia a tudo completamente atônito. Durante a sucessão de arrastões e tumultos, chamou atenção a pífia atuação da polícia, ineficaz na prevenção e errática no combate aos distúrbios. O motivo alegado para tamanha apatia era uma decisão judicial, datada de dez dias antes, que, na interpretação da PM, impedia os membros da corporação de abordar e revistar menores considerados suspeitos. Com isso, a força policial se disse impossibilitada de realizar seu trabalho preventivo. “O que vimos foram casos de delinquência que precisam ser combatidos. Nós, como Estado, temos de estar presentes e acabar com essa brincadeira. Isso é falta de autoridade. Estão botando a mão na cara porque a autoridade não está se fazendo presente”, declarou o prefeito Eduardo Paes, na terça-feira, ao chegar de uma viagem a Nova York.
A confusão que chocou os cariocas e enfureceu o prefeito acontece em uma fase crítica para a cidade, na reta final para a realização dos Jogos Olímpicos, em agosto do próximo ano. Desde 2011, a área de segurança pública vem recebendo investimentos no setor de tecnologia, com a aquisição de aparelhos de última geração, para que o combate ao crime seja mais eficiente e, principalmente, inteligente. O governo do estado aplicou cerca de 800 milhões de reais e o governo federal outros 200 milhões em iniciativas que incluem desde a construção do novo Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), inaugurado em 2013, até a compra de equipamentos como os balões estacionários dotados de câmeras que captam imagens num raio de 2 quilômetros, usados pelos americanos nas guerras do Afeganistão e do Iraque e que acabam de chegar à cidade. Tais recursos somam-se a uma sofisticada gama de artefatos que vão de rádios de frequência criptografada a unidades móveis com torres de 15 metros de altura providas de câmeras mais eficientes que as convencionais.
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O objetivo de tal arsenal (veja o quadro abaixo) é prevenir e coibir tumultos, numa especialidade que os americanos chamam de “crowd control”, ou gestão de multidões, requisito crucial em uma cidade que receberá um evento tão superlativo daqui a onze meses. A depender da performance demonstrada no fim de semana retrasado, ainda estamos muito longe disso. “As informações sobre os tumultos chegaram até nós tanto por meio de ligações para o 190 quanto por meio de câmeras espalhadas pela Zona Sul. Os representantes da Polícia Militar que trabalham aqui dentro comunicaram a seus superiores o que estava acontecendo. Mas quem identifica a necessidade de enviar ou não reforços não somos nós, é a própria PM”, alega o subsecretário de Comando e Controle Edval Novaes, responsável pelo CICC. Procurada pela reportagem de VEJA RIO, a Polícia Militar não concedeu entrevista.
Deter toda essa tecnologia, por si só, não vai resolver os problemas, isso é óbvio. Pesquisadores da área de segurança são unânimes em afirmar que a polícia do Rio deve aprofundar as investigações, identificar quem pratica esse tipo de crime, vigiar e prender os responsáveis. “Quando a polícia alega que precisa revistar adolescentes que vêm de ônibus de um determinado lugar para prevenir o crime, é sinal de que não existe investigação, de que a inteligência não funciona”, diz Ignácio Cano, professor da Uerj e coordenador do Laboratório de Análise da Violência.
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Os arrastões estão longe de ser uma novidade. Os primeiros deles remontam ao verão de 1992, quando hordas armadas de facas e estiletes percorriam as areias do Arpoador em direção a Ipanema, provocando pânico entre os banhistas. A partir de 2013, depois de passarem alguns anos sumidos da orla, os ataques voltaram a acontecer, principalmente entre a primavera e o início do verão, ocasiões em que o policiamento na praia é menor. No último fim de semana, enquanto 900 policiais foram destacados para dar cobertura ao Rock in Rio, trabalhavam no patrulhamento das praias lotadas da Zona Sul cerca de 300 agentes. Se a região da Cidade do Rock contava até mesmo com a cobertura de um helicóptero do Grupamento Aéreo Marítimo (GAM) e uma Unidade Móvel de Comando e Controle, a orla não tinha nenhuma — as duas outras existentes passaram o fim de semana estacionadas em frente ao CICC, na Cidade Nova. Depois dos tumultos, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, anunciou a antecipação da Operação de Verão (originalmente prevista para o primeiro fim de semana de outubro), em que o efetivo deslocado para as praias ficará em torno de 700 homens. Participarão da iniciativa guardas municipais, funcionários da prefeitura e agentes do Batalhão de Grandes Eventos, com o apoio de um helicóptero e duas unidades de monitoramento móvel. O governador Luiz Fernando Pezão declarou que jovens arruaceiros não chegarão às praias daqui para a frente. “É notório que a polícia do Rio opera hoje com um efetivo muito aquém de sua necessidade. As UPPs, um projeto importantíssimo do governo, demandam um contingente absurdo. Quando acontecem eventos de grande porte, cancelam-se folgas de batalhões inteiros. O resultado é que a polícia age basicamente de forma reativa, a maneira mais burra e dispendiosa de trabalhar”, diz Paulo Storani, ex-capitão do Bope e pesquisador do Instituto Universitário de Políticas Públicas e Ciências Políticas da Universidade Candido Mendes. Atualmente, as polícias Civil e Militar têm 57 000 homens. A promessa do governo estadual é que, até os Jogos Olímpicos, o efetivo chegue a 62 000. O número considerado ideal, entretanto, é muito maior — cerca de 90 000 homens, pelo menos.
Em meio às confusões do fim de semana de 19 e 20 de setembro, um aspecto mostrou-se particularmente perturbador. Trata-se da mobilização de grupos que se autointitulam “justiceiros” e se dispõem a reagir aos arruaceiros que promovem arrastões. Eles foram os responsáveis pelas cenas absurdas registradas em Copacabana e prometem voltar à ativa nos próximos fins de semana. Mobilizados na internet, em páginas fechadas do Facebook e grupos no WhatsApp, pregam um discurso de ódio e violência que alarmou as autoridades. Na segunda-feira (21), o secretário de Segurança declarou que não tolerará os chamados “justiçamentos”. “Não vamos permitir isso. A minha preocupação é aonde isso pode chegar. As pessoas vão começar a ir armadas para as praias, e é com isso que temos de nos preocupar”, disse. A mecânica dos arrastões segue basicamente a lógica do terror psicológico, em que criminosos agindo em bandos se valem da surpresa, da intimidação e da agressão física contra as vítimas. Com a proliferação das imagens dos ataques, replicadas nas redes sociais, instaurou-se um clima de insegurança que, aliado à ineficácia da polícia, leva ao sentimento de impotência e frustração. “Quando surgem grupos querendo fazer justiça pelas próprias mãos, é sinal de que a situação chegou ao limite”, diz Paulo Storani. A polícia carioca tem equipamentos, conhece a dinâmica que desencadeia os tumultos nas areias e sabe de onde partem os arruaceiros que provocam a confusão. Na semana passada, a Secretaria de Segurança Pública já tinha dossiês compilados que rastreavam a atuação tanto dos jovens que articulavam na internet os arrastões quanto dos “justiceiros”. Agora só precisa pôr em prática todo esse conhecimento para vencer a batalha contra o crime.