Os desafios, polêmicas e curiosidades de Marcelo Calero

Aos 34 anos, o diplomata e ex-secretário municipal de Cultura enfrenta turbulências no comando do Ministério da Cultura no governo Temer

Por Sofia Cerqueira
Atualizado em 2 jun 2017, 12h03 - Publicado em 16 jul 2016, 01h00
Ministro da Cultura, Marcelo Calero, na ABL
Ministro da Cultura, Marcelo Calero, na ABL (Selmy Yassuda/)
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Sede da Academia Brasileira de Letras (ABL), o pomposo Petit Trianon, no Centro do Rio, teve a paz de seus chás abalada, na sexta (8), por um grupo de manifestantes enfurecidos que tomou a entrada do prédio. O alvo do protesto, entretanto, não era a instituição nem algum dos imortais que ali se reúnem. Eles estavam no encalço do ministro da Cultura, Marcelo Calero, que cumpria agenda oficial na cidade. Assim que o viram surgir junto à fachada, após um encontro com membros da casa, os ativistas, munidos de cartazes e faixas, dispararam a bradar em uníssono: “Caleeero, golpista, Caleeero, golpista” e “Pede demissão, golpiiiista, fasciiiista, você não me representa”. Escoltado por três agentes da Polícia Federal, o ministro voltou para dentro do prédio e escapou pela garagem. Já na rua, o carro oficial foi cercado pelo grupo, cujos integrantes passaram a socar os vidros do automóvel e jogaram tinta vermelha na comitiva. Protestos acompanham Calero em várias partes do país, mas é no Rio, sua cidade natal, que eles são mais exacerbados. E o ataque do dia 8 dá a dimensão da encrenca que ele assumiu ao aceitar o convite do presidente interino Michel Temer para o cargo, há cerca de cinquenta dias.Ex-secretário municipal da Cultura do Rio, o diplomata tijucano foi escolhido — inicialmente para ser o titular da recém-criada Secretaria Nacional de Cultura — em meio à revolta da classe artística com a extinção do MinC na reforma ministerial realizada por Temer. O presidente em exercício voltou atrás diante da saraivada de críticas, Calero virou ministro, mas, desde a posse, não houve uma semana sequer em que seu nome não estivesse ligado à ocupação de instituições da pasta, a polêmicas e a protestos. “Isso faz parte do jogo democrático. Tenho consciência de que muitas manifestações não são endereçadas a mim pessoalmente, mas ao ambiente político”, explica. “Assumi o posto num momento delicado, mas é nessas ocasiões que surgem grandes oportunidades.”

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É inegável que chegar à Esplanada dos Ministérios pelas mãos de um governo interino impõe desafios extras. E, no caso de uma área sensível como a Cultura, significa meter a mão em um verdadeiro vespeiro. Abnegado e workaholic, do tipo que trabalha dezesseis horas por dia, Calero encarou o desafio como missão — herança dos tempos de Itamaraty, onde ingressou aos 25 anos (hoje está licenciado). Além da resistência do movimento Ocupa MinC, que ainda mantém nove prédios do ministério invadidos em todo o país, entre eles o emblemático Palácio Capanema, no Rio, ele deparou com uma dívida de mais de 1 bilhão de reais e uma estrutura completamente desorganizada. Projetos conduzidos com financiamento pela Lei Rouanet entraram na mira da polícia e do Ministério Público Federal por causa das irregularidades cometidas e dos desvios de recursos estimados em 180 milhões de reais. Esse valor pode ser apenas a ponta de um gordo iceberg, pois ainda existe uma vastidão de 13 000 processos relativos a empresas beneficiadas com isenção fiscal cuja prestação de contas não foi analisada. Uma força-tarefa foi montada para checar a papelada e traçar mudanças na lei que dificultem os malfeitos. Evidências de aparelhamento político do órgão também fazem parte da lista de problemas do ministro. Dos 400 cargos de confiança, metade estava nas mãos de pessoas que não eram servidores de carreira. “Farei uma gestão de entregas à população. Não podemos mais ter uma administração cujo resultado seja um monte de fotos em um quadro de cortiça, só de encontros políticos e de tapinhas nas costas”, promete. Para pôr seus planos em prática, Calero dispõe de um orçamento enxuto — 604 milhões de reais —, um dos três menores entre todos os ministérios. “Os números provam que o governo Dilma não tinha compromisso com a Cultura. O esquálido orçamento, recomposto pelo atual governo, havia sofrido um corte de 25%”, ataca.

Manifestação contra o Ministro da Cultura, Marcelo Calero, na sede da ABL
Manifestação contra o Ministro da Cultura, Marcelo Calero, na sede da ABL ()

Mesmo que eventualmente adote um tom ácido em seus comentários, o novo ministro é conhecido pelo perfil conciliador, uma qualidade mais que desejável em tempos de turbulência política. Ainda assim, sua escolha foi uma surpresa para a turma das artes — e até para ele. Sem nenhum indício que antecipasse o convite, Calero recebeu em seu gabinete na Secretaria Municipal de Cultura, na Cidade Nova, um telefonema do ministro da Educação, Mendonça Filho, em 17 de maio. Atônito com a proposta, aceitou‑a de imediato. Sete dias depois, tomava posse, em Brasília. A mudança foi tão repentina que ele precisou correr para um shopping a fim de comprar três ternos (pão‑duro assumido, só tinha um) e encomendou cinco camisas ao alfaiate Norberto Sarnaglia, famoso por vestir políticos de alta patente em Brasília. Sempre com as roupas impecáveis, a barba milimetricamente aparada e uma queda por acessórios pouco convencionais, como abotoaduras, Calero é, de longe, o caçula do ministério Temer, com seus 34 anos. Nos registros da política nacional só perde para o paulista Antônio Cabrera, nomeado ministro da Agricultura no governo de Fernando Collor de Mello, em 1990, aos 29 anos. Sua juventude e seus atributos físicos (78 quilos distribuídos em 1,78 metro de altura) têm causado frisson no Planalto e o transformaram em estrela nas redes sociais. “Os políticos não precisam ser vistos como uma classe que vive em Marte”, contemporiza. “Não vejo problema em gostar de tirar selfie e ter orgulho de mostrar no Instagram meus afilhados e meu gatinho”, diz o ministro, que é solteiro e dono do siamês Cartola. Suas fotos, algumas de torso à mostra, já renderam até mensagens in box com pedidos de casamento. “De mulheres e homens”, brinca. Sem contar a enxurrada de elogios que anônimos e famosos deixam nas caixas de comentários (veja o quadro ao lado). O blogueiro Bruno Rocha, mais conhecido como Hugo Gloss, por exemplo, fez uma colagem de imagens do político e disparou no Instagram: “Isso que é incentivo à cultura, Brasil”, escreveu, completando o comentário com hashtags do tipo #MeMinistra, #MeGoverna e #MinistroMagya — numa alusão à gíria boy magia, que teria como equivalente a conservadora expressão “pedaço de mau caminho”.

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QUADRO MARCELO CALERO
QUADRO MARCELO CALERO ()

Algumas credenciais do jovem diplomata abriram as portas para que ele fosse alçado à posição-chave que ocupa na capital federal. Bem articulado, presidiu o Comitê Rio 450 Anos, na prefeitura. Na época, além de um calendário com 600 eventos comemorativos, lançou o Passaporte Cultural que dava à população acesso gratuito aos museus cariocas. Na sequência, assumiu o posto de secretário, no qual se destacou com projetos como o Ações Locais, que financiava iniciativas de pequeno porte pela cidade, e o Bibliotecas do Amanhã, com a modernização de equipamentos — uma iniciativa que ele pretende levar, agora, a outros estados. A recuperação do Teatro Serrador e a do Museu da Cidade, na Gávea, também foram conduzidas sob sua gestão. O fato de pertencer ao PMDB, partido do presidente em exercício, obviamente, pesou na indicação. Convidado depois da recusa de cinco mulheres — entre elas Marília Gabriela, Bruna Lombardi e Adriana Rattes —, Calero diz não se incomodar com isso. Antes de iniciar na vida pública, o ministro formado em direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) deu expediente numa empresa de telefonia e foi funcionário concursado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Petrobras. Como diplomata, morou quatro anos em Brasília e dois no México até ingressar na área de relações internacionais da prefeitura. “O Calero se destacou assim que chegou. É preparado, competente e comprometido”, elogia o prefeito Eduardo Paes. Uma de suas peculiaridades no trabalho é anotar num caderninho todas as pendências, tarefas e reivindicações de seus interlocutores. “Sou basicamente um ser analógico”, brinca. Tal hábito, devidamente notado em reuniões com artistas, como a que aconteceu na casa da produtora Paula Lavigne, virou motivo de piada e Calero ganhou o apelido de “ministro do bloquinho”.

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Ocupação do Palácio Capanema, Ocupa Minc
Ocupação do Palácio Capanema, Ocupa Minc ()

Filho de uma psicóloga e de um engenheiro, o diplomata orgulha-se de ser um típico tijucano. Morou na Rua Uruguai, cresceu na Praça Xavier de Brito e estudou no Colégio Marista São José. Sempre que pode visita a avó Carmen, de 94 anos. Foi no apartamento da matriarca que concedeu uma das entrevistas para esta reportagem. Era ali também que, quando criança, costumava almoçar. Não é à toa que os amigos o chamam de “filho da vó”, por causa de suas idiossincrasias à mesa: não toca em frutos do mar, torce o nariz para verduras, odeia frutas e só come feijão feito no dia. Atualmente instalado em um flat no Lago Sul, em Brasília, mantém seu apartamento no Rio, um três-quartos alugado na Lagoa. Católico, colocou três imagens de santo em seu gabinete na Esplanada dos Ministérios (Nossa Senhora de Fátima, Aparecida e São Sebastião). “Tenho uma intuição aguçada e acredito em energia”, confessa. Apaixonado por sambas-enredo antigos e por teatro, o ministro é fã de jingles de campanhas políticas e de documentários sobre o assunto. Calero, aliás, sempre sonhou com a política. Em 2010, testou a popularidade nas urnas. Saiu candidato a deputado federal com o slogan “A voz da Tijuca em Brasília”. Amealhou apenas 2 252 votos. Funcionários de seu gabinete no Rio costumavam brincar dizendo que o ambiente ali por vezes lembrava o da fictícia revista Runway, retratado no filme O Diabo Veste Prada, que era comandada por uma chefe extremamente exigente, temperamental e voluntariosa. Calero rejeita a comparação. “Sou ansioso e exigente, sim, mas jamais fui grosseiro com alguém”, diz. Sua capacidade de trabalho é elogiada até mesmo por pessoas que ocupam o outro lado do espectro político e que são contrárias ao impeachment de Dilma Rousseff, como o cineasta Luiz Carlos Barreto. “Gosto dele. É bem informado e tem uma percepção clara de que vivemos numa era de cultura de massa”, elogia Barretão.

Diferenças políticas à parte, o diplomata Calero comprou algumas brigas ao assumir o ministério. Logo no início de sua gestão, travou uma peleja com uma das maiores estrelas do cinema nacional, a atriz Sonia Braga. Na ocasião, a atriz e outros integrantes do elenco e da equipe de produção do filme Aquarius surgiram no tapete vermelho do Festival de Cannes portando cartazes de protesto contra o impeachment e associando o governo Temer a um golpe de Estado em curso no Brasil. O ministro qualificou o movimento de “totalitário” e “quase infantil”. A resposta da atriz veio implacável, pelo Facebook: “O Ministro da Cultura ofendendo artistas é inadmissível. O senhor está nesse cargo para dialogar, para nos ajudar, para fazer a ponte com quem nos explora”. Polêmicas à parte, o fato é que o futuro de Calero ainda resvala em incertezas, pois ele ocupa um posto executivo em um governo interino, até o julgamento do impeachment no Senado, o que deve acontecer provavelmente em agosto. “Tenho uma agenda tão pesada que nem penso nisso”, diz o tijucano. “Trabalho como se não existisse a hipótese de deixar o governo.” Confiança é o que não falta ao garotão do ministério.

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