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Rio visto de cima: há 25 anos, biólogo mantém olho vivo sobre a cidade

Crescimento urbano desordenado, falta de saneamento universalizado e de eficiência na gestão ambiental continuam saltando aos olhos

Por Paula Autran
19 ago 2022, 07h00

Muito antes de haver Google Earth e drones — recursos modernos aos quais se recorre em busca de imagens em 3-D e ângulos aéreos —, olhar para os problemas ambientais do Rio sob um ponto de vista mais abrangente e sistêmico era um desafio. Eis que, em 1997, o incansável biólogo Mario Moscatelli inventou de voar de ultraleve sobre a cidade munido de uma máquina analógica abastecida com um rolo de slide (sim, bem analógico mesmo). Surgia ali o Projeto Olho Verde, criado para monitorar, informar, denunciar e cobrar soluções para adversidades registradas de forma cada vez mais intensa aqui embaixo.

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“Comprovei que estavam todas associadas ao crescimento urbano desordenado, falta de saneamento universalizado e de eficiência na gestão”, afirma o ambientalista, que desde então ganhou o reforço de um helicóptero emprestado para sobrevoos bimestrais. Em meio a toda a degradação ocularmente testemunhada nestes 25 anos, ele avistou uma esperança no mais recente tour aéreo, em junho. “A Praia de Botafogo estava cristalina. Desde os anos 1970, pela primeira vez o cocô não está chegando lá”, entusiasma-se, lembrando que o singelo exemplo pode servir de inspiração para mudanças na política de saneamento, após a privatização da Cedae. Que assim seja.

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Quebra Mar/Projeto Olho vivo
Quebra Mar: águas que saem do sistema lagunar de Jacarepaguá comprometem a balneabilidade da região, principalmente durante a maré baixa. (Leo Lemos/Veja Rio)

Mas, a olhos vistos, muita coisa ainda precisa mudar. Segundo Moscatelli, a questão do saneamento não evoluiu nada em mais de duas décadas. “Os resultados das privatizações veremos nos próximos cinco anos”, avalia ele, que detecta entre os outros graves problemas a serem enfrentados o crescimento urbano desordenado, a falta de ordenação do uso do solo e de políticas habitacionais incipientes, responsáveis por todo esgoto e lixo que escorrem dos rios para as lagoas e baías.

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“As bacias hidrográficas da região metropolitana que consolidaram como grandes valas de lixo e esgoto. Nada absolutamente nada conseguiu dar um salto qualitativo positivo apesar das dezenas de bilhões de reais que foram gastos em eventos megalomaníacos ou projetos de recuperação que ou não saíram do papel ou não atingiram minimamente resultados positivos”, lamenta.

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A seguir, um resumo do que Moscatelli vem testemunhando ao longo de 25 anos de observação privilegiada:

Sistema Lagunar de Jacarepaguá:
“Já no final do século passado, e até muito antes disso, as águas que saíam do sistema lagunar de Jacarepaguá já comprometiam periodicamente durante a maré baixa o trecho de praia compreendida entre o Quebra-mar e o Pêpê. De lá para cá, a coisa só fez se complicar, acompanhando a contaminação da bacia hidrográfica local. Fruto do crescimento urbano (ordenado e desordenado) e da falta de saneamento universalizado, o encontro das águas de puro esgoto do Arroio Fundo com as águas contaminadas por cianobactérias tóxicas escoando pela lagoa do Camorim. Apesar de hepatóxicas e de frequentemente chegarem ao mar, e do perigo que isso representa tanto para a saúde da fauna residual como para os banhistas da Praia da Barra, nada tem sido feito para reverter a situação”.

Rio das Pedras/Projeto Olho vivo
Rio das Pedras: sem ordenação do uso do solo, favelas se expandem pela baixada de Jacarepaguá. (Leo Lemos/Veja Rio)

Favelas do canal do Cortado/Rio das Pedras/Anil:
“A questão da ordenação do uso do solo, bem como a existência de uma política de estado referente à habitação, nunca foi prioridade nos anseios dos políticos que por aqui passaram. Efeito disso foi a expansão e multiplicação de favelas na baixada de Jacarepaguá, várias em áreas
de proteção ambiental e ou em áreas naturalmente vulneráveis a desabamentos e ou inundações”.

Lagoinha das Taxas:
“A menor das cinco lagoas do sistema lagunar recebe abundante e permanente volume de esgoto. O problema fica evidenciado pela proliferação acelerada de gigogas que tomam totalmente seu espelho, encurtando sua vida como ecossistema”.

Baía de Guanabara:
“Palco de centenas de milhões de dólares investidos em supostos programas de recuperação, a Baía de Guanabara é o histórico ícone precursor do que iria acontecer com os demais ecossistemas da região metropolitana e do resultado do que 100 anos de uso predatório pode gerar em termos de passivo ambiental no que era considerado o paraíso ambiental sobre a Terra”.

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Canal do Mangue:
“Foz do que um dia foi o trecho de escoamento do Mangal de São Diogo, aterrado por conta da expansão da cidade, há muitas décadas escoa o esgoto do Centro da cidade e da Zona Norte em direção ao Porto do Rio de Janeiro”.

Canal do Cunha e Fundão:
“Receptor intermediário entre o complexo de favelas e a Baía de Guanabara, apesar de recentes trabalhos de dragagem e recuperação de seus manguezais, continua apresentando suas águas fétidas e pútridas bem na porta de entrada da cidade do Rio de Janeiro, onde principalmente
durante a maré baixa, o odor de gás sulfídrico é sentido até do alto do helicóptero”.

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