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Reforço na autoestima

A inauguração de empreendimentos e os investimentos públicos em infraestrutura transformam a Barra da Tijuca e resgatam o orgulho de seus moradores

Por Felipe Carneiro
Atualizado em 5 jun 2017, 14h18 - Publicado em 14 nov 2012, 16h37
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Placas de madeira compensada ainda cobrem o piso de mármore de Carrara. No forro de estuque branco, há buracos por onde eletricistas finalizam as instalações elétricas. Pelos corredores amplos e com pé-direto altíssimo, operários e técnicos trabalham em ritmo frenético, iluminados por imensas janelas e claraboias. Tudo com o objetivo de deixar o lugar impecável para a inauguração, que ocorrerá em 4 de dezembro. Essa é a data em que o Village Mall, o mais suntuoso centro de compras do Rio, promete abrir suas portas, na Barra da Tijuca. Ali, os cariocas poderão dar vazão a seu impulso consumista em meio ao que existe de melhor em produtos de luxo, como os diamantes das joalherias Tiffany e Cartier, os perfumes da rede francesa Sephora e as roupas classudas da britânica Burberry e da italiana Gucci. Não muito longe do shopping envidraçado, outro grande prédio de arquitetura arrojada, o complexo cultural Cidade das Artes, também segue tomado por uma movimentação incomum, depois de passar quatro anos fechado. Cerca de 100 técnicos e eletricistas montam equipamentos da Grande Sala Filarmônica, um belíssimo auditório revestido de freijó e ipê e com 1?800 poltronas vermelhas ainda embrulhadas em plástico. Em janeiro, estreia em seu palco, projetado para receber de óperas a concertos, a superprodução Rock in Rio, o Musical, orçada em 12 milhões de reais. “Com a inauguração, finalmente teremos aqui um polo de grandes espetáculos comparável às instalações da região central”, diz Emilio Kalil, ex-secretário municipal de Cultura e atual presidente da Fundação Rioarte, que administrará o espaço.

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Empreendimentos como o Village Mall e a Cidade das Artes são parte de uma dramática mudança em curso no território que se estende entre a Pedra da Gávea e o Recreio dos Bandeirantes. Desde que foi escolhido como o coração dos Jogos Olímpicos de 2016, o bairro tem recebido um afluxo de investimentos inédito em sua história. Ainda não há números oficiais, mas a previsão é que nos próximos quatro anos cerca de 30 bilhões de reais serão aplicados apenas em obras de infraestrutura e instalações para o evento. Os terrenos baldios ? marcas da região ? viraram canteiros de obras onde se erguem de prédios residenciais a hospitais. Novos sistemas de transporte começam a revigorar as sobrecarregadas vias de acesso a esse pedaço da cidade. Desde junho, os ônibus expressos da Transoeste conectam o terminal Alvorada a Santa Cruz, em um percurso de 31 quilômetros. Em um ano, começa a operar a linha Transcarioca, em direção à Zona Norte e ao Aeroporto do Galeão. A Linha 4 do metrô conectará, a partir de 2015, o Jardim Oceânico a Ipanema. Tantas mudanças não têm impacto apenas na paisagem e no desenvolvimento econômico. Elas inflaram também a autoestima dos moradores, que não escondem seu entusiasmo com o lugar onde vivem. Uma pesquisa encomendada por VEJA RIO à agência digital LabPop Content, do Grupo Approach, constatou que 81% dos entrevistados têm orgulho da Barra e 73% não a trocariam por nenhum outro canto da capital. “Acabou aquele constrangimento em ser chamado de emergente”, afirma Henrique Serra, o coordenador do estudo.

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Na coleção de preconceitos destilados nas mesas dos botequins cariocas, um dos mais recorrentes é o de que a Barra da Tijuca é reduto de novos-ricos, pagodeiros e jogadores de futebol de modos espalhafatosos e gosto cafona. Simplória em sua essência, tal concepção ignora um considerável contingente de cariocas que cruzaram o Túnel Dois Irmãos justamente em busca de condições de vida melhores do que as que tinham do outro lado ? e estão muito felizes com sua decisão. O levantamento produzido pela LabPop Content revela que 47% dos entrevistados saíram da Zona Sul, contra 26% da Zona Norte e apenas 11% de outros bairros da Zona Oeste. “Já estou acostumada a discutir sobre a Barra, sempre defendendo meu pedaço”, conta Janine Sad, dona da importadora de vinhos Cavist, que há oito anos deixou Copacabana e se instalou em um amplo apartamento voltado para o Canal de Marapendi. Os argumentos que Janine desfia para os amigos recalcitrantes são inúmeros: apartamentos modernos e confortáveis, espaço amplo, natureza abundante, tranquilidade dentro dos condomínios, vida noturna agitada fora deles, e por aí vai. E o trânsito caótico, uma aflição para mais da metade dos moradores ouvidos na pesquisa? Janine, que vai a Ipanema e Leblon com frequência para visitar suas lojas, até enxerga um lado bom nisso também: “Eu aproveito o tempo que passo no carro para ouvir música”, diz ela.

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Pergunte a um morador qual a maior vantagem do bairro comparado aos demais, e a resposta virá de imediato: qualidade de vida. Com a segunda renda per capita mais alta da cidade, de 2?488 reais mensais, ficando atrás apenas da Lagoa, a Barra tem 136?000 habitantes espalhados por 48 quilômetros quadrados. Para efeito de comparação, Copacabana concentra 146?400 espremidos em

4 quilômetros quadrados. Dos 56 shoppings do Rio, catorze ficam no trecho entre São Conrado e Recreio. Boas escolas também não faltam. O Colégio Santo Agostinho e a Escola Britânica, duas das mais prestigiadas instituições de ensino da cidade, dispõem de filiais que rivalizam em infraestrutura, qualidade e opulência com as sedes na Zona Sul. No Condomínio Santa Mônica, segue em ritmo acelerado a construção da nova unidade da Escola Americana, com capacidade para 450 alunos e início de funcionamento marcado para agosto de 2013. Na área de saúde, assiste-se à abertura de uma leva de clínicas e hospitais. Em dezembro, a Unimed vai inaugurar mais um centro médico, com 230 leitos. A Rede D?Or, dona do Barra D?Or, planeja entregar em 2015 sua segunda unidade na região, o Barra Star, voltado para atendimento de altíssimo padrão. O maior de todos, no entanto, será o Hospital das Américas, do Grupo Amil, a ser entregue no próximo ano. Trata-se de um complexo de dois hospitais (um deles batizado de Samaritano Barra), com 480 leitos, além de uma maternidade, que, juntos, formarão o maior centro de atendimento médico privado do estado. “A Barra reúne duas características únicas no Rio: demanda por atendimento de primeira linha e espaço disponível para a abertura de novas instalações”, analisa o médico Gilberto Ururahy, dono da clínica MedRio, que vai inaugurar no dia 13 uma filial com uma área 20% maior que a da matriz em Botafogo.

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Em meio a uma cidade de passado riquíssimo, em que a paisagem urbana praticamente se confunde com a história do Brasil, a Barra da Tijuca é um ponto fora da curva. Ao contrário de outras áreas, que partiram de um núcleo modesto e se expandiram no decorrer do tempo, o bairro nasceu da cabeça de um único homem. Em 1969, o governador do então estado da Guanabara, Negrão de Lima, encomendou ao urbanista Lucio Costa, o autor do Plano Piloto de Brasília, um projeto de ocupação para o vasto areal que se estendia depois de São Conrado. Foi Costa quem desenhou os largos eixos de tráfego, como as avenidas das Américas e Ayrton Senna, e idealizou os condomínios fechados com espigões de mais de vinte andares, justapostos a conjuntos comerciais com torres de escritórios e centros de compras. Também foi ele quem fez questão dos amplos espaços vazios com reservas de vegetação nativa. O mestre da prancheta previu ainda que, depois de se estender por toda a orla, o fluxo de ocupação e desenvolvimento caminharia para o Centro Metropolitano, atrás das lagoas de Camorim e Jacarepaguá, indo ao encontro da Zona Norte, o que completaria a integração da região com o resto da metrópole. “O plano do Lucio Costa tem sido seguido até hoje, e os Jogos Olímpicos, com foco justamente nessa área, deram o impulso que faltava à concretização da etapa final”, explica o urbanista Nireu Cavalcante, professor da Universidade Federal Fluminense. “É um dos raros lugares do Rio onde o planejamento urbano foi posto a serviço do desenvolvimento.”

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[—FI—]

Embora criticado por moradores de outras áreas, que fazem troça da falta de esquinas e do uso constante dos carros, tal modelo apresenta vantagens óbvias. “Eu moro e trabalho a menos de 1 quilômetro do shopping, onde resolvo toda a minha vida. Corto o cabelo, passo no banco, faço compras, almoço ou janto no meu restaurante preferido e vou ao cinema, tudo no mesmo lugar”, resume o advogado Carlos Felipe Carvalho, vice-presidente da construtora Carvalho Hosken, fundada por seu pai, Carlos Carvalho. Ex-morador do Leblon, ele mudou-se para um apartamento à beira da Lagoa da Tijuca quando se casou com Nayla Ribeiro, há dois anos. “Não sinto falta nenhuma dos tempos da Zona Sul”, diz Carvalho. Quem busca lazer em meio à natureza também encontra farta opção de atividades nos 15 quilômetros de orla, junto a parques e reservas ambientais. Bruno Chamma, sócio de uma agência de publicidade, tira o máximo de proveito de morar praticamente ao lado do lugar onde trabalha. “Se tiver onda, eu só preciso descer a rua para surfar com o visual da Pedra da Gávea e da reserva florestal, e dá tranquilamente para chegar às 9 horas ao escritório”, conta o publicitário, que pratica stand up pad-dle nos dias de mar calmo. “Quem fala mal da Barra não conhece o que existe aqui”, afirma o empresário Roger Sabdag, dono da rede de lojas de calçados Via Mia, morador de um condomínio na Avenida das Américas.

Apesar de todas as virtudes de uma região em franco desenvolvimento, a Barra não é uma ilha da fantasia. O trânsito pesado, os congestionamentos e a opção pelo transporte individual criaram um nó viário que, espera-se, será resolvido, ao menos em parte, com o metrô e os BRTs. Da mesma forma, a ocupação urbana deixou lacunas graves sobre a casca de modernidade no que diz respeito ao sistema de esgoto. Sem rede de coleta e tratamento, as lagoas da região viraram pontos de despejo de dejetos. A Cedae tem instalado dutos coletores e promete até 2015 a entrada em operação de duas estações de tratamento, uma na Avenida Abelardo Bueno e outra perto da Praia da Reserva. São medidas mais do que necessárias, pois um lugar tão admirado por quem vive nele, tão bonito e funcional, merece saneamento básico digno do seu orgulho.

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