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Moradores e surfistas se unem para despoluir a praia de São Conrado

Líderes comunitários, ativistas, atletas e artistas como Gabriel, o Pensador integram ações em torno de urgências ambientais

Por Clara Behrens, Maria Fernanda Guerra e Sergio Gelio*
Atualizado em 12 jul 2022, 11h47 - Publicado em 12 jul 2022, 11h44

“O esgoto no mar faz muito mal para a nossa saúde”, comenta Maria Clara Simas, de 12 anos. Seringas, máscaras, garrafas pet e isopor são encontrados diariamente na praia de São Conrado há mais de 20 anos. A incômoda  rotina atravessa sucessivas gestões públicas. Para combater a poluição, moradores, surfistas e ativistas se unem em torno da defesa ambiental. Todo fim de semana eles se reúnem em frente ao antigo hotel Intercontinental todo para recolher lixo e ajudar animais contaminados. 

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O trabalho começa cedo, logo depois do café da manhã comunitário providenciado por professores das escolinhas de surfe. As ações conjuntas derivam do projeto Salvemos São Conrado, criado em 2012 pelo bodyboarder Marcello Faria para alertar sobre o problema e integrar esforços em busca de soluções.

A iniciativa nasceu com o propósito de recolher o lixo sólido acumulado na areia e compartilhar as denúncias do descaso com o local. “Sou nascido e criado na Rocinha. Pego onda em São Conrado desde os 10 anos. Eu via a quantidade de lixo e ficava pensando como aquilo chegava à praia. Comecei coletando garrafas pet. Nas redes sociais, mostrávamos o esgoto junto às ondas, e a galera passou a compartilhar. Fizemos postagens convidando as pessoas para participarem das ações com a gente. Os próprios moradores de São Conrado e da Rocinha viram que era uma chamada em prol do planeta”, relata Faria.

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Os voluntários do Salvemos São Conrado recolhem mais de 1.300 pedaços de isopor; 800 garrafas pet; 770 tampinhas plásticas; 280 pedaços de plástico; 160 pedaços de papel e mais de 50 canudos plásticos. Por vez. 

Foto mostra voluntários segurando sacolas de lixo
Trabalho voluntário: os próprios moradores da região se engajam nas ações de recolhimento (Clara Assuncao/Divulgação)

Os ativistas espalham o movimento em várias partes do bairro. Ajudam, por exemplo, a ensinar reciclagem às crianças nas escolas da Rocinha. 

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A mobilização estimulou o engenheiro canadense Arian Rayegani, morador da comunidade, a montar o programa Na laje designs. Ele desenvolveu um equipamento para produzir skates com garrafas pet e tampinhas. Arian conta ter produzido 20 skates com uma doação.

O movimento é apoiado também por surfistas profissionais e, sobretudo, amadores que encaram, além das ondas, a poluição.  Na primeira etapa do Circuito Brasileiro de Bodyboard, em abril, os participantes comprometeram-se a colaborar com o mutirão de faxina organizado pela turma do Salvemos São Conrado. Dois dias antes do início da competição, atletas e moradoras uniram-se numa limpeza da praia. A prática é comum em campeonatos de surfe, esporte historicamente ligado à natureza e às causas ambientais.

Surfistas de hoje e de ontem sistematicamente confrontam-se com a crônica precariedade de saneamento.  Evidenciado nas antigas línguas negras, o problema estende-se por décadas. Para o presidente da Associação de Surf de São Conrado, Carlos Belo da Silva, o Mister, as obras de canalização não surtiram o efeito desejado.  “Quando [o esgoto] era concentrada no meio do mar, ficava mais fácil de limpar. Não se espalhava por toda parte”, avalia Mister, também fundador do projeto Vivendo um Sonho Surf.

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O governo esperava, com a obra, acabar com o lixo gerado em frente ao hotel Intercontinental. O esgoto da Rocinha era escoado por uma tubulação diretamente para o mar no costão da Avenida Niemeyer até a Elevatória do Leblon. Em seguida, descia para o emissário submarino de Ipanema. A cada mudança de administração, os avanços no saneamento básico esbarram em limitações orçamentárias

A ampliação e modernização da estação elevatória de esgoto, parte do programa Sena Limpa, previstas para 2013, ainda não saíram do papel. Dobrariam a capacidade de bombeamento. No cronograma da prefeitura, a área do Costão da Niemeyer já deveria ter ficado c​​ompletamente despoluída em dezembro daquele ano. 

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Segundo o diretor da Águas do Rio, Sinval Andrade, continuam planejadas: “Conseguimos melhorar o funcionamento na elevatória. Está dentro da nossa programação ampliá-la e modelar a linha de recalque. O bombeamento terá a capacidade certa para o tubo suportar com segurança”, projeta. Ele argumenta:

“A prefeitura opera uma bacia de retenção de resíduos antes da nossa elevatória (grande grade para reter o lixo).  Em tempo seco, o lixo é removido e levado para o aterro sanitário. Isso fora o sistema de coleta na Rocinha. Essa limpeza é feita de maneira manual. Quando há chuvas excepcionais, muito lixo é trazido da Rocinha. Por ser muito veloz e em grande volume, o fluxo entope rapidamente. A água com resíduos passa por cima da grade, levando o excedente à praia”.  

Foto mostra pessoas na praia de São Conrado retirando lixo
Lixo na praia: voluntários recolhem milhares de resíduos a cada ação (Clara Assuncao/Divulgação)

O despejo de esgoto na praia ameaça não só meio ambiente e o bem-estar. Prejudica também a economia. Afasta eventos e oportunidades turísticas, ressalta Marcello: “A balneabilidade da praia foi comprometida. Isso trouxe danos ambientais e econômicos. Deixa o local menos atraente à prática de esportes e ao lazer. E o odor de esgoto ainda espanta clientes dos quiosques”.

Espantou, em 2016, o Mundial de surfe. São Conrado seria a sede alternativa da etapa brasileira. Mas a poluição transferiu a opção para o Postinho da Barra da Tijuca. 

Agora em 2022, São Conrado registrou uma maior concentração de coliformes termotolerantes (microorganismos causardores doenças graves) em fevereiro e maio. O cantor Gabriel, o Pensador vivenciou os impactos da poluição na saúde. Ele relata ter contraído hepatite aos 14 anos enquanto pegava onda por lá. Até por isso, tornou-se ativista ambiental.

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O rapper mobiliza seguidores com publicações e composições relacionadas a questões ambientais. Gabriel busca, com as suas músicas, ampliar a consciência e o debate sobre a urgência das demandas relacionadas ao meio ambiente. “Arte, poesia e música traduzem um sentimento de revolta, tristeza e protesto. As pessoas se identificam e se sentem representadas”, ressalta.

* Clara Behrens, Maria Fernanda Guerra e Sergio Gelio, estudantes de Jornalismo da PUC-Rio, com orientação de professores da universidade e revisão final de Veja Rio.

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