Mercado imobiliário enfrenta sua pior crise em décadas
Os tempos de euforia se foram e o setor estagnou, com apartamentos encalhados, preços caindo e muitas promoções numa tentativa de aquecer as vendas
Mais ambicioso empreendimento imobiliário em construção no Rio, o complexo Ilha Pura deve ser entregue em fevereiro de 2016. O projeto ostenta 31 torres divididas em sete condomínios e erguidas ao custo de 2,4 bilhões de reais. Trata-se do bairro que abrigará a Vila dos Atletas durante a Olimpíada e a partir do ano seguinte receberá seus moradores definitivos. Desde o início, o objetivo do consórcio formado pelas construtoras Carvalho Hosken e Odebrecht foi erguer no Rio o mais luxuoso alojamento esportivo já visto na história dos Jogos. Os jardins são assinados pelo escritório Burle Marx, as unidades dispõem de recursos sustentáveis e os prédios contam com tecnologia de ponta como elevadores de alta velocidade fabricados na Coreia do Sul. Há exatamente um ano, parte dos imóveis foi lançada com preços que vão de 750 000 a 3 milhões de reais. Para seduzir os clientes, as construtoras gastaram 40 milhões de reais em um gigantesco estande de vendas, onde se instalou a maior maquete já vista na cidade. O investimento, porém, tornou ainda mais amargo o fracasso comercial do projeto. De um total de 3 604 apartamentos, 600 foram ofertados, mas apenas 230 foram efetivamente vendidos no primeiro ano. “Isso é coisa nenhuma, não representa nem 10% do negócio”, lamenta Carlos Fernando de Carvalho, dono da Carvalho Hosken. “Estávamos prontos para lançar tudo, mas não adianta. Faltam compradores”, completa ele. As duas empresas estão preparadas para o pior: se até 2018 os negócios não evoluírem, os apartamentos serão destinados à locação, uma operação pouco usual em empreendimentos de tal porte e ambição.
O revés sofrido pelo complexo de Jacarepaguá é um retrato emblemático da tormenta que assola o mercado imobiliário carioca. Depois de um período de euforia sem precedentes e preços estratosféricos, o setor sofreu um violento baque. Em todo o Rio, especialistas calculam que há mais de 20 000 unidades recém-construídas à espera de donos. Só a Cyrela, construtora líder no país, tem o equivalente a 1,5 bilhão de reais em estoque de imóveis na cidade. “O segmento foi atingido em cheio pela crise econômica e política do país. As pessoas estão temerosas de fazer investimentos”, avalia Leonardo Schneider, vice-presidente do Sindicato da Habitação (Secovi-Rio). A valorização desenfreada, vista em bairros como o Leblon, onde apartamentos tiveram seu preço até quintuplicado entre 2009 e 2013, é coisa do passado. A tendência agora é que os valores sofram ajustes para baixo, diante do sumiço dos compradores. Para efeito de comparação, enquanto a Ilha Pura continua com suas unidades encalhadas, um projeto similar, o da Vila do Pan, lançado em 2005, vendeu todos os seus 1 480 apartamentos em apenas seis horas. Tal feito levou Rubem Vasconcelos, presidente da Patrimóvel, a maior imobiliária do Rio, a figurar no Guinness Book, o livro dos recordes. “Agora o cenário é outro. Esta é a maior crise que conheci em 35 anos de experiência”, diz. Nos últimos meses, o empresário precisou dispensar 800 corretores, fechar cinco filiais e viu seu faturamento despencar 70%.
+ Preços de imóveis na Zona Sul começam a cair
Com imóveis sobrando e preços em queda, a crise no setor vai desenhando um panorama desolador nas novas fronteiras imobiliárias da cidade. Áreas que vinham crescendo e se desenvolvendo rapidamente, embaladas pelos novos condomínios, começam a ter lançamentos adiados indefinidamente. A construtora Carvalho Hosken, a mesma que ergue a Vila dos Atletas, suspendeu um projeto batizado provisoriamente de Gleba F, uma expansão do condomínio de luxo Península, na Barra. Da mesma forma, a luz vermelha se acendeu no Centro Metropolitano, também tocado pela empresa, próximo ao Parque Olímpico, onde não há previsão de início da construção de trinta edifícios. Com vinte obras em curso no Rio, a RJZ Cyrela, por sua vez, desistiu de erguer agora um prédio na Península e a terceira torre do Riserva Golf, o mais luxuoso residencial em obras no Rio, com pórtico copiado da loja da Louis Vuitton de Singapura e apartamentos com preço a partir de 5,7 milhões de reais. “Sabemos que estamos no meio de um furacão, mas não temos a menor ideia de quanto tempo isso pode durar. Só retomaremos esses lançamentos quando percebermos sinais de melhora no mercado”, diz Rogério Jonas Zylbersztajn, vice-presidente da RJZ Cyrela. A situação é tão crítica que as construtoras nem estão tão preocupadas com problemas como inadimplência, que sempre crescem nessas ocasiões. O que elas temem mesmo é o fantasma do chamado distrato. Embora não haja dados oficiais, as empresas já registram um sensível aumento no número de clientes que estão rescindindo contratos — e retomando parte do que pagaram. Foi o que fez o advogado Marco Cerva, 47 anos. Depois de assinar a promessa de compra e venda com a Construtora Breogan e dar 17 000 reais de sinal em um sonhado apartamento de três quartos no Méier, ele decidiu voltar atrás. “O financiamento que o banco me concedeu era pior do que o prometido pela construtora. Tive receio de arcar com prestações altas e a crise piorar”, relata.
Em um simples passeio por alguns bairros no fim de semana é possível ver junto a sinais de trânsito, onde chovem folhetos de construtoras, o esforço hercúleo para reverter o cenário. Há anúncios de feirões, saldões e todo tipo de oferta. A Gafisa, por exemplo, fez uma campanha em que arcava, até 2020, com IPTU e condomínio das unidades residenciais vendidas. Passagens aéreas para os Estados Unidos foram atrativos oferecidos pela Brookfield aos compradores de um de seus empreendimentos. Numa atitude impensável em outros tempos, várias empresas também acenam com descontos de até 50%, como a Even. Foi diante de apelos como esse que a dentista Angélica Mendes, 38 anos, encontrou uma oportunidade única. Ela adquiriu um três-quartos no Recreio que custava 800 000 reais por 530 000. “Vinha adiando a compra por causa dos preços, mas agora a situação está favorável ao comprador”, diz. Ao fechar o negócio, ela conseguiu ainda que a construtora João Fortes instalasse os armários da cozinha e pagasse um ano de TV a cabo na nova casa. “No momento em que as pessoas temem se endividar, as empresas precisam fazer concessões. Aí, quem pode mais oferece mais para alavancar as vendas”, diz João Paulo Matos, presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi). Como diretor da Construtora Calçada, Matos lançou mão de estratégias como dar aos compradores carros populares, eletrodomésticos de linha branca e até pagar por eles as dez primeiras prestações de um novo financiamento.
A conjunção de fatores que ajudou o Rio a ser catapultado à posição de uma das cidades mais caras para morar no planeta, com transações que desbancavam as de metrópoles como Xangai e Hong Kong, já não existe mais. O entusiasmo com o pré-sal, a euforia do consumo desenfreado, do pleno emprego e do Brasil como potência emergente são meras lembranças em meio à enrascada econômica em que estamos metidos hoje. Quase ao mesmo tempo que o país teve o seu grau de investimento rebaixado, os juros da casa própria subiram pela terceira vez neste no ano — as taxas chegam a 14% — e os bancos se tornaram mais restritivos. Os investidores, que buscavam ganhos imediatos, sumiram. E áreas tidas como a menina dos olhos da corrida imobiliária, como a Zona Portuária, enfrentam a estagnação. Primeiro edifício empresarial a ser erguido no Porto Maravilha, o Port Corporate Tower, com 22 andares, foi inaugurado em novembro de 2014. Quase um ano depois, o prédio, com o selo da empresa americana Tishman Speyer e que custou 300 milhões de reais, continua com a maioria das salas vazia. Dois outros grandiosos projetos, com lançamento previsto para agora, ainda não saíram do papel: o hotel Holiday Inn Porto Maravilha, empreendimento da Odebrecht com 32 pavimentos, e as Trump Towers, complexo de seis torres e cinquenta andares que tem à frente o bilionário americano Donald Trump. “O projeto do Porto já era de médio e longo prazos, mas por causa da recessão vai demorar um pouco mais”, prevê Leonardo Schneider, do Secovi-Rio.
O fim da farra imobiliária a que estávamos acostumados, em que o dinheiro fluía com facilidade e negócios eram fechados em um piscar de olhos, não significa que o setor não voltará a apresentar os sinais de vigor que teve no passado. Analistas da área acreditam que o Rio tem tudo para sair da estagnação na frente de outras cidades. Dois fatores sustentam a tese: as grandes obras de infraestrutura urbana em curso e a exposição internacional que teremos com a Olimpíada. Como uma espécie de bônus a essa visibilidade, a alta do dólar torna os negócios por aqui bastante atraentes para os estrangeiros. “Já existem fundos de investimentos internacionais querendo adquirir lotes de apartamentos”, afirma Rubem Vasconcelos, da Patrimóvel. A máxima de que a propriedade é o bem mais seguro também ajuda a manter o setor vivo — mesmo com o ritmo moroso. “Sou o tipo de pessoa que até na crise acredita que o imóvel é um bom negócio”, ressalta o médico imunologista Luiz Weber-Bandeira. Há mais de dois anos ele comprou quatro salas comerciais na Barra, e, diante da enxurrada de ofertas, não conseguiu alugá-las. Só no seu condomínio, há outras 200 salas fechadas, na mesma situação. Apesar da experiência malsucedida, está disposto a reformar a sua clínica, em Botafogo, e criar dois andares destinados a locação para médicos. “Mesmo que não dê retorno imediato, é um investimento para os meus filhos.” Agora, resta torcer para a maré virar.