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Corações valentes

Elas abriram mão da carreira profissional, mudaram sua vida e se adaptaram a uma dura rotina por amor a seus filhos com necessidades especiais

Por Sofia Cerqueira e Leticia Pimenta
Atualizado em 5 jun 2017, 14h01 - Publicado em 15 Maio 2013, 14h17

Por quatro anos, a pedagoga Andrea Franco Abbott tentou engravidar, sem sucesso. Até o dia em que decidiu recorrer a um especialista em reprodução assistida. Depois de uma gravidez tranquila e feliz, em novembro de 2005 nasceu o tão desejado filho. Renzo era um bebê rechonchudo, sorridente e incrivelmente calmo. Quando ele tinha 2 anos e 2 meses, os pais estranharam o fato de o menino ainda não balbuciar uma palavra sequer. Procuraram um médico, e já na primeira consulta veio o diagnóstico: autismo. O choque levou Andrea a varar dias e noites à frente do computador em busca de informações sobre a síndrome e uma possível cura ? alento que a ciência, infelizmente, ainda não oferece. “Logo percebi que ninguém tem o controle sobre o futuro e que eu não podia ficar parada chorando”, recorda. Ela deixou o emprego de professora e, desde então, faz tudo para que o filho supere suas limitações. Como muitos autistas, ele ainda não fala e tem dificuldade de socialização. Também não consegue compreender conceitos abstratos, o que faz com que a casa da família, na Ilha do Governador, seja enfeitada com fotos. No banheiro, imagens mostram crianças escovando os dentes, tomando banho e usando o vaso sanitário. Na cozinha, o tema gira em torno do manuseio de talheres. Tudo para dar exemplos ao menino de 7 anos. “Eu sempre o estimulo a que seja mais autônomo. Cada pequeno progresso é uma festa”, conta a mãe. Desde agosto do ano passado, Renzo frequenta uma turma de alfabetização em uma escola especializada em Laranjeiras, uma conquista incomensurável para Andrea, de 37 anos.

foto Felipe Fittipaldi
foto Felipe Fittipaldi ()

A maternidade costuma ser definida como um divisor de águas na vida de uma mulher. Pelo senso comum, é a partir da gestação que ela exerce com plenitude tanto seu papel biológico (procriação da espécie) como cultural (constituição da célula básica da sociedade). Receber a notícia da gravidez, por mais desejada e planejada que seja, é sempre um impacto que naturalmente vem acompanhado de um turbilhão de emoções. Imaginar as feições, o temperamento e até o que o nenê vai ser quando crescer é inevitável. Uma sombra, entretanto, paira sobre tanta expectativa: o medo de ter um filho imperfeito. Para a maioria das mulheres, tal preocupação é considerada apenas um temor pueril, rapidamente esquecido depois do nascimento. Para uma pequena parcela, porém, ele vira realidade, seja imediatamente após o parto, seja nos primeiros anos de vida. Estatísticas internacionais mostram que entre 3% e 4% das gestações resultam em crianças com alguma limitação física ou mental, ou com doenças debilitantes congênitas. Levando-se em conta os diagnósticos tardios, até os 5 anos de idade esse contingente amplia-se para 7,5% (incluídos aí cardiopatias, defeitos ósseos, musculares e outros exemplos de malformação). O impacto desse acontecimento é, sem exceção, devastador. “O filho é a concretização de todas as nossas fantasias. Quando ele tem algum problema, o primeiro pensamento que vem à cabeça é ?O que eu fiz para merecer isso???”, explica a psicanalista Márcia Neder, especialista em relacionamento familiar.

arquivo pessoal
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Não existe um comportamento-padrão para enfrentar a chegada de um bebê com limitações. As reações vão da negação temporária, em que se acredita que a deficiência tem cura, à rejeição. Nesse caso, os cuidados são delegados a terceiros, como enfermeiras, terapeutas ou escolas e instituições especializadas. Mas há um contingente de mães que não só tomam para si a tarefa como se superam nos cuidados de seus filhos especiais. Tais mulheres, em uma prova de abnegação comovente, abrem mão da vida profissional, lutam por vagas e contra o preconceito em escolas, buscam os tratamentos mais avançados disponíveis e comemoram cada pequena conquista. “E é justamente nesses casos que percebemos um progresso maior das crianças”, explica a neuropediatra Carla Gikovate. Com 3 anos, Antonio Pedro Maia Matos sofre de paralisia cerebral, disfunção sem prognóstico claro e com evolução incerta provocada por asfixia durante o parto. Ele até agora não anda, não fala, não come sozinho nem se sustenta sentado. “Mas entende tudo o que acontece ao seu redor”, diz a mãe, Adriana Maia, roteirista de TV, 32 anos. Assim que o filho nasceu, ela trocou o emprego fixo por trabalhos temporários para poder se dedicar a ele. Com uma agenda repleta de atividades, o garotinho, além de fazer fisioterapia, terapia ocupacional e ir a sessões de fonoaudiologia, frequenta o maternal em uma escola da Barra, onde a família mora. “É claro que é complicado, cansativo, mas não caí na armadilha de tornar o drama maior do que ele é. Em vez de ficar reclamando, valorizo o que o Antonio Pedro trouxe de bom. Optei por ser e torná-lo feliz”, diz Adriana.

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arquivo pessoal
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No esforço de cuidar dos filhos com limitações ou doenças debilitantes, é comum que as mulheres se vejam obrigadas a mergulhar em um universo completamente diferente do de outras mães, formado por terapias sofisticadas, tratamentos experimentais e sintomas ou comportamentos dificilmente observados nas demais crianças. Não raro, o impacto na estrutura familiar é tão traumático que o próprio casamento não resiste e se desfaz. O contrário também costuma acontecer, ao envolver irmãos, pais e até avós. Um drama vivido por sua filha Arminda, mãe de Pedro, um autista, levou a pedagoga Maria Regina Angeiras a rever seus planos de aposentadoria. Há cinco anos, incomodada com o acolhimento que o neto recebia nas escolas da cidade, mesmo as que se diziam inclusivas, Maria Regina decidiu abrir uma instituição capaz de educar portadores de autismo, a Divertivendo, em Laranjeiras. “Embora meu neto tenha passado por vários colégios, eu percebia que não havia um trabalho específico para alunos como ele. As crianças ficavam muito soltas”, recorda. Hoje, Pedro, um rapazinho de 15 anos, não estuda mais lá. Em compensação, abriu caminho na escola para outras doze crianças que enfrentam as mesmas dificuldades que teve.

Criar um filho portador de necessidades especiais significa conviver com indagações e questionamentos por praticamente toda a vida. No início, as perguntas são: ele vai falar? Vai aprender a ler e a escrever? Depois, imagina-se se terá amigos, se namorará, se vai conseguir trabalhar ou se casar. “As dificuldades não acabam, mas se amenizam à medida que as crianças crescem. No entanto, ressurgem com força a cada nova etapa da vida”, diz a fonoaudióloga Valderez Paes Lemes. A professora Eliane Mendes Louzada vive hoje um desafio peculiar. No começo do ano, viu sua filha mais velha, Thaís, de 25 anos, formar-se em serviço social pela PUC. Foi uma longa jornada para a jovem, portadora de paralisia cerebral. “Sempre sonhei com sua independência”, conta a mãe. A jovem ainda tem dificuldades motoras em tarefas como escovar os dentes e pentear-se, mas anda sozinha de ônibus e metrô. Há dois anos, viajou com três amigas para Paris e Madri. Agora a batalha de Eliane é para que a filha, que já estagiou na Petrobras e no Instituto Nacional do Câncer, consiga seu primeiro emprego. “Ela sempre acreditou no meu potencial e me incentivou a nunca deixar de lutar pelos meus objetivos. Acho que consegui chegar até aqui justamente por seu apoio em minhas batalhas”, reconhece Thaís. Poderia haver presente melhor em um Dia das Mães?

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