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Light completa 18 meses como nº 1 em ações em tribunais de pequenas causas

De janeiro a junho de 2018, a média registrada foi de mais de 200 processos por dia

Por Saulo Pereira Guimarães
Atualizado em 6 jul 2018, 07h01 - Publicado em 6 jul 2018, 07h00
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Campeã de processos – em meio a uma ofensiva contra os gatos, que consomem 15% da energia fornecida, a Light também precisa enfrentar outro adversário: o número recorde de ações judiciais movidas pelos clientes (Dabldyef/ISTOCK)

A rua, no bairro do Grajaú, é sossegada. Parece bobagem, mas esse detalhe só aumentou a tensão inevitável da cena. Do portão do prédio, o funcionário uniformizado avisou sobre o corte de energia por falta de pagamento. Lá de cima, da varanda do apartamento, a moradora do 1º andar enfiou-se numa acalorada discussão a distância, mas não teve jeito. Daniele Telles, o marido e o filho pequeno terminaram o dia no escuro e com a imagem um tanto chamuscada na vizinhança. Eis o clímax da história, mas a novela havia começado em maio. Ela recebeu a conta do mês e estranhou o valor alto. Quitou a fatura, para evitar problemas, e fez uma reclamação formal. No último dia 13 veio a surpresa, na forma da visita técnica e do escândalo na porta de casa. Ocorre que, descobriu-se depois, a concessionária havia reconhecido o erro de cálculo e emitido uma nova conta referente a maio, mas não enviou o boleto — a cliente, então, tornou-se inadimplente sem saber, mesmo depois de pagar a versão mais cara da conta, e teve o fornecimento de luz suspenso. “Ainda que houvesse atraso, eles não poderiam me expor dessa forma aos vizinhos”, reclama Daniele. “Já tive problemas com outras empresas antes, mas nunca nada que tivesse chegado a esse ponto de stress e constrangimento.” Por ambas as razões, ela entrou na Justiça, engrossando uma multidão em litígio nos tribunais do Rio com a concessionária.

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(Arte/Veja Rio)

À frente de bancos e telefônicas, a Light é a empresa mais acionada na Justiça do estado há dezoito meses consecutivos, através dos Juizados Especiais Cíveis (JECs), conhecidos como tribunais de pequenas causas. De janeiro a junho de 2018, a média registrada foi de pouco mais de 200 processos por dia. O total nesses seis meses, 37 668 ações, representa um aumento de 21% em relação ao mesmo período do ano passado. Centro, Tijuca e Zona Sul concentram grande parte dos processos. A bronca, no entanto, é livre e por razões das mais variadas. Marcelo Delgado, dono de uma loja de jogos de tabuleiro na Barra, sabe bem disso. Seu empreendimento teve a inauguração, no segundo semestre do ano passado, atrasada em trinta dias porque o antigo ocupante do imóvel havia “pendurado” uma conta de 250 reais na Light. O empresário quitou o débito por conta própria, mas a demora no religamento da força enterrou de vez o plano de abrir as portas no tempo previsto. Sem eletricidade, não havia como fazer as obras e, sem as obras, não havia como entrar em funcionamento — e começar a recuperar o dinheiro investido. Delgado, agora, busca reaver pelo caminho judicial os 20 000 reais que afirma ter desembolsado com aluguel, condomínio e outras despesas, enquanto lutava pelo fornecimento de energia. “Em menos de dois meses, foram seis ligações infrutíferas para a empresa, além de dois prazos dados e descumpridos”, conta. “Não é um serviço, é um desserviço.”

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Casos de processos por causa de erros no valor das contas e de demora no religamento da energia existem aos montes nos juizados do Rio, mas um capítulo decisivo no histórico contra a Light envolve os Termos de Ocorrência e Inspeção, os TOIs. Enviados após vistorias nos relógios de luz, esses documentos informam quando o usuário tem um medidor com problemas em seu imóvel e, consequentemente, o intimam a pagar pelo consumo não contabilizado. Foi o que aconteceu com a aposentada Josefina Grolla e o marido, ambos com mais de 70 anos, moradores de um apartamento em Jacarepaguá. A conta de luz, em geral, não passava dos 150 reais, mas, depois de receber um TOI, o casal descobriu-se diante de um débito de 6 680 reais, a serem pagos parcelados nos próximos cinco anos. Dona Josefina garante que o relógio estava em bom funcionamento, reclama do aumento da conta, dobrada pela incidência dos valores extras cobrados, e agora espera que o Poder Judiciário aponte quem tem razão. Em caso semelhante, com direito a TOI, cobrança extra e rusgas entre cliente e técnico da empresa, a Justiça favoreceu Durval Goulart, de Nova Iguaçu. Causa ganha, ele criou no Facebook o grupo Vítimas do Golpe da Light, ponto de encontro virtual de mais de 4 000 usuários com histórias parecidas. “Passei 22 dias sem luz e eles ainda insinuaram que eu estava roubando energia. Agora, aguardo o pagamento da indenização de 15 000 reais”, resume.

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(Arte/Veja Rio)

Hoje em meio a uma quantidade inédita de processos, a Light tem trajetória que se confunde com a história da cidade. Seu caminho remonta à The Rio de Janeiro Tramway Light and Power, fundada em 1899, no Canadá. Oito anos depois, a empresa passaria a fornecer, pela primeira vez de forma sistemática, energia elétrica aos cariocas. O empreendimento cresceu junto com sua clientela, diversificou-se (a ponto de ganhar a alcunha de “polvo canadense”, mas essa é outra história), teve a distribuidora de luz estatizada nos anos 70 e devolvida ao controle privado duas décadas depois. Membros de um consórcio encabeçado pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), seus atuais proprietários enfrentam um problemão, além das querelas na Justiça. Trata-se do furto de energia, delito que assume proporções épicas no universo coberto pela Light: 10 milhões de pessoas em 31 municípios fluminenses. Já houve flagrante de gato em mansões, hotéis e até em batalhão da PM. Há casos rumorosos, a exemplo da fiscalização no condomínio Riviera del Sol, em Vargem Grande, feita em outubro de 2017. Lá foram flagradas gambiarras subterrâneas em catorze casarões de luxo. Os 5,1 terawatts-hora surrupiados a cada ano, o equivalente a 15% de toda a energia fornecida, são suficientes para abastecer, pelo mesmo período, o vizinho Espírito Santo. “O Rio de Janeiro é o estado com o maior volume de energia furtada no Brasil”, afirma Rainilton de Andrade, superintendente de recuperação de energia da Light. “Além de aumentarem a probabilidade de interrupções no fornecimento, pois a rede fica sobrecarregada, as irregularidades oneram a conta de luz em 17% com o repasse do que é furtado.”

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(Arte/Veja Rio)

O que mudou? Antes mensais, as blitze contra essa prática criminosa passaram a ser diárias, principalmente nas zonas Norte e Oeste, onde o porcentual de energia furtada chega a 32%. A análise e a investigação de irregularidades são feitas desde 2016 pelo Centro de Controle de Medição, localizado no quartel-general da Light, na Avenida Marechal Floriano, no Centro. Vem do mesmo endereço, a propósito, a sugestão de que a montanha de ações judiciais a fustigar a empresa tem a ver com o combate aos gatos, intensificado nos últimos tempos. De fato, a ocorrência de processos só faz crescer desde 2014 (naquele ano foram 24 908, quantidade inferior à atingida no primeiro semestre de 2018). A ideia, no entanto, não convence a defensora pública Patrícia Cardoso. “Quem furta energia não entra com processo; a verdade é que a empresa cobra sem muito critério e as pessoas estão reagindo”, alega a advogada, coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon). “Hoje, empresas com número de clientes muito maior do que possui a Light não têm tantos processos”, reforça o advogado Arnon Velmovitsky, às voltas com vinte ações contra a operadora em seu escritório. Nesse jogo de gato (de luz) e rato (no caso, os consumidores que se sentem lesados pela empresa), a solução é iluminar um caminho equidistante tanto do furto de energia, que, além de ser crime, eleva as tarifas, quanto do serviço deficiente prestado pela concessionária. Não é tarefa fácil nem cabe a apenas um lado da contenda. ß

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