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Instituto Estadual do Cérebro atende bebês com microcefalia

Em um serviço pioneiro no país, médicos e terapeutas dedicam-se a tratar e estudar os bebês com a má-formação provocada pela zika

Por Pedro Moraes
Atualizado em 2 jun 2017, 12h05 - Publicado em 18 jun 2016, 01h00

O contraste entre o tamanho diminuto da paciente e a imensa máquina de ressonância magnética, o aparelho de diagnóstico por imagem mais preciso que existe, impressiona à primeira vista. Com 5 meses de vida, a pequena Ana Clara é colocada em uma maca deslizante e tem o casaquinho rosa e o macacão da mesma cor desabotoados. O médico então ausculta seus batimentos cardíacos enquanto ela boceja e mexe as perninhas. Em seguida, uma enfermeira pega um equipamento de inalação que vaporiza um anestésico leve nas vias respiratórias da criança. Rapidamente, o bebê entra em um sono profundo e o exame propriamente dito começa. A maca desloca-se para dentro de um tubo onde a criança passa vários minutos tendo seu cérebro esquadrinhado. Pouco a pouco, as imagens começam a chegar aos monitores da sala vizinha e, ali, os técnicos dão início a um detalhado processo de investigação de seu sistema nervoso central. A menina, cuja cabeça, no nascimento, tinha um perímetro de apenas 22 centímetros, quase 10 a menos do que o padrão, apresenta um caso severo de microcefalia. Com os exames, os médicos pretendem confirmar os vínculos da má-formação com a infecção pelo vírus zika e analisar outros possíveis danos na estrutura cerebral.

ANA CLARA
ANA CLARA ()

A avaliação a que Ana Clara foi submetida no último dia 10, no Instituto Estadual do Cérebro (IEC), é a segunda etapa de um amplo programa que envolve aconselhamento materno, acompanhamento médico, medicação e tratamentos e terapias complementares, se for o caso. A iniciativa faz parte do Ambulatório de Microcefalia da instituição, inaugurado há quatro meses. Ambicioso, o programa propõe-se a estudar todos os casos da má-formação provocada pelo vírus no estado e já recebeu, desde sua abertura, 106 crianças. Com uma equipe médica composta de neuropediatras, radiologistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e oftalmologistas, esse trabalho se tornou referência nacional, reconhecido pelo Ministério da Saúde como modelo a ser seguido no país. “Todos nós ficamos chocados com esses casos de microcefalia e, em consequência disso, pensamos no que poderíamos fazer”, explica Paulo Niemeyer Filho, diretor médico do IEC. “Apesar de a especialização do instituto ser a neurocirurgia, temos os equipamentos necessários para fazer esses exames e condições de dividir a agenda dos consultórios para atender essas famílias. Daí a montar o projeto foi um passo.”

SOFIA
SOFIA ()

Os primeiros indícios de que existe algo errado no desenvolvimento da criança com microcefalia costuma surgir durante a gestação, nos exames do pré-natal. O perímetro encefálico reduzido é a principal característica do problema, confirmado no nascimento. Para meninos, a medida a ser considerada deve ser inferior ou igual a 31,9 centímetros enquanto para as meninas, o tamanho deve ser inferior ou igual a 31,5 centímetros. Uma vez constatada tal condição, o caso deve ser notificado ao Ministério da Saúde. No Rio, desde fevereiro, os pacientes são encaminhados ao IEC, localizado no Centro. Ali, o processo de diagnóstico é feito ao longo de três visitas. A primeira etapa consiste em cinco consultas, com pediatra, neuropediatra, fisioterapeuta, fonoaudiólogo e assistente social. A segunda envolve os exames de maior complexidade, como a tomografia computadorizada e a ressonância magnética, além de testes oftalmológicos e do exame conhecido como Bera — que avalia a resposta cerebral a estímulos auditivos. Na última etapa, as famílias recebem o diagnóstico detalhado, com a orientação sobre quais cuidados serão necessários nos primeiros anos de vida da criança. “O importante é que essas pessoas tenham o maior número possível de respostas que as preparem para o que terão pela frente”, explica a médica Fernanda Fialho, coordenadora da pediatria e responsável pelo projeto. Além de dar atendimento, o ambulatório propõe-se a gerar dados científicos sobre a microcefalia provocada por zika. Os testes de imagem, por exemplo, são usados para avaliar, entre outras coisas, a presença de microcalcificações no tecido cerebral da criança, um dos efeitos da infecção pelo vírus. O objetivo da equipe é submeter os resultados das pesquisas a publicações científicas internacionais e, dessa forma, engrossar as fileiras dos grupos de estudiosos que vêm combatendo a epidemia e suas consequências.

DAVI
DAVI ()
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Receber os pequenos pacientes com microcefalia exigiu mudanças na rotina do instituto. No entanto, não demandou nenhum orçamento extra, que seria impossível de viabilizar na atual crise econômica do estado. Na contramão da penúria e das más notícias no setor da saúde, a unidade remanejou receitas, conseguiu estruturar o programa e ainda manter as ampliações e a aquisição de novos equipamentos previstas nos planos traçados em 2014, antes do apocalipse das finanças estaduais. Mas, mesmo com o cenário mais otimista, a realidade dos recursos da unidade demanda atenção. O hospital, que antes recebia em média 13 milhões de reais por mês, agora opera com a verba de 8,5 milhões. “Fizemos ajustes nas contas, optamos por materiais mais simples e mantivemos as portas abertas. Brinco com a equipe dizendo que vamos trocar o elevador pela escada mas chegaremos ao mesmo lugar”, diz Niemeyer.

HELENA
HELENA ()

O nascimento de um bebê com microcefalia tem um efeito brutal sobre a família. A má-formação faz com que a criança exija cuidado constante, tenha graves problemas de desenvolvimento e uma vida cercada de limitações (confira o depoimento das mães de bebês com microcefalia ao longo da reportagem). Não são raros os casos de casamentos desfeitos e de mulheres obrigadas a abandonar o emprego para cuidar do filho. Do ponto de vista físico, esses bebês compartilham algumas características, além do tamanho reduzido da cabeça. Eles costumam sofrer de hipertrofia muscular, que causa o enrijecimento dos membros, de dificuldade para a sucção, o que prejudica a amamentação, e de crises convulsivas, normalmente controladas com medicação. A falta de informação sobre a microcefalia e sobre como lidar com seus impactos é extremamente comum entre as mães que chegam ao serviço do IEC. “É muito importante a estimulação dos músculos, pois a microcefalia leva à limitação de movimentos”, explica a pediatra Fernanda Fialho. “Se nada for feito, é possível que essas crianças nem cheguem a se sentar. E, com certeza, no futuro, será mais fácil para as mães lidar com uma criança que tenha o máximo possível de mobilidade.”

RAYLAN
RAYLAN ()

Em meio ao complexo cenário criado com a epidemia provocada pela combinação do mosquito Aedes aegypti com o zika, cientistas aquartelaram-se em seus laboratórios em busca de respostas que envolvem desde as formas de contágio até a maneira como o vírus se propaga no organismo. Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, por exemplo, começaram a estudar se adultos infectados pelo zika podem desenvolver problemas neurológicos, por exemplo. Já a Fundação Oswaldo Cruz, através de seus vários organismos, dedica-se a um amplo espectro de estudos que vão do mosquito ao atendimento de pacientes infectados pelo microrganismo, por meio do Instituto Fernandes Figueira. Nesse contexto, o IEC ganha destaque entre as demais instituições em função da capacidade de oferecer em um mesmo lugar exames de alta complexidade usados no diagnóstico e atendimento multidisciplinar prestado a mães e filhos. “Desde que a Ana Clara nasceu, ela só chorava, a ponto de eu ficar desesperada, sem saber o que fazer. Além disso, ela não ganhava peso”, explica Jéssica dos Santos, de 24 anos, mãe da bebê avaliada na ressonância magnética descrita no início da reportagem. “Quando cheguei aqui me explicaram que ela não conseguia sugar direito. Aprendi, por exemplo, a fazer uma massagem na bochecha dela que ajuda na mamada. Hoje ela chora menos e está mais gordinha”, diz.

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ARTHUR
ARTHUR ()

Um agravante nesse quadro dramático é o perfil econômico das famílias com casos de microcefalia, a maioria de baixa renda. Há mães que vão ao IEC e pedem auxílio financeiro para voltar para casa. Alguns órgãos estão dando apoio a essas pessoas. A ONG RioSolidario, ligada ao governo do estado, oferece a elas transporte e acompanhamento de assistente social, assim como alguns municípios vêm se responsabilizando pelo deslocamento até a sede do instituto, no Centro. As mães costumam reagir ao problema das formas mais variadas, em um grande leque de emoções que vão da resignação à comovente dedicação absoluta aos filhos. No entanto, um traço comum a todas é a incerteza em torno do que acontecerá com seus bebês. “Penso todo o tempo sobre como será o nosso futuro, se essas crianças terão algum dia uma chance de ser incluídas na sociedade”, diz Erika Bernardo, mãe de Hellena, de 6 meses. Cabeleireira, ela parou de trabalhar para cuidar da filha em tempo integral. Solteira, não sabe quando poderá voltar ao serviço e tem dúvida se isso um dia vai acontecer. “Hoje, sou só a mãe da Hellena, e isso é a coisa mais importante para mim.” Mesmo que não tenham todas as respostas que as mães e os familiares buscam, centros como o Instituto Estadual do Cérebro fazem com que tamanha angústia seja mais suportável. 

+ Conheça o perfil do neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho

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